Frustrações nas medidas macroeconômicas que mudariam estruturalmente a face do país e alguns avanços importantes no campo da microeconomia são o retrato da gestão do ministro da Economia, Paulo Guedes, nos dois primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro. Embora o impacto seja inegável, há dúvidas sobre até que ponto a pandemia da covid-19 pode ser responsabilizada por esse pífio saldo.
Dono de um estilo incisivo, que mira grandes metas mas joga pouca luz no caminho para atingi-las, o ministro vem desde a campanha de 2018 fazendo promessas ambiciosas: obter R$ 1 trilhão com privatizações, zerar o déficit público, abrir a economia brasileira, reformar a estrutura das contas públicas e fazer as reformas administrativa e tributária. Os dois anos mostraram que as coisas, na política, não são assim tão simples, a ponto de o próprio Guedes admitir frustração por não ter conseguido vender uma estatal sequer até agora. É fato notável que ele conseguiu aprovar a reforma da Previdência no primeiro ano de governo. Ela foi fruto de um feliz casamento entre a proposta de Guedes e a disposição do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), embalado pelas manifestações das ruas. O Congresso, porém, não aceitou a mudança do regime para a capitalização.
No caso das privatizações, o ministro diz e repete que uma aliança de centro-esquerda no Congresso barrou o avanço do programa. Segundo ele próprio já comentou, teria havido um acordo do presidente da Câmara com partidos de esquerda, onde Maia barraria a venda de empresas públicas e a oposição apoiaria quem ele escolhesse para sucedê-lo. As resistências às privatizações, porém, não estão só no Legislativo, mas no Palácio do Planalto. Em um exemplo ocorrido nesta semana, Bolsonaro foi à sede da Ceagesp, uma estatal federalizada, e garantiu que “nenhum rato” a privatizará. Com isso, contrariou a sua própria decisão de incluir a empresa no Programa Nacional de Desestatização (PND). Há estudos em curso no governo para preparar a venda da empresa. Também por decisão do presidente, estatais como Petrobras, Caixa e Banco do Brasil estão fora da lista.
Num arranjo exótico, o ministro da Economia permanece no cargo apesar do choque entre sua agenda liberal e o perfil populista e estatizante de Jair Bolsonaro. Conflito que resultou na saída de três secretários especiais de Guedes: Marcos Cintra, demitido por haver defendido a criação de um tributo sobre transações, Salim Mattar, que pediu demissão por ver fracassados seus planos de privatizar empresas rapidamente e Paulo Uebel, que não viu condições políticas de fazer a reforma administrativa que considerava ideal e preferiu deixar o cargo
O tributo sobre transações é um capítulo à parte na relação entre Guedes e Bolsonaro. Embora a ideia tenha sido reiteradamente descartada pelo presidente, o ministro continua a defendê-la. Deu uma pausa no período pré-eleitoral, mas deve retornar à pauta em 2021, quando as taxas de desemprego tendem a subir e novas formas de contratação estarão na ordem do dia. Guedes, então, deverá insistir na desoneração da folha de salários das empresas, que depende de receitas que viriam do novo tributo. E reapresentará a proposta da Carteira Verde Amarela, com contratação de mão-de-obra sem os atuais encargos, que caducou no Congresso. Também em 2021, serão retomadas as difíceis negociações para rever os benefícios tributários, desindexar o orçamento, reduzir o volume de despesas obrigatórias. São temas que estão parados sobre a mesa dos governos desde a Constituição de 1988.
A recente manobra vista na Câmara, que aportou para escolas filantrópicas uma parte do dinheiro do Fundeb, mostra o grau de dificuldade em possivelmente eliminar as isenções tributárias a que essas entidades têm direito. A medida, porém, foi rejeitada ontem. A paralisia nos temas centrais da agenda alimentou a avaliação que Guedes não tem um plano para a economia. Irritado com essa constatação, o ministro compareceu a vários eventos públicos no mês passado para dizer que tem um plano, sim. E jogar a culpa no colo do Congresso. “Guedes tem um plano que não dá para cumprir e um presidente que não quer saber do plano ”, avalia o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves. Bolsonaro mira a reeleição. Esse pode ser um complicador para o ministro na segunda metade do governo, quando a preocupação com as eleições presidenciais ganha ainda mais força. Cobranças por mais crescimento econômico e mais investimentos tendem a aumentar.
Ao mesmo tempo, deve diminuir o apetite para confrontar grupos de interesse no Congresso, sem o que não será possível reformar a estrutura dos gastos públicos.
“Reformas profundas nas contas públicas, só no próximo governo”, aposta o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale. Outro complicador é o coronavírus. “Achar que a pandemia e seus efeitos são gregorianos é de uma ingenuidade notável”, afirma Gonçalves. Ele comentou que não é possível retirar os quase R$ 400 bilhões pagos em medidas emergenciais neste ano, que puxaram a demanda, e achar que ficará tudo bem. A recuperação do setor de serviços, que é a principal aposta do Ministério da Economia para a retomada, poderá não ter a magnitude esperada porque a massa salarial não se recuperou. A falta de soluções para o campo fiscal e a pandemia são os principais elementos de incerteza para 2021. A persistência da doença prejudicará a retomada. Além disso, como as famílias estão se endividando para manter o padrão de consumo, é possível que haja alta do spread bancário.
Os principais avanços na agenda legislativa estão no campo microeconômico. São medidas que melhoram o ambiente de negócios no Brasil, para destravar investimentos. Foi possível reformar marcos regulatórios como o de falências de empresas, do saneamento básico, das agências reguladoras, das licitações públicas. A maior parte desses temas não teve sua discussão iniciada pelo atual governo. Tal como a reforma da Previdência, as propostas avançaram porque eram também de interesse do Congresso. Se vão gerar os efeitos esperados, é algo que se verá ao longo do tempo. Críticos apontam a pouca atenção a detalhes nessas novas legislações, o que pode reduzir seu impacto sobre novos negócios.
No saneamento, por exemplo, ainda está pendente de análise pelo Congresso um veto de Bolsonaro a um dispositivo que permite alongar os atuais contratos por 30 anos. Dessa forma, a abertura para o ingresso de empresas privadas na prestação desse serviço, que é o objetivo central da legislação, pode ser adiada por três décadas.
VALOR ECONÔMICO