Embora tenha dado ênfase à normalização parcial da política monetária, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central trouxe, na ata da reunião da semana passada, uma visão otimista em relação à atividade econômica, além de ter revelado preocupação com potenciais efeitos da alta da inflação neste ano nas expectativas de 2022. O tom conservador do documento teve reflexos claros na curva de juros, que já trabalha com a ideia de o Copom ser forçado a elevar a Selic além da alta já sinalizada de 0,75 ponto em maio. Ontem, no fechamento dos negócios, a curva de juros precificava por completo um aumento de 1 ponto percentual no taxa básica de juros na próxima reunião do colegiado. Também as opções de Copom indicavam chance não desprezível de um aperto mais forte do que o telegrafado, ao apontar para 55% de chance de aumento de 0,75 ponto e 34% de possibilidade de elevação de 1 ponto em maio. “Os diretores foram bem enfáticos e mostraram preocupação com a inflação neste ano. Eles querem fazer esse processo de regularização dos juros de forma mais rápida do que o imaginado e têm sinalizado que isso se dará com altas de 0,75 ponto ou mais”, afirma Gustavo Pessoa, sócio e gestor da Legacy Capital. O cenário da gestora, inclusive, aponta para inflação em 5,40% neste ano, acima, portanto, do teto da banda da meta.
Para Pessoa, há espaço, portanto, para uma alta de mais de 0,75 ponto na Selic em maio. “Vai depender da dinâmica de câmbio e de inflação. Essas são as variáveis chave. Acreditamos que o BC pode acelerar o ritmo de elevação para 1 ponto, até porque achamos que ele deve ser surpreendido negativamente com a dinâmica da inflação”, afirma o profissional. “É bem provável que isso aconteça.” Na avaliação do gestor da Legacy, o BC tem, no momento, o diagnóstico de que precisa adequar a política monetária ao perfil de país atual. “Estávamos partindo para um regime de inflação de desorganização, que se dá quando geramos inflação e não crescemos. Mas agora, com o diagnóstico do BC de que precisamos organizar a moeda e colocar os juros em um nível saudável, acredito que vamos voltar a um regime mais organizado.” A Legacy acredita que a taxa básica pode chegar ao fim do ano em 6,5%. A projeção também está no cenário básico da Vinland Capital, apesar da ênfase dada pelo Copom a uma normalização parcial da política monetária no ciclo atual. O economista-chefe da Vinland, Aurelio Bicalho, observa, inclusive, que o Copom não deu explicações sobre ter sinalizado apenas um ajuste parcial da taxa de juros. “Até poderíamos pensar que seria pela capacidade ociosa na economia, mas a ata indica que essa ociosidade é muito menor do que o imaginado. Não há explicação e o meu entendimento é de que isso será removido logo.”
Na visão de Bicalho, a ausência de razões fortes para essa sinalização de normalização parcial “me deixam mais confortável com o cenário de ajuste contínuo”. O economista aponta ainda para o ambiente internacional, que indica um crescimento mais forte, especialmente nos Estados Unidos, o que tende a manter o dólar em níveis mais apreciados. “Esse panorama não deve permitir uma queda do dólar aqui, o que ajudaria a conter as pressões inflacionárias. Já a nossa atividade pode sofrer mais no curto prazo, mas deve ser por um período curto, já que o processo de imunização deve avançar bastante no meio do ano”, afirma Bicalho. A comunicação do Copom, assim, abre espaço para que o mercado coloque no preço a possibilidade de uma elevação de 1 ponto na Selic em maio, embora esse não seja o cenário mais provável, na avaliação do economistachefe da Occam, Paulo Val. A gestora carioca, inclusive, trabalha agora com um cenário em que a taxa básica chegará a 6% até o fim do ano.
“O cenário mais provável é o de um aumento de 0,75 ponto, mas se formos pensar em uma segunda opção, a alta de 1 ponto é mais provável do que uma de 0,50 ponto. Essa possibilidade existe porque a discussão foi completamente alterada em relação a um ano atrás, quando, depois do início da pandemia, havia a possibilidade de desancoragem das expectativas de inflação para baixo”, afirma Val. O economista alerta que a discussão se dá, agora, em torno de um possível rompimento do teto da banda da meta e da desancoragem das expectativas para cima. A Occam projeta o IPCA em 5% neste ano e em 4% em 2022. Em linha com o apontado pela Occam, o chefe de pesquisa para América Latina do BNP Paribas, Gustavo Arruda, é enfático ao apontar que o Copom “fecha as portas para a possibilidade de uma desaceleração do ritmo de alta”. Para ele, o conteúdo trazido pela ata “foi duro” e, no documento, “o BC está dizendo que o viés de inflação é para cima, e o do juro, também”.
Ao sinalizar que o risco é de mais altas de juros em virtude do balanço de riscos assimétrico, a autoridade monetária ainda se permite chegar a um patamar de juro neutro, diz Arruda, embora esse não seja o seu cenário base. A projeção do BNP Paribas é de que a taxa será elevada até 5% neste ano, com uma “parada para observação” dos efeitos na economia. No ano que vem, a Selic chegará, então, a 6,5%.
Em seu cenário, a Trafalgar também projeta a taxa básica em 6,5% no ano que vem, mas vê a Selic em nível um pouco menor no fim deste ano, em 4,5%, o que seria condizente com os sinais do BC de uma normalização parcial. Sobre esse aspecto, inclusive, o economista-chefe da Trafalgar, Guilherme Loureiro, enfatiza que, embora o Copom tenha antecipado o ciclo, isso não indica necessariamente uma Selic bem mais alta neste ano. “A normalização é parcial. É essa a mensagem. Ainda existe um grau de ociosidade que não precisa fazer o juro ser puxado para o nível neutro imediatamente.” “Fomos pegos de surpresa pelo fato de o Copom optar por começar o ciclo de uma forma mais rápida, mas é justificável”, diz Loureiro, para quem a antecipação do ciclo poderia ajudar no comportamento do câmbio. Ontem, o dólar operou abaixo de R$ 5,50 durante boa parte do pregão, mas fechou negociado a R$ 5,5146, em queda de 0,05%.
VALOR ECONÔMICO