Depois do desemprego recorde, há sinais de melhora no mercado de trabalho, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV). Analistas do setor financeiro refazem suas contas, projetam crescimento econômico superior a 5% e apontam desocupação abaixo de 14% no fim do ano. O quadro continuará bem pior que os de outras grandes economias, mas será em parte explicável por um fato positivo. Com a recuperação da atividade, mais pessoas sairão em busca de vagas e isso afetará as estatísticas. Com esse movimento, a porcentagem de pessoas desocupadas permanecerá elevada. Mas, por enquanto, essa mudança é muito menos visível no dia a dia do que nas projeções e nas sondagens de expectativas. Expectativas, no entanto, podem fazer diferença.
A reativação econômica, a redução do número de mortes pela covid e a flexibilização das políticas preventivas “parecem contribuir” para a melhora do cenário, resumiu o pesquisador Rodolpho Tobler, do Instituto Brasileiro de Economia da FGV. “A expectativa para os próximos meses é de continuidade dessa recuperação”, acrescentou, “mas ainda existe muita incerteza.” Segundo ele, “o avanço da vacinação e o controle da pandemia continuam sendo fundamentais para o processo de retomada”. Como outros economistas brasileiros e estrangeiros, ele condiciona suas projeções ao sucesso das políticas de saúde baseadas na orientação científica, em evidente contraste com as posições defendidas, com persistência, pelo presidente Jair Bolsonaro.
A expectativa de maior oferta de vagas é traduzida em números no Indicador Antecedente de Emprego (IAEmp), elaborado mensalmente pela FGV. Em junho, esse indicador chegou a 87,6 pontos, o maior nível desde fevereiro do ano passado, anterior ao primeiro impacto da pandemia. Nesse mês o índice ficou em 92 pontos. O degrau mais baixo, de número 39,7, foi atingido em abril de 2020. A recuperação começou em maio, com os primeiros sinais de repique da produção industrial e das vendas do comércio varejista.
A retomada dos serviços, importante fonte de empregos, começou em junho e tem sido muito lenta. O risco ainda muito grande de contaminação pela covid continua prejudicando o setor, especialmente nos segmentos muito dependentes do atendimento presencial, como os da alimentação, da hospedagem e dos serviços de beleza.
Divulgado ontem, o indicador de tendência do emprego resulta da combinação de sondagens do consumidor, da indústria, dos serviços e da construção. Nesses levantamentos são coletadas informações sobre situação atual dos negócios, tendências e previsões de criação de vagas. Em junho, todas essas consultas mostraram avaliações positivas da condição presente e das perspectivas da atividade e da evolução do quadro do pessoal.
A síntese das sondagens setoriais é o Índice de Confiança Empresarial (ICE). Esse indicador subiu 4,3 pontos em junho e chegou a 98,8, o maior valor desde dezembro de 2013. Houve evolução positiva nos índices da indústria, dos serviços, do comércio, da construção e do consumidor. A melhora apareceu na avaliação das condições presentes e nas expectativas, mas só as fontes da indústria confirmaram a recuperação das perdas do bimestre março-abril de 2020. A pior situação é a dos consumidores, com reposição de apenas 77% daqueles danos.
A recuperação mais precária dos consumidores é provavelmente explicável pela persistência do alto desemprego, pela redução – com suspensão por três meses – do auxílio emergencial, pelas más condições da ocupação disponível e pela inflação elevada. Os preços ao consumidor subiram mais de 8% em 12 meses, impondo enormes dificuldades a dezenas de milhões de pessoas.
O prolongamento do auxílio emergencial por três meses dará alívio temporário e muito limitado a essas famílias. A solução mais efetiva, a maior oferta de vagas, ainda vai demorar. Se o desemprego cair para 12,1% no fim do ano, como indica a projeção de um grande banco, ainda será muito alto. Mesmo com crescimento econômico de 5,5%, a recuperação apenas terá começado.
O ESTADO DE S. PAULO