A Justiça do Trabalho acumula passivo administrativo de anos anteriores com servidores e magistrados de mais de R$ 1 bilhão. O CJF (Conselho da Justiça Federal) e o MPU (Ministério Público da União) não forneceram dados.
A assessoria de imprensa do CJF foi procurada na terça-feira (26). Foram solicitados dados sobre Orçamento, efeito da pandemia nos gastos da Justiça Federal, o total de passivos do órgão, se valores foram pagos e quantos servidores e magistrados foram beneficiados.
A reportagem perguntou ainda se o conselho havia recebido pedido de entidades e sindicatos para o uso de economias feitas na pandemia para pagamento de dívidas com servidores e magistrados e qual seria o impacto financeiro de uma eventual troca da TRD (Taxa Referencial Diária) pelo IPCA-E (Índice Nacional de Preços Amplo ao Consumidor-Especial) na correção das chamadas PAEs (parcelas autônomas de equivalência), um resquício dos anos 1990.
Na quarta-feira (27), a assessoria de imprensa informou que a demanda estava sob análise, mas seria necessário mais prazo, o que foi feito. A respostas eram aguardadas até quinta-feira (28). O órgão foi procurado novamente na sexta-feira (29), e não respondeu até a conclusão deste texto.
As mesmas perguntas e os mesmos procedimentos foram adotados em relação ao MPU.
Procurada na terça, a assessoria de imprensa da PGR (Procuradoria-Geral da República) disse na quarta que não seria possível fornecer as informações solicitadas no prazo mencionado. O órgão orientou a reportagem a consultar dados no Portal da Transparência. Parte das informações foi levantada no site, mas detalhamentos não foram encontrados.
A reportagem questionou ainda quanto tempo mais seria necessário para o envio das informações, mas não obteve resposta.
A Folha encaminhou mais perguntas na quinta. A assessoria disse na sexta que aguardava respostas da área técnica. Até a conclusão deste texto, o órgão não havia respondido.
Em nota, o CSJT (Conselho Superior da Justiça do Trabalho) enviou todas as informações solicitadas. Segundo o órgão, a economia feita durante a pandemia da Covid-19 na Justiça do Trabalho foi de R$ 538,5 milhões.
Ao todo, para magistrados e servidores, foram pagos R$ 110 milhões em passivos. Com o cumprimento de outras despesas, deixaram de ser usados R$ 243,5 milhões.
Em nota, o CSJT disse que os pagamentos foram feitos “com base nos princípios da eficiência, economicidade, moralidade e impessoalidade que devem orientar toda a gestão pública –e não por conta de requerimento formulado por magistrado, servidor ou entidades representativas”.
O saldo que ficou com o Tesouro levou a investida das entidades de magistrados no CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Decisão liminar (provisória) do dia 30 de dezembro determinou o bloqueio do dinheiro.
Parecer técnico do órgão do dia 14 de janeiro, porém, explicou ao conselheiro Mário Guerreiro que a medida é inviável. Os gastos deveriam ter sido feitos ainda em 2020. O caso está pendente de uma decisão final.
Em manifestação ao CNJ, no dia 31 de dezembro, a presidente do CSJT, ministra Maria Cristina Peduzzi, informou que foram antecipados em 2020 pagamento da venda de um terço e adiantamento de férias referentes a 2021 (R$ 143 milhões), “de modo a se promover a eficiente otimização de recursos orçamentários”.
Ao explicar por que rejeitou o pedido de pagamento, a ministra argumentou haver “responsabilização pessoal” na gestão do orçamento e ainda destacou a crise pela qual o país atravessa na pandemia da Covid-19. “A Justiça do Trabalho e o Poder Judiciário da União não constituem ilhas orçamentárias isoladas do resto do país”, escreveu.
Em nota à Folha, o CSJT afirmou ainda que foi priorizado o pagamento de dividas contraídas em 2020 no “esforço para que não fossem inscritos valores em restos a pagar em 2021”.
De R$ 1,07 bilhão devidos, R$ 955,24 milhões são a servidores.
Em relação à PAE, há R$ 25,4 milhões em passivos, e o CSJT não aplicou o IPCA-E nem quitou as pendências. “Tais valores não contaram com autorização para pagamento por parte da presidência do CSJT, porque não foram considerados incontroversos”, afirmou o conselho.
A PAE foi garantida a magistrados por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) nos anos 1990 a fim de equiparar vencimentos do Poder Judiciário ao do Legislativo.
Agora, por decisão administrativa, se requer a aplicação do IPCA-E em pendências porque o STF decidiu que a TR (Taxa Referencial) é inconstitucional. Em 2019, a corte concluiu julgamento sobre a correção monetária precatórios –dívidas da Fazenda Pública resultantes de decisões judiciais. O índice a ser usado é o IPCA-E.
Administrativamente, o procurador-geral Augusto Aras, conforme decisão obtida pela Folha, autorizou a correção. O CJF não informou se determinou recálculos. A troca do índice ainda está sob análise no CSJT.
Ao negar os pagamentos, em despacho, Peduzzi apontou também o peso da via administrativa na reivindicação de direitos de magistrados e servidores.
“Some-se a tal constatação [6% de juros ao ano, com impacto de R$ 83 milhões por ano] o fato de que a Emenda Constitucional nº 95 impôs rigorosas limitações orçamentárias. Ao mesmo tempo, se tal passivo não fosse estabelecido pela via administrativa e tivesse seguido o caminho da judicialização, não haveria risco de eventualmente comprometer o orçamento anual da Justiça do Trabalho, sujeito ao conhecido teto de gastos”, escreveu. O teto de gastos limita o crescimento das despesas públicas.
A Amatra-15 (associação de magistrados de Campinas e interior de São Paulo), que entrou contra a decisão de Peduzzi no CNJ pedindo o bloqueio dos recursos, não quis comentar o processo.
“A Amatra-15, por ora, prefere não se manifestar sobre o procedimento administrativo em referência, que se encontra na fase instrutória e ainda comportará decisão definitiva do Conselho Nacional de Justiça”, afirmou, por email, o presidente da entidade, Juiz César Reinaldo Offa Basile.
Procurada, a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), que entrou como parte no processo administrativo apresentado pela Amatra, não quis se pronunciar sobre o assunto.
À Folha a presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho), Noemia Porto, disse “acreditar e defender que esses atos [gestão e execução orçamentárias] devem ser democratizados, ou seja, não podem estar adstritos apenas à presidência do conselho”.
Ela disse que a entidade auxiliou no levantamento de dívidas ainda não quitadas pela União. “A não quitação de débitos apenas onera os cofres públicos em razão da incidência continuada de correção monetária e de juros. Além disso, a expectativa dos credores de recebimento é legítima, na medida em que o fato gerador já ocorreu, qual seja, o serviço prestado em favor da administração pública.”
Porto explicou que a Anamatra participou de debates e fez o pedido de reconsideração da decisão de Peduzzi, mas não tem iniciativa administrativa ou judicial —”e não pretende tê-las”— para discutir o não pagamento em 2020.
A ANPR (associação de procuradores) informou que não apresentou, judicial ou administrativamente, qualquer solicitação referente a passivos com base em sobras do Orçamento de 2020.
Quanto ao recálculo da PAE e ao pagamento de valores referentes a ela em dezembro de 2020, a associação afirmou que o pedido é de 2018. “Foi apresentado em agosto de 2018 pelas entidades associativas do MPU, na linha do entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal acerca do correto índice de correção monetária a ser utilizado”, disse, em nota.
Procurado, o Sindjus-DF (sindicato dos servidores do Judiciário e do MP da União), que enviou ofícios a tribunais e MPU, não respondeu às solicitações enviadas por email.
FOLHA DE S. PAULO