Grandes desafios exigem serenidade e determinação em seu enfrentamento

A crise da covid-19, em suas dimensões sanitária, econômica e social, está longe de ser debelada. A vacinação está só começando, no Brasil e no resto do mundo. Esse quadro demanda atenção especial a urgentes questões fiscais. Aqui, é preciso, de imediato, aprovar o Orçamento e a PEC Emergencial, dimensionar os recursos necessários para atender os vulneráveis e conceber um conjunto de medidas capazes de socorrer empresas e criar condições para a retomada da atividade econômica.

Uma fonte de recursos, não a única, para financiar projetos emergenciais consiste em implementar transações para resolver grandes controvérsias tributárias, como o planejamento tributário abusivo, a dedutibilidade do ágio, a interposição fraudulenta de pessoas nas operações de comércio exterior, etc.

Esse modelo já se mostrou eficaz em outras crises, a exemplo das transações efetivadas por meio da Lei n.º 9.779, de 1999, e da MP n.º 2.222, de 2001. É certo que a crise de hoje é muito maior do que aquelas, mas, em contrapartida, as controvérsias têm um potencial arrecadatório desproporcionalmente maior.

As transações poderiam contribuir para reduzir o excessivo volume de litígios tributários, em proveito do Fisco e do contribuinte. Melhor ainda se o Fisco acolhesse a interpretação dada pelo STJ ao conceito de insumos na sistemática não cumulativa do PIS/Cofins.

Ainda no campo tributário, podem ser elaborados projetos para reparar a mora legislativa em relação a matérias previstas na Constituição de 1988 e que, até hoje, aguardam disciplinamento, a exemplo das leis complementares relativas à resolução dos conflitos tributários federativos, à incidência do ITCMD nos casos de domicílio no exterior e à concessão e revogação dos benefícios fiscais do ICMS. Além disso, deveria ser regulamentada, em convênio interestadual, a incidência do ICMS sobre combustíveis e lubrificantes, como previsto na Constituição.

Numa perspectiva não emergencial, o Estado deveria investir na elaboração de um projeto de reforma tributária, amplo e realista, envolvendo o processo tributário, a desburocratização, os problemas específicos dos tributos e o federalismo fiscal. Em harmonia com o contexto constitucional, o projeto deveria respeitar as competências federativas e viabilizar o princípio da capacidade contributiva, além de minimizar impactos setoriais e federativos.

Há muito a ser feito, como, aliás, em todo o mundo. As autoridades da União Europeia (UE) estimam que, em sua jurisdição, as fraudes do IVA alcançarão, em 2020, o expressivo volume de 164 bilhões de euros. Pierre Moscovici, comissário para assuntos fiscais da UE, proclama a necessidade de ampla reformulação do IVA, porque vulnerável a fraudes, burocrático e com 28 regimes distintos na desenvolvida Europa.

Neste artigo, exploro sucintamente questões concernentes ao processo tributário. Há vários diagnósticos que evidenciam o desarrazoado tamanho dos litígios tributários no Brasil. Conforme estudo patrocinado pelo Etco, os litígios tributários federais alcançavam, no fim de 2018, o impressionante volume de R$ 3,44 trilhões. Para atualizar e refinar esses dados, o Conselho Nacional de Justiça, o BID e a Receita Federal acabam de celebrar auspicioso convênio.

Uma das causas desse desarranjo, como já apontado por eminentes juristas, é a inexistência de integração entre os processos administrativo e judicial, cuja solução demanda emenda constitucional. A integração deveria vir acompanhada da previsão constitucional para edição de normas gerais para o processo tributário, que explica a grande heterogeneidade ou a ausência de regras processuais nos entes federativos.

Por fim, seria recomendável rever a Lei n.º 9.868, de 1999, para admitir, como hipótese de ajuizamento da ação declaratória de constitucionalidade, a existência de decisão judicial com relevante repercussão fiscal, o que tornaria possível encurtar a longa tramitação entre decisões de primeira instância e o desfecho da causa no STF, em desfavor da indústria de teses.

*CONSULTOR TRIBUTÁRIO, FOI SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL (1995-2002)

O ESTADO DE S. PAULO

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