Além de infernizar as famílias, a inflação disparada pode atrapalhar duplamente a retomada econômica – reduzindo o poder de compra dos consumidores e forçando a elevação dos juros. Esses efeitos são especialmente danosos num ambiente de alto desemprego e, além disso, de baixa qualidade das ocupações disponíveis para dezenas de milhões de trabalhadores. Os últimos dados oficiais mostram 14,8 milhões de desocupados no trimestre móvel encerrado em abril. Dificilmente o quadro do emprego terá melhorado de forma significativa nos meses seguintes, a julgar pelas informações setoriais já publicadas. Mas a alta de preços continuou avançando, nesse período, e as perspectivas têm piorado seguidamente.
Até as condições do tempo têm contribuído para alimentar a inflação. Com chuva escassa em grande parte do País, as tarifas de energia elétrica já foram reajustadas. No mercado internacional, as cotações têm pressionado os custos dos combustíveis, com reflexos nos preços da gasolina, do diesel e do gás. Em quatro semanas, as previsões do mercado para a alta dos preços administrados em 2021 passaram de 9,16% para 9,95%. Nesse grupo se incluem os preços de combustíveis, dos transportes públicos e da eletricidade. Os brasileiros estão gastando mais para tomar banho quente, para ir ao trabalho e para cozinhar alimentos – adquiridos com preços já muito remarcados.
A inflação anual chegará a 6,31% em dezembro, segundo a mediana das projeções da pesquisa Focus divulgada ontem. Essa estimativa piorou pela 15.ª semana consecutiva e há mais de um mês aponta resultados acima do limite de tolerância. Esse limite, de 5,25%, supera por 1,5 ponto porcentual o centro da meta, de 3,75%. O ponto central ficará em 3,5% no próximo ano, mas a expectativa captada na pesquisa ficou em 3,75%. Esse número é pouco inferior àquele registrado quatro semanas antes (3,78%), mas ainda ultrapassa o alvo fixado para a evolução do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Com a piora da inflação, o mercado prevê um aperto maior da política monetária. Para enfrentar a alta de preços, até o fim do ano o Banco Central (BC) deverá elevar os juros básicos a 6,75%. Há um mês a mediana das projeções apontava 6,5%. Se os preços evoluírem de acordo com as previsões, o BC terá de aplicar uma política anti-inflacionária mais severa, deixando as condições de crédito menos favoráveis à expansão dos negócios. Além disso, com juros mais altos a dívida pública ficará mais cara e a gestão das contas oficiais se tornará mais complicada.
Para avaliar as condições das famílias, convém considerar também a inflação acumulada no ano e em 12 meses. Em junho o IPCA subiu 0,53%. No ano, 3,77%. Em 12 meses, 8,35%, taxa muito superior ao limite de tolerância fixado para o ano. É importante levar em conta a inflação acumulada porque qualquer novo aumento ocorre sobre um patamar já muito elevado.
Esse patamar já é muito alto no caso dos preços mais importantes para a manutenção da família. Nos 12 meses até junho o custo de alimentos e bebidas subiu 12,59%, mas esse número, já muito alto, é uma taxa média. As carnes vermelhas encareceram 38,17%. Aves e ovos, 16,41%. Leite e derivados, 13,37%. Óleos e gorduras, 54,9%. Outros itens essenciais também ficaram muito mais dispendiosos. Os preços de combustíveis domésticos (incluído o gás) subiram 22,98%. A tarifa de energia elétrica residencial aumentou 14,2% nesse período.
Em junho, o IPCA subiu 0,53%. Essa taxa, inferior à de maio (0,83%), ainda é muito alta e, além disso, incidiu sobre um patamar já muito elevado. No período de 16 de junho a 15 de julho, o Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S) da Fundação Getúlio Vargas aumentou 0,88% em relação às quatro semanas anteriores. No período anterior havia subido 0,72%. Não seria este um momento de manter uma firme assistência aos mais vulneráveis por meio do auxílio emergencial? O governo terá dinheiro para isso, se gastar menos com interesses paroquiais de seus aliados e de seus membros.
O ESTADO DE S. PAULO