Frustração com governo Bolsonaro e risco PT afetam cenário econômico

A possibilidade de um segundo turno entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ex-presidente Lula nas eleições de 2022 é vista como um fator adicional de incerteza em relação ao cenário econômico brasileiro e que deve ser colocado no preço de ativos, como o dólar, e postergar decisões de investimento.

Com a volta de Lula ao debate eleitoral, a desvalorização dos ativos brasileiros passa a refletir a frustração com o atual governo somada ao risco do retorno à política econômica dos governos petistas. Essa piora poderia inclusive intensificar o ritmo da alta dos juros esperada para este ano.

Desde 2019, o câmbio brasileiro segue descolado das divisas de outros países emergentes, por conta da frustração com a ação do governo atual na área fiscal e na agenda de reformas. Esse cenário piorou desde o ano passado, com a falta de ação no combate à pandemia. Em 2021, juntou-se a isso uma postura mais intervencionista na economia por parte do presidente.

A avaliação de economistas ouvidos pela Folha é que há pouco risco de o atual presidente abandonar de vez a agenda liberal, em busca de apoio popular, neste momento. Pelo contrário, a polarização com a esquerda poderia reforçar a necessidade de resgatar os compromissos de campanha na área econômica.

Em relação a Lula, a visão é a de que a política econômica do PT continua sendo aquela adotada no segundo mandato do ex-presidente e intensificada no governo Dilma Rousseff, de mais presença do Estado na economia e mais gasto público.

“O cenário de polarização com o PT vai ser de muito estresse, mais do que foi em 2018. Lá, também houve polarização, mas o mercado abraçou o Bolsonaro. Agora a gente já viu que o Bolsonaro não é competente, então é escolha de Sofia”, afirma a economista Zeina Latiff.

“É um cenário de piora preços de ativos, de pressão cambial. Isso contamina a economia. O Banco Central pode precisar subir precocemente os juros, mesmo com a economia de joelhos. Agentes econômicos com intenção de investir no Brasil talvez fiquem em compasso de espera ou desistam.”

Zeina avalia que a decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin é positiva para Bolsonaro do ponto de vista eleitoral, pois reforça polarização com um candidato que ela avalia ser mais fácil de ser derrotado pelo atual presidente.

Também deixaria Bolsonaro mais distante de uma radicalização rumo ao populismo econômico, a não ser que a reação do mercado seja tão negativa que o presidente veja seus planos de reeleição ameaçados por uma intensificação da crise econômica.

O economista José Márcio Camargo, da Genial Investimentos, afirma que a maior preocupação neste momento é a possibilidade de que o atual presidente mude a direção da política econômica.

“Será que o Bolsonaro vai mudar de posição? Provavelmente não. A vantagem dele é justamente polarizar com o Lula, adotar uma estratégia diferente da que o Lula vai adotar, que é no sentido populista, e o Bolsonaro deve se afastar cada vez mais dessa postura”, afirma.

José Márcio diz que a trajetória do atual presidente não é a história de uma pessoa liberal, mas que deu uma guinada durante a campanha eleitoral e, atualmente, emite sinais dúbios. Por isso, os investidores ficam sempre em dúvida sobre os rumos da política econômica, que ainda assim pode se manter na trajetória atual até o final do atual mandato.

“Se o governo seguir em uma trajetória liberal até 2022 e ganhar a eleição, acho que vai continuar liberal. Não vai ter nenhuma razão para mudar. A pergunta é como fica daqui até 2022.”

José Francisco Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, avalia que o governo Bolsonaro deve recuperar parte da popularidade perdida ao explorar a ressurreição do Lula como um perigo para o país, por isso, não vê necessidade de que o presidente tenha de tomar medidas populistas em busca de apoio.

Afirma também que, apesar da desconfiança com o atual presidente, os agentes de mercado ainda preferem Bolsonaro a Lula, embora ainda esperem por um candidato de centro que possa se mostrar competitivo em 2022.

Enquanto isso, avalia, o cenário será de mais estresse que tendem a agravar a atual crise econômica.

“Em qualquer caso, é mais incerteza. Isso significa que tem mais um ‘driver’ que trava o patamar dos preços dos ativos brasileiros próximo ao nível atual. Acho difícil a Bolsa voltar àquele otimismo que estava tendo. O dólar é a mesma coisa. Isso já estava acontecendo, mas vai ficar mais consistente. Esse movimento consolida esse patamar mais alto, talvez não R$ 5,80, mas esse R$ 5,70 teria vindo para ficar”, afirma.

Segundo José Francisco, com isso, a pressão em cima do Copom (Comitê de Política Monetária), que se reúne na próxima semana, será para começar o ciclo de aumento de juros levando a taxa de 2% para até 2,75% ao ano e chegar a algo próximo de 5%, 5,5% no final deste ano.

FOLHA DE S. PAULO

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