Justiça do Trabalho distribui milhões de reais em meio à pandemia de covid

Empresas e trabalhadores estão recebendo milhões de reais da Justiça do Trabalho em meio à pandemia. Ganhou força um projeto iniciado em 2019 para devolver a seus donos recursos esquecidos em contas judiciais. A maior parte dos valores localizados por meio do chamado “Sistema Garimpo” pertence a empregadores – que podem transferi-los para quitar outras dívidas trabalhistas. O programa foi desenvolvido pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Rio Grande do Norte e ganhou o país, principalmente no ano passado. Permite o cruzamento de dados de processos arquivados com informações do Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Porém, não identifica os donos dos valores ainda pendentes em contas judiciais. Esse trabalho posterior é feito manualmente.

Esses recursos esquecidos pertencem às partes – trabalhador ou empresa, que pode ter efetuado depósito a maior – a advogados e peritos ou mesmo à União, por meio de créditos tributários. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) estimou, em 2020, que foram esquecidos cerca de R$ 2 bilhões. No TRT de São Paulo, o maior do país, já foram localizados R$ 113, 8 milhões. A maior parte do valor pertence a empresas. São cerca de R$ 84 milhões. O TRT da Bahia encontrou um total de R$ 173 milhões. E os de Campinas (SP) e Rio de Janeiro, R$ 165,7 milhões e R$ 40 milhões, respectivamente. Pioneiro na inciativa, o Rio Grande do Norte disponibilizou R$ 28,8 milhões. O desafio do projeto está em localizar quem são os beneficiários desses recursos, já que se tratam de processos muito antigos, muitas vezes em papel. Recentemente, o TRT de São Paulo identificou a filha de um trabalhador que morreu e tinha cerca de R$ 1,6 milhão para receber. Ela não sabia da existência de processos apresentados por seu pai nos anos 90. Eles foram ajuizados com poucos dados cadastrais, como era comum na época. Os únicos dados disponíveis do empregado eram o nome e o número da carteira de trabalho, além de um endereço desatualizado. Nos anos 2000, a advogada e os juízes dos casos tentaram localizar o trabalhador, mas não conseguiram.

No ano passado, esses processos foram sinalizados pelo Sistema Garimpo. Por meio de um comprovante de depósito de FGTS, com número de conta, conseguiu-se obter um CPF e foi então que se descobriu que ele já havia morrido há quase 20 anos. Posteriormente, em uma pesquisa na Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp), identificou-se, em um dos endereços no qual o trabalhador chegou a morar, uma empresa. O dono se comprometeu a passar o telefone do TRT para a herdeira, que levou 15 dias para fazer a ligação, um pouco incrédula. “Muitas vezes a parte nem sabe que tem esse dinheiro a receber”, diz o juiz Valdir Rodrigues de Souza, que coordena o projeto no TRT de São Paulo. Por conta da pandemia, conta, todos os servidores ficaram em quarentena. Só em outubro então houve o retorno parcial das atividades presenciais do Projeto Garimpo. O trabalho para localizar os titulares dos recursos tem sido gratificante, segundo o magistrado. Semana passada, afirma, liberou R$ 300 mil para mais um herdeiro que não tinha conhecimento do processo. “Costumo dizer que é um setor onde todo mundo ganha. Ganha o empregador, o empregado e a União com o pagamento dos impostos. Dar a sentença é importante mas é muito bom ver a satisfação do crédito, a finalização do processo.” O juiz e mais 15 servidores atuam no Núcleo de Saneamento de Processos Arquivados Definitivamente. Com a pandemia e as restrições, apenas 20% dos servidores estão trabalhando presencialmente. “Tudo isso acabou dificultando o trabalho, mas estamos pedindo para advogados que digitalizem as peças para poder enviá-las aos funcionários em home office”, diz.

Além dos valores disponibilizados para as partes, ficou autorizado pela Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho (CSJT) que os TRTs possam transferir valores de até R$ 150 para o Fundo de Combate à Covid da União – estabeleceuse um valor mínimo para o trabalho.. No caso do TRT de São Paulo, já foram direcionados R$ 171 mil. Pelo TRT de Campinas, R$ 5,4 milhões. Também são localizados valores que podem fazer a diferença no dia a dia de uma empresa. O TRT de Campinas conseguiu resgatar R$ 118 mil para a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Descalvado. Esses valores possibilitaram a reforma do telhado do hospital e a compra de equipamentos. Dos R$ 165,7 milhões resgatados pelo TRT, R$ 69, 3 milhões foram destinados a empresas e R$ 36, 7 milhões a trabalhadores. Outra quantia significativa, cerca de R$ 59 milhões, foi transferida para outras execuções trabalhistas por empregadores.

Neste mês de fevereiro, o projeto Garimpo no TRT do Rio destinou quase R$ 5 milhões que seriam devolvidos para a Companhia de Águas e Esgotos (Cedae) para execuções pendentes contra a empresa. De acordo com a juíza gestora do Projeto Garimpo, Márcia Regina Leal Campos, os valores encontrados, em vez de liberados à titular dos depósitos, foram disponibilizados às varas do trabalho do Estado para uso em execuções pendentes. Pioneiro, o TRT do Rio Grande do Norte, que iniciou o trabalho em 2019, devolveu às partes R$ 5,9 milhões em 2019 e cerca de R$ 22,9 milhões no ano passado. Para o juiz Cacio Oliveira Manoel, apesar da pandemia ter atrasado o andamento do trabalho, os resultados são bons. “Conseguimos injetar recursos na economia porque esses valores estavam esquecidos. Ainda fazemos a transferência para movimentar outros processos que estavam sem pagamento”, diz. Ele acrescenta que, no início da pandemia, conseguiram localizar valores esquecidos por empresas em dificuldade, que puderam quitar verbas.

VALOR ECONÔMICO

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