Uma pesquisa realizada em março pela PoderData revelou que 83% dos homens brasileiros dizem haver machismo no País, mas somente 11% se consideram machistas. A larga discrepância entre reconhecer o problema e responsabilizar-se por ele aparece em outro levantamento feito pelos institutos Locomotiva e Patrícia Galvão em outubro passado. Batizado de “Percepções sobre a violência e o assédio contra mulheres no trabalho”, o estudo apontou que 76% das mil mulheres entrevistadas já vivenciaram humilhação ou violência no trabalho e 68% acreditam ter menos possibilidade de serem promovidas por serem mulheres e mães.
A pandemia agravou o problema, de acordo com os dados. Enquanto 72% das mulheres afirmam que a carga de trabalho doméstico aumentou, menos da metade dos homens (45%) sentiu o efeito. Se por um lado os programas de igualdade de gênero têm traçado metas ousadas para sanar a disparidade de cargos e salários nas empresas, a real igualdade só será atingida se o problema for enfrentado na origem. E quem fala isso são especialistas homens que escolheram olhar o machismo de frente, debruçar-se sobre a temática e entender que a mudança precisa partir deles.
“Estão bombando as ações e projeções para bater metas de equidade até 2030, mas como as mulheres vão chegar a esses cargos de liderança e a que custo?”, questiona Leandro Ziotto, fundador da plataforma de conteúdo de formação parental 4Daddy. “Contratar é fácil, mas a empresa está preparada para receber essa mulher? Porque, quando chega em casa, ela ainda tem que cuidar de marido e filhos. Com que saúdes mental e física ela vai estar para ocupar esses cargos?”
A provocação do especialista, que se dedica a sensibilizar a sociedade para a importância da função paterna no desenvolvimento social e humano, é no sentido de que os homens precisam se responsabilizar e ocupar o espaço dentro de casa também. Ele explica que até houve um leve equilíbrio quando todos foram para o home office por conta da pandemia, mas pequeno. “Agora está todo mundo aprendendo a pegar na mamadeira, mas ainda não na vassoura.”
Na prática, Ziotto fala que combater o machismo no trabalho é uma batalha de muitas frentes. “Assim como para combater o racismo tem que falar para o branco, o combate ao machismo tem que falar com o homem.”
Rodas de conversa, oficinas e workshops, cursos de ensino a distância (EAD), jogos de interação adulta e a reformulação completa do guia de conduta ética em toda a cadeia, do chão de fábrica à alta liderança, são iniciativas que ajudam a educar de fato, segundo ele.
“Isso não é uma declaração de guerra, mas um chamamento para que nós, homens, nos responsabilizemos sobre isso e para que as mulheres tenham espaços público e privado mais saudável.”
O especialista também sublinha a importância da licença parental estendida. Além de os homens que participam da vida afetiva e doméstica da família terem maior desenvolvimento socioemocional, a igualdade em direitos e deveres ajuda a eliminar o paradigma que pesa sobre mulheres e maternidade.
“Até os 30 anos, as taxas de equilíbrio salarial são mais equitativas, mas após os 35 as diferenças disparam porque é quando ocorre a maternidade. Tem todo um aparato para engolir a mulher a partir daí”, observa Ziotto, lembrando ainda que os índices de demissão são altos quando termina o período de estabilidade pós-licença. “Claro que não é um curso de 6 horas que vai resolver 5 mil anos de patriarcado, mas planta uma sementinha, é uma porta de entrada”, ele conclui.
Estudos de masculinidades e o ‘macho alfa’
Especializado em estudos de masculinidades pela FESPSP e consultor-parceiro da empresa Mais Diversidade, o economista Paulo Pas é outro que entende que o problema estrutural precisa de soluções também estruturais.
“Porque a gente quer um pai mais presente, mas ainda dá 4 meses de licença para a mãe e 5 dias para o pai”, exemplifica. “Se você cria grupos de masculinidade para que os homens debatam na empresa, descobre que, quando eles se abrem, dizem que estão cansados dessa posição de macho alfa.”
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Ele também indica o caminho das pedras para que os homens combatam o próprio machismo no cotidiano do trabalho. “O homem precisa ser consciente das próprias ações. Não interromper a mulher enquanto ela está falando nem explicar o que ela acaba de explicar, parar com as piadas de gênero, esquecer as ‘brotheragens’ e se auto-analisar o tempo todo”, exemplifica.
Outra iniciativa a adotar “para ontem”, segundo Pas, é não se omitir ao presenciar uma atitude machista. “Tem que se tornar um fiscal mesmo”, ele afirma. “E estudar, ouvir, contribuir para que os outros entendam sobre o tema. O homem não nasce machista, ele é criado como um. Então tem que estudar para não ser mais.”
Ampliação do repertório emocional
Para o psicólogo Frederico Mattos, autor do livro Maturidade Emocional (Ed. Paidós), a construção da masculinidade acaba priorizando certos padrões de comportamento que evidenciam força, vigor, indestrutibilidade e combatividade.
“Algumas emoções são mais privilegiadas no processo de educação de um menino do que outras”, ele explica. “Por exemplo, as emoções da raiva, do desejo sexual e da alegria são essencialmente priorizadas, reforçadas e estimuladas, em contraponto a emoções como medo, tristeza e inveja, que são vistas como ruins e com as quais não se deixa muito que os meninos entrem em contato.”
Mattos afirma que tal processo educacional não faz com que essas emoções deixem de existir, mas que operem de forma negligenciada. “Ou seja, todo sentimento que coloca o homem diante da vulnerabilidade dele ou de uma percepção de fraqueza ou inferioridade acaba sendo diminuído e deixado de lado, o que vai fazendo com que ele tenha um portfólio emocional mais restrito, um analfabetismo para emoções frágeis”, esclarece.
“Isso causa uma defasagem social. Mesmo no ambiente profissional, ele vai ter dificuldade de lidar com emoções mais vulneráveis e vai se agarrar no estereótipo para se sentir ‘homem de fato.’”
O psicólogo lembra, porém, que os homens precisam entender que esses comportamentos não são naturais, mas sim resultado de uma programação cultural que, do mesmo jeito que foi construída, pode ser desconstruída. “Quando a gente fala de desconstrução da masculinidade, não é um rechaço da masculinidade ou um antimasculino, mas sim ampliar esse repertório para tornar o homem mais pleno, completo e complexo, como ele de fato é, mas não se dá conta que é”, afirma.
5 dicas para empresas combaterem a cultura machista
Promova rodas de conversa e deixe os homens se abrirem; pode descobrir que eles estão cansados de ser o macho alfa
Dê educação sobre diversidade e, especificamente, questões de gênero, por meio de workshops e cursos de ensino a distância (EAD)
Reformule o guia de conduta ética da empresa, do chão de fábrica à alta liderança, mostrando o que é não é mais aceitável, como piadas e preconceito de gênero
Estenda a licença-paternidade, para que os pais possam estar mais em casa com os filhos e se sentirem socialmente tão responsável quanto as mulheres
Se você é homem, não interrompa uma mulher enquanto ela está falando nem explique com suas palavras o que ela acabou de explicar
O ESTADO DE S. PAULO