Múltis planejam modelo de trabalho flexível no pós-crise

O brasileiro Roberto Azevêdo assumiu a vice-presidência global de assuntos corporativos da PepsiCo, nos Estados Unidos, em 1º de setembro do ano passado, um dia depois de ter deixado a direção-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC). Seis meses depois, ele não ocupou uma só vez até agora sua mesa na grande sala dos principais executivos da multinacional americana em Purchase (Nova York). A sede da empresa continua fechada, a exemplo de milhares de grandes companhias globalmente, para evitar mais propagação do coronavírus. A PepsiCo, com mais de 300 mil funcionários globalmente, a líder mundial do setor de alimentos Nestlé, com 291 mil empregados, e o laboratório farmacêutico Novartis, com 110 mil funcionários, têm em comum a constatação de que a pandemia acelerou a necessidade de reorganizar o modelo de trabalho. Quando a crise sanitária global passar, muitas multinacionais estudam não voltar a ter mais a presença física nos seus escritórios – pelo menos não como antes. Boa parte dos empregados poderá escolher onde e como vai trabalhar. Em alguns casos, sem ter necessidade de perguntar a seus gerentes. Mais flexibilidade na realização das tarefas poderá resultar em redução de despesas e aumento da produtividade.

“O trabalho nas empresas, seguramente nos EUA e imagino na maior parte do mundo ocidental, não voltará ao que era antes, porque a crise sanitária e as novas https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpgs demonstraram que há formas mais eficientes para trabalhar, que aumentam a produtividade e que dispensam da presença do contato físico nos escritórios’’, diz Roberto Azevêdo, sem mencionar especificamente planos da PepsiCo. No seu dia a dia, até agora, Azevêdo trabalha num apartamento que alugou em Whiteplains, cidade a oito minutos de carro da sede da companhia em Purchase (NY). Em seis meses na Pepsi, ele só esteve na sede para poucas reuniões em tendas armadas ao ar livre, com distanciamento social, uso de máscara e outras precauções. E até agora não conheceu pessoalmente sua assistente direta. O contato só tem sido por telefone ou vídeo. “O que sabemos é que os empregadores estão surpreendentemente satisfeitos com o ‘home office’’, diz Sergei Suarez Dillon Soares, economista do trabalho na Organização Internacional do Trabalho (OIT). ‘’Antes, eles tinham muita resistência ao teletrabalho, achando que não iam controlar os empregados. Mas agora constatam que pelo menos no curto prazo há ganhos se trabalhando a partir de casa numa grande gama de setores. O grosso do tempo economizado no trânsito, por exemplo, está sendo utilizado para mais trabalho.’’

Segundo diferentes fontes, mais e mais empresas sinalizam reduzir já os espaços físicos dos seus escritórios e obter com isso uma economias expressiva. Em vez de ir a semana inteira à empresa, o funcionário passará a ir uma ou duas vezes. Em algumas áreas, nem isso, como é o caso da contabilidade, que pode ser feita de qualquer lugar. Empresas mencionam aumento de produtividade. O funcionário não vai perder um bom tempo se deslocando para o escritório. As companhias notaram que a pessoa em casa tem preocupação de mostrar que está trabalhando, bem mais do que no escritório. Viagens de negócios vão diminuir fortemente. A participação física em conferências será reduzida. As empresas vão ter menos despesas com viagens de trabalho, com material de escritório e outros itens. Além disso, com boa parte dos empregados trabalhando em casa, empresas vão aproveitar para reduzir sua “pegada carbono’’ e cumprir compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa. Na suíça Novartis, funcionários manifestaram forte desejo por mais flexibilidade sobre como, onde e quando trabalham, e líderes antes céticos aprenderam que modelos de trabalho flexíveis bem direcionados funcionam. “Acreditamos que podemos criar um modelo de trabalho futuro que otimize o desempenho pessoal e empresarial’’, informou a companhia.

Cerca de dois terços dos funcionários da empresa confirmaram em pesquisas que querem flexibilidade no futuro, cerca de 14% gostariam de trabalhar em casa na maior parte do tempo (10% antes da pandemia) e pouco menos de um quarto precisa ou prefere trabalhar no escritório a maior parte do tempo. A Novartis delineou um modelo que chama de “Escolha com Responsabilidade”. Por ele, o empregado pode decidir, em consulta com a equipe, como, onde e quando trabalha de forma mais eficaz em suas funções (dentro das fronteiras nacionais), assumindo a responsabilidade pessoal de informar seus gerentes e cumprir os requisitos necessários, como proteção de dados, regras de tempo de trabalho e descanso, saúde e segurança. É o que a empresa chama de ‘’unbossed environment’’, que é mais do que ambiente sem chefe, e sim sobre “empoderamento” que “ajudará nosso pessoal a ser mais criativo e produtivo quando tiver o poder de moldar seu próprio ambiente de trabalho’’, removendo obstáculos para “atingir seu potencial máximo’’, segundo a companhia. Na Nestlé, a constatação é de que o fim da pandemia não está à vista neste momento, mas a empresa quer “aprender com a experiência e adotar práticas de trabalho que nos permitam colaborar melhor e tomar decisões com mais agilidade”. Isso inclui maior uso de videoconferência e serviços em nuvem, permitindo mais flexibilidade nos modelos de trabalho.

Segundo estudo da OIT, o aumento enorme do trabalho em casa, por causa da pandemia, deverá persistir nos próximos anos. A organização recomenda aos governos a adoção de medidas específicas para atenuar riscos psicossociais e introduzir um “direito à desconexão’’ para assegurar o respeito das fronteiras entre vida profissional e vida privada. Antes da pandemia, a OIT calculava que 260 milhões de pessoas trabalhavam em casa no mundo, o que representa 7,9% da força de trabalho mundial. No início da pandemia e lockdowns, a estimativa era de que entre 15% e 18% dos trabalhadores globalmente tinham passado a fazer o “home office”, variando de um entre três empregados na América do Norte e Europa e um entre seis na África. Para Sergei Soares, da OIT, um dos problemas grandes na pandemia é que os teletrabalhadores estão 24h plugados. “É preciso não só ter o direito à desconexão, e sim ter o hábito da desconexão.” França, Bélgica, Itália e Equador já adotaram legislação sobre o tema. Isso pode ser aplicado em acordos coletivos, por empresas ou setoriais. Em qualquer situação, o empregador deve respeitar o “direito à desconexão” por pelo menos 12 horas consecutivas para cada período de 24 horas, assim como durante os períodos de folga.

VALOR ECONÔMICO

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