G1
Do total de 1,8 milhão de demissões no mercado formal em março, 603,1 mil foram voluntárias, ou seja, a pedido do trabalhador.
Por Marta Cavallini
Apesar do mercado de trabalho ainda fraco, muitos brasileiros estão se ‘desapegando’ dos seus empregos.
Do total de 1.816.882 desligamentos registrados em março, 603.136 foram voluntários, ou seja, a pedido do trabalhador – o equivalente a 33,2% do total. Isso em meio a um desemprego que atinge 12 milhões de brasileiros.
O levantamento feito pela LCA Consultores leva em conta os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que contabiliza as vagas com carteira assinada no país.
Trata-se do maior número de demissões a pedido em um único mês desde janeiro de 2020, início da série histórica do Caged com a metodologia atual de contagem de vagas.
Em fevereiro, que era o recorde até então, foram 560.272 demissões voluntárias, de um total de 1.684.636, o que também equivale a 33,2%. Comparando o mês de março de 2021 com o deste ano, o aumento no pedido de demissões foi de 38%. Já em fevereiro em relação ao mesmo período do ano passado, o aumento havia sido de 24%.
De acordo com Bruno Imaizumi, responsável pela pesquisa, trata-se de um movimento de continuidade de normalização do mercado de trabalho.
“A gente tem que lembrar que no começo da pandemia muita gente acabou aceitando emprego que não tinha afinidade com suas formações. Agora os efeitos da pandemia estão cada vez menores no mercado de trabalho e tem muita gente que acaba se demitindo para acabar se admitindo em outro lugar em profissões mais condizentes com suas qualificações”, diz.
Home office é empurrão para troca de emprego
O economista complementa que muitas empresas estão voltando para o trabalho presencial. Com isso, para os trabalhadores que viram que essa modalidade não é benéfica em termos de qualidade de vida, essa volta ao ambiente de trabalho acaba pesando na escolha do profissional, que prefere trabalhar de casa em vez de pegar trânsito todos os dias, por exemplo.
“Isso para empregos específicos, mais voltados para o setor de serviços em que seja possível trabalhar de casa”, ressalta.
Foi o caso do analista de finanças Wellington Lima, de 35 anos. Ele trocou um emprego em que ganhava um alto salário e tinha um cargo de gestão para ganhar 50% a menos em uma função bem abaixo da anterior. Tudo para poder trabalhar em casa e ficar perto da família.
“Hoje me sinto pleno, me sinto feliz. A minha remuneração não é a mesma que eu tinha no emprego anterior, mas a remuneração maior é o fato de estar ao lado da família, trabalhar almoçando em casa. Intercalando esse tempo entre trabalho e família, tendo essa flexibilidade, poder trabalhar um pouco mais confortável”, afirma.
Atividades com mais pedidos de demissão
Em relação ao estoque de vagas, ou seja, o total de empregos com carteira assinada, o setor de alojamento e alimentação foi o que mais registrou pedidos de demissão em março.
Já os setores de Atividades Administrativas e Serviços Complementares; Informação e Comunicação; e Atividades Profissionais, Científicas e Técnicas vêm em seguida na maior proporção de pedidos de demissão dentro do total de vagas. Nesse último caso, mostra-se um movimento de pedidos de demissão vindo principalmente de profissionais mais qualificados e de setores mais aquecidos, como de TI.
Para obter os dados por setores, Imaizumi fez o ajuste pelo total de trabalhadores dentro de cada atividade (estoque de vagas) para obter maior precisão nas informações, já que no caso do comércio, a quantidade de trabalhadores é significativa.
Segundo Bruno Imaizumi, o setor de alojamento e alimentação aparece em primeiro lugar porque foi uma atividade muito prejudicada pela pandemia.
“Agora com a recuperação desse setor, muitos trabalhadores, com a abertura de novos restaurantes, pousadas e hotéis, estão se demitindo porque estão recebendo ofertas melhores de outros lugares”, explica.
Já os outros três setores com maior proporção de pedidos de demissão estão relacionados a vagas mais técnicas que permitem a realização de trabalho remoto.
Trabalhador busca flexibilidade
Estudo do LinkedIn aponta que 49% dos entrevistados estão considerando mudar de emprego em 2022. Esta porcentagem é ainda mais alta para os profissionais jovens de 16 a 24 anos (61%). Os dois principais motivos são a busca por melhores salários e o desejo por um maior equilíbrio entre a vida pessoal e profissional.
Outra pesquisa da rede social profissional mostra que 78% dos profissionais afirmam que a pandemia fez com que passassem a querer ou a precisar de mais flexibilidade no trabalho. Cerca de 30% dos entrevistados afirmaram que deixaram seus empregos por falta de políticas flexíveis no último ano e quase 40% já consideraram essa possibilidade em algum momento da carreira. Equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal foi citado por 49% como principal motivo.
A busca por maior remuneração é o principal motivo para 49% dos empregados que pretendem buscar novas oportunidades neste ano, segundo outro levantamento da consultoria Robert Half.
Fernando Mantovani, diretor-geral da Robert Half para a América do Sul, aponta que o percentual de profissionais qualificados com nível superior pedindo demissão vem crescendo trimestre a trimestre, o que indica um importante movimento de busca de oportunidades mais alinhadas ao seu perfil e momento de vida.
Mudança de prioridades
Wellington Lima decidiu sair do emprego justamente porque percebeu que suas prioridades haviam mudado.
A troca veio em um momento em que ele queria estar ao lado da família, independente de remuneração, que hoje não é o fator que mais pesa na balança na hora de escolher uma oportunidade. “O que pesa é a possibilidade do trabalho remoto ou até mesmo híbrido, é uma modalidade que veio para ficar”.
Ele trabalhou por um ano em uma empresa agropecuária em Horizontinha, de forma presencial. “Dentro da minha área é tudo o que um profissional almeja. Dei um salto de 10 anos na minha carreira, numa empresa bem conceituada. Foi um upgrade que levaria muito tempo para acontecer se eu não tivesse aceitado esse emprego”, diz.
“Mas comecei a entender que isso não é essencial para a vida de um profissional, de estar pleno na carreira, mas distante da família. A balança pesou mais para esse segundo lado, de que poderia estar cuidando das pessoas que eu amo, trabalhando de forma remota”, completa.
Lima voltou para Curitiba para ficar perto de sua mãe de 77 anos. Desde março, ele trabalha em uma grande empresa de cosméticos, e já começou no novo emprego trabalhando no sítio da família.
O analista financeiro se habituou rápido ao trabalho remoto. “Basta ter um bom notebook e uma boa conexão. E trabalhar num sítio com cachoeira, rio, rodeado pela natureza não tem preço. Não tenho mais que perder tempo no trânsito e chegar estressado no trabalho. Hoje eu acordo, faço um café, tomo um banho, brinco com o cachorro, converso, todo aquele tempo que eu tinha de deslocamento se tornou um ganho que eu dedico pra minha família antes de começar a trabalhar”, conta.
Mudança deve ser planejada, diz especialista
Erika Linhares, executiva especializada em comportamento em empresas, lembra que, em meio a um cenário de desemprego elevado como o de agora, o ideal é ficar no emprego em que está e ir procurando o que deseja.
“O mais importante é saber por que você quer mudar de emprego ou carreira. Então, qualquer momento é momento. Se o motivo for porque está a fim de ir para uma empresa melhor, não precisa largar o emprego para mudar”, diz.
A especialista indica sair de onde está quando conseguir o que quer. “Isso é fazer uma transição de carreira planejada com resiliência e sem passar aperto. Se puder fazer essa transição empregado onde está, é melhor. A gente consegue emprego mais rápido quando está empregado”, afirma.
Segundo Erika, toda mudança profissional deve ser planejada: não dá para mudar na impulsividade, sem planejamento.
“É preciso pensar exatamente em para onde quer ir e entender quais são as exigências da função, quais competências comportamentais e técnicas a empresa exige. E aí se qualificar”.