‘Ninguém fica sentado em casa aumentando preços, é um trabalho de equipe’, diz Castello Branco

Em sua primeira aparição pública após ser demitido pelo presidente Jair Bolsonaro pelas redes sociais, o presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, usou de ironia para se defender. O executivo rebateu cada uma das críticas a ele e ainda apareceu numa teleconferência com analistas do mercado financeiro com uma camisa de malha com a inscrição ‘mind the gap’, um alerta típico do metrô de Londres para que os clientes se atentem a possíveis quedas.

O termo gap, em inglês, significa lacuna. Ao utilizá-lo, Castello Branco enviou um recado velado ao presidente da República sobre os riscos de se vender combustíveis a preços descolados do mercado internacional. A adoção pela empresa de uma política de reajustes em linha com as oscilações do petróleo negociado na Bolsa de Londres – Política de Paridade Internacional (PPI) – motivou a demissão do executivo na semana passada.

O executivo disse ter sido acusado injustamente de falta de transparência e que “o preço dos combustíveis ainda é alvo de palpites de jogo de futebol”. Segundo ele, as decisões sobre o assunto são reflexo do mercado de petróleo e levam em conta princípios de governança. “Ninguém fica sentado em casa aumentando preços, é um trabalho de equipe”, explicou.

Enquanto Castello Branco prestava contas da sua gestão a analistas de mercado, o presidente Jair Bolsonaro voltou a criticar o atual presidente em evento em Itaipu, ao lado do seu indicado para o cargo, general Joaquim Silva e Luna. “Uma estatal, seja lá qual for, tem que ter a sua visão de social, não podemos admitir uma estatal, um presidente, que não tenha essa visão”, disparou Bolsonaro, em referência aos aumentos dos combustíveis considerados excessivos pelo governo.

As ações reagiram imediatamente à fala do Presidente, invertendo a alta de mais de 1% desde a abertura para queda. Hoje, os papeis ON e PN da petroleira fecharam com quedas de 3,95% e 4,96% cada.

Bolsonaro não gostou do aumento de 15,2% do óleo diesel anunciado pela Petrobrás na quinta-feira, 18. Ao encarecer o combustível, Castello Branco contrariou reivindicações dos caminhoneiros, que, por conta do diesel, ameaçam repetir a greve histórica de maio de 2018. A categoria é uma das mais importantes bases eleitorais do presidente da República.

Em sucessivas mensagens contra a atual administração da estatal, Bolsonaro também acusou o executivo de não ser transparente ao estabelecer os preços dos combustíveis e criticou a opção do executivo por trabalhar de casa durante a pandemia, em um regime de “home office”. Todas as críticas foram rebatidas de modo subliminar pelo executivo, em duas horas e meia de teleconferência com analistas de mercado para apresentar o resultado financeiro de 2020, quando a Petrobrás teve lucro de R$ 7,1 bilhões.

Segundo o presidente da Petrobrás, não há como a empresa se inserir numa economia de mercado sem se balizar na cotação do petróleo em dólar. Isso porque, ao praticar preços inferiores aos do mercado internacional, a estatal vai impedir a importação de combustíveis e, consequentemente, a concorrência. Ele argumentou ainda que uma relevante parcela da dívida da empresa é cobrada em moeda norte-americana.

“Não se atende aos melhores interesses da sociedade subsidiando os preços dos combustíveis. Nós optamos, para ter uma visão social, por projetos que tenham alta taxa de retorno social, seja em educação, meio ambiente ou no combate à covid”, disse o presidente da Petrobrás.

Ele disse ainda ter sido acusado injustamente de falta de transparência, porque nenhuma petrolífera do mundo revela sua fórmula de reajuste de preços. “Espero viver um dia em que o debate sobre preços de combustíveis deixará de ser relevante”, afirmou.

Sobre as críticas ao trabalho remoto na pandemia, Castello Branco alegou que o regime gerou ganhos de produtividade e redução de custos, além de ter contribuído para diminuir a contaminação por coronavírus na empresa. “O vencedor não é quem é maior, mas quem sabe mudar rapidamente de forma inteligente”, acrescentou, em resposta à fala de Bolsonaro, que chamou de “inadmissível” a adoção do home office pelo presidente da Petrobrás.

Apesar do tom de ressentimento na teleconferência com analistas, Castello Branco se mostrou disposto a ajudar na transição do comando da estatal para o general Luna. Para ele, o processo deverá ser “suave”. Apesar de questionado diversas vezes, ele não quis comentar sobre o futuro da companhia. Disse apenas que não há indicação de mudanças na política de preços dos combustíveis e que, até agora, os últimos acontecimentos não interferiram no programa de venda de refinarias.

O ESTADO DE S. PAULO

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