Limite de dedução do IR com vale refeição pode parar na Justiça

Valor Econômico –

O governo vai limitar a dedução do Imposto de Renda das empresas na concessão de vales refeição e alimentação. As regras publicadas recentemente no Decreto nº 10.854, e que terão validade a partir do dia 11 de dezembro, definem que apenas os valores pagos até um salário mínimo (piso nacional) poderão ser descontados da base de cálculo do IRPJ. Advogados já apontam que a medida pode ser judicializada.

As novas regras também preveem que o abatimento dos vales só deverá ser aplicado para os rendimentos de até cinco salários mínimos. Quando as empresas têm serviço próprio de refeições ou de distribuição de alimentos as limitações não se aplicam e o gasto pode continuar sendo todo abatido da base do IRPJ. A regra de cálculo do benefício previsto no Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) tem alguma complexidade, mas o incentivo não pode superar 4% do imposto devido no ano.

“A alteração vai ao encontro de recomendações de relatório de auditoria da CGU [Controladoria-Geral da União], de que a alocação do benefício apresenta distorções, com baixa atratividade ao público-alvo, especialmente aos trabalhadores de menor renda. O objetivo consistiu em focar a política nos trabalhadores de menor renda, conforme previsto no art. 2º da Lei nº 6.321, de 1976, que criou o programa”, disse o Ministério do Trabalho ao Valor.

Essa medida específica deve diminuir a renúncia fiscal do governo no âmbito do programa, mas a Receita Federal e o Ministério do Trabalho dizem que ainda não têm cálculos, embora uma fonte do governo aponte que não deverá ser significativo.

O efeito maior deve ser para trabalhadores de maior renda e que recebam valores acima de R$ 1,1 mil em vales refeição e alimentação. O pagamento de tíquetes acima desse nível continua permitido, porém a parte que exceder o teto não será mais dedutível e quem tem renda acima de cinco salários mínimos perde toda possibilidade de dedução, o que restringe o programa.

Uma fonte do governo explica que o texto atende uma preocupação que existia há algum tempo no Executivo Federal sobre a falta de limites para o uso desse instrumento. A intenção do PAT, explica esse interlocutor, é garantir que os trabalhadores não fiquem em situação precária do ponto de vista alimentar e o limite estabelecido no decreto é considerado bastante elevado, evitando problemas para os trabalhadores de renda menor. Apesar de ser liderado pelo Ministério do Trabalho, esse capítulo do decreto mudou o do Imposto de Renda (RIR).

Para Jorge Matsumoto, sócio da área trabalhista do escritório Bichara Advogados, a medida é ruim para as empresas e pode inibir o empregador a dar o vale refeição aos funcionários, pois reduz o incentivo ligado ao benefício. “Com certeza vai ter ganho fiscal para o governo e as empresas vão repensar se dão vale refeição ou não”, diz.

Uma outra fonte do setor privado explica ao Valor que a nova regra atinge basicamente empresas grandes, tributadas pelo lucro real. Na visão desse interlocutor, a medida também pode estar mirando um possível movimento de planejamento das empresas após as recentes altas nos preços dos alimentos, que estariam preferindo compensar a inflação mais alta por meio de aumento nos tíquetes em detrimento de reajustes nos salários. Enquanto alta de salário tem efeito tributário positivo para o governo, a elevação dos valores dos tíquetes é renúncia fiscal.

Para o professor da Faculdade de Economia da USP, José Afonso Mazzon, a mudança é significativa. “Deve [O programa] atender pouco mais de 80% dos trabalhadores atuais no PAT”, diz. Segundo ele, poderia haver um benefício decrescente para trabalhadores com renda entre 5 e 10 salários mínimos, principalmente da área de serviços de centros metropolitanos. “Aí abrangeria a quase totalidade de trabalhadores. Isso parece atender melhor a um princípio de justiça social”, afirma, apontando que a medida deve “reduzir bem a renúncia fiscal do governo”.

No meio do ano, o governo e o relator da reforma do IR na Câmara, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), tentaram acabar com o programa, eliminando a possibilidade de dedução prevista na Lei do PAT (nº 6.321/76). A proposta foi um dos tópicos polêmicos no projeto e, como parte das negociações, acabou retirado do relatório de Sabino para viabilizar a aprovação.

Segundo a advogada Erika Ferraciolli, sócia da área tributária do Orizzo Marques Advogados, essas novas restrições são questionáveis na Justiça sob o prisma da legalidade. O benefício do PAT está previsto em lei e, na visão dela, somente outra lei poderia restringir o direito dos contribuintes.

Erika diz que as mudanças apresentam a mesma irregularidade verificada no RIR, que definiu percentual máximo das despesas passíveis de dedução, e na atribuição de custo máximo de cada refeição do PAT para o cálculo do benefício pela Instrução Normativa da Receita Federal nº 267/02. “Essas últimas restrições já vêm sendo afastadas por decisões do STJ”, diz.

Alessandro Mendes Cardoso, sócio do escritório Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados, também acredita que o assunto é passível de discussão na Justiça. Para ele, o decreto está contrário à redação da Lei nº 6.371, de 1976, trazendo restrições que não constam na lei. Cardoso diz que essas limitações fazem diferença às grandes empresas porque a maioria participa do PAT.

O Ministério do Trabalho, contudo, avalia agir dentro das regras legais. “A Lei do PAT dispõe que a regulamentação será feita por ato do Poder Executivo, assim todas as regras específicas do PAT poderão estar dispostas no Decreto, a exemplo das regras de dedução”, disse a pasta ao Valor, explicando que teve suporte da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, da Receita Federal e também da área jurídica da Presidência da República, “não sendo identificado nenhum óbice”.

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