Lula acolhe sugestões e moderniza discurso sobre relações de trabalho

Valor Econômico

Por Andrea Jubé e Estevão Taiar

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acolheu sugestões de aliados e de interlocutores do setor produtivo e financeiro para modernizar o discurso em relação às novas relações de trabalho. Neste sábado, além de defender a criação de mais postos com carteira assinada, o petista renovará o aceno aos brasileiros que sonham em abrir o próprio negócio. Lula vem testando a retórica porque o empreendedorismo ainda é tabu em uma ala da esquerda, que associa a atividade à agenda liberal.

O Valor apurou que Lula se impressionou com a informação que lhe foi transmitida pelo presidente e fundador da XP Investimentos, Guilherme Benchimol, em encontro ocorrido no dia 20 de abril, de que 76% dos moradores de favelas e comunidades de baixa renda têm, tiveram ou pretendem ter uma micro ou pequena empresa.

O índice veio a público há cerca de duas semanas, na primeira edição da Expo Favela, e foi divulgado pelo Valor. Um dado expressivo da pesquisa do Data Favela é de que 35% dos moradores das favelas sonham com o próprio negócio, enquanto somente 10% querem arrumar um emprego e 9% falam em ter uma profissão com um diploma de curso superior.

O presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles — que realizou a pesquisa em parceria com o Data Favela e com a Central Única das Favelas (Cufa) – afirmou ao Valor que, “em um território marginalizado como essas comunidades de baixa renda, muitas vezes o empreendedorismo surge como a única forma de uma pessoa obter uma renda superior a dois salários mínimos” para sobreviver.

Um deputado federal do PT, que falou reservadamente, ouviu de um diretor de um sindicato de motoristas de aplicativos de São Paulo a cobrança de que Lula precisava modernizar o discurso. Isso porque os sindicalizados não estão em busca de uma carteira assinada, e sim de oportunidade para iniciar um negócio. Até então, Lula vinha sustentando que os trabalhadores de aplicativos têm que ter acesso a direitos mínimos, como assistência médica, seguro para o carro, moto ou bicicleta, e descanso semanal remunerado.

Dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) mostram que aumentou o registro de microempreendedores individuais (MEIs) durante a pandemia. Em 2020, 2,6 milhões de brasileiros se inscreveram como MEIs. Em 2021, esse número subiu para 3,1 milhões. Com isso, o total de microempreendedores em atividade no Brasil atingiu 13,6 milhões no fim do ano passado.

Para o presidente do Sebrae, Carlos Melles, parte desse crescimento pode ser explicado pela alta do desemprego no período. “Sabemos que a saída para a retomada da economia e a geração de empregos passa necessariamente pelas micro e pequenas empresas e pelos microempreendedores individuais”, afirmou.

Lula teria ficado tão impactado com o relato de Benchimol que, um dia após o encontro com o banqueiro, mencionou a trajetória profissional dele — sem revelar sua identidade — como exemplo para centenas de jovens de baixa renda com quem se reuniu na favela de Heliópolis.

“Ontem [20 de abril] eu conversei com um desses [representantes] dessa gente importante do sistema financeiro”, disse Lula aos jovens da periferia de São Paulo. O ex-presidente relatou que o rapaz formado em Economia havia perdido o emprego, e ouviu do pai que era incompetente. Então, ele saiu de casa, mudou-se de cidade, abriu uma pequena corretora com os amigos, e anos depois se tornou fundador de um dos maiores bancos de investimento do país.

“Por quê?”, indagou Lula aos jovens de Heliópolis. “Porque ele foi desafiado”.

Em tom de “coach”, o petista estimulou os jovens presentes a se movimentarem para realizar seus sonhos. “Vocês estão desafiados a provar ao mundo inteiro que podem tanto quanto qualquer outra pessoa, vocês só querem a chance de dizer isso”.

Alvo de críticas por ter se encontrado com o petista, Benchimol esclareceu nas redes sociais que vai se reunir com todos os presidenciáveis. Segundo sua assessoria, ele também já esteve com os ex-governadores João Doria e Eduardo Leite, ambos do PSDB. “A agenda é como conseguimos ter uma economia estável, juros baixos, inflação controlada e fazer com que os nossos 20 milhões de empreendedores, que empregam mais de 50 milhões de brasileiros, aumentem em quantidade, e possam ser cada vez melhores, gerando ainda mais prosperidade para o nosso país”, escreveu o banqueiro em seu perfil no Instagram, sobre a agenda com Lula.

Uma semana depois de falar de empreendedorismo com os jovens da periferia, Lula voltou ao tema ao discursar no congresso nacional do PSB, em Brasília. Ele adiantou que vai “fazer um milagre para incentivar o empreendedorismo”, e que é preciso que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tenha uma linha de crédito voltada para o pequeno e o médio empresários.

A partir de então, o tema foi incorporado aos discursos de Lula, que voltou à carga no Dia do Trabalhador, e no ato em que recebeu apoio do Solidariedade. O ex-presidente, entretanto, teve que tatear para acrescentar a pauta às suas manifestações públicas, porque há resistência ao assunto em uma ala da esquerda.

“A pauta do empreendedorismo se choca com a do emprego, ultrapassa um dos paradigmas da esquerda”, explicou ao Valor o ex-governador do Maranhão e aliado do petista, Flávio Dino (PSB).

Dino participou de uma discussão acalorada sobre empreendedorismo durante o congresso do PSB, no dia 28 de abril, no painel “socialismo criativo”. Um grupo tentou excluir o termo da redação do novo estatuto do partido, porque seria diretamente associado ao “capitalismo”. Mas a ala liderada por Dino venceu o impasse, e a atividade — que já fazia parte do antigo estatuto — foi mantida no novo documento. A redação final é a seguinte: “são tarefas do socialismo criativo: desenvolver a criatividade, o empreendedorismo, o cooperativismo, ampliando os espaços de liberdade na sociedade e o bem-estar de todos”.

https://valor.globo.com/politica/noticia/2022/05/05/lula-acolhe-sugestoes-e-moderniza-discurso-sobre-relacoes-de-trabalho.ghtml

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