A pressão inflacionária deve diminuir nos próximos meses, mas nada indica que ela vai “arrefecer muito”. Essa é a avaliação do economista Mailson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda no governo Sarney e sócio da Tendências Consultoria Integrada.
Segundo ele, os choques de alimentos, combustíveis e, mais recentemente, o risco trazido pelo setor elétrico têm sustentado os índices de inflação no Brasil. Confira os principais trechos da entrevista.
Por que a inflação está mais elevada?
Essa inflação se deve na sua maior parte a uma pressão de custos. Portanto, é uma inflação de oferta. Primeiro, temos os custos decorrentes do aumento dos preços das commodities, que é uma consequência da forte recuperação das economias da China, dos Estados Unidos e agora da Europa. Isso esteve associado a uma depreciação cambial, que não é normal em ciclos positivos de commodities. Quando as commodities sobem, a tendência é a valorização da moeda do País que exporta esses produtos. No Brasil, aconteceu o contrário: houve uma depreciação do real. Isso decorrente de riscos percebidos tanto no campo fiscal quanto no político. Essas duas forças – depreciação e aumento de preços das commodities – levou a um aumento expressivo de alimentos e matérias-primas. Além disso, houve um aumento no preço de combustíveis e, mais recentemente, de energia, em função da crise hídrica.
O que o governo pode fazer?
Esse tipo de inflação não tem como ser combatida pelos instrumentos convencionais de política monetária. A Selic (a taxa básica de juros) está aumentando – e é necessário que aumente – para combater os efeitos secundários da inflação. Isso diz respeito ao que influencia expectativas e produz remarcações de preços. Além disso, é preciso evitar que essa inflação mais alta, provocada pelo lado da oferta, contamine a inflação para 2022. O que o Banco Central nesta altura está fazendo é olhar a inflação em 2022, e não mais em 2021. O BC não tem como evitar que a inflação este ano fique acima do limite superior da meta.
O BC vinha defendendo no ano passado que a inflação de alimentos era passageira. Mas o choque continua.
O BC tinha razão meses atrás ao estimar que esse choque seria temporário. Porque não havia estimativa de crescimento de 6,5% dos EUA este ano nem perto de 9% da China. O que era verdade três ou quatro meses atrás não é mais verdade hoje.
A inflação de serviços preocupa para o futuro?
Há dois fatores de pressão, que virão do andamento da economia. Em primeiro lugar, à medida que a renda aumenta, sobe a possibilidade de as empresas repassarem aos preços finais custos reprimidos. As empresas estão operando hoje com margens mais baixas, porque não conseguem repassar. O segundo ponto está ligado ao fim da pandemia. A inflação de serviços em 12 meses até maio foi de apenas 1,7%. É menos de um quarto da inflação em 12 meses do IPCA cheio. As pessoas deixaram de ter contato entre si, de ir a cinemas, teatros, restaurantes. À medida que a vacinação avança, vamos ter daqui a pouco a liberação de estádios e festas, por exemplo. Tudo isso será uma demanda adicional por serviços. Então, nada indica que a inflação vai arrefecer muito nos próximos meses. Ela vai cair, de 8,06% em 12 meses até maio para 5,8% (no acumulado de 2021), segundo nossas estimativas. Mas não para 3,50%.
O ESTADO DE S. PAULO