Fim melancólico da Lava Jato deixa vazio no discurso eleitoral de 2022

O fim oficial da Operação Lava Jato não poderia ser mais melancólico.

A maior ação anticorrupção da história, que implodiu as fundações da política brasileira, teve seu caixão descido à vala com uma canetada do procurador-geral da República, Augusto Aras. Depois de anos de manchetes de jornais, ganhou notas nas capas nacionais.

A morte cerebral da força tarefa, criada em 2014 em Curitiba, já havia sido atestada há muito tempo, mais precisamente com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, mas ainda havia espasmos aqui e ali até o coração parar, em setembro passado.

Como já é decantado, foi um processo em que o comportamento dos símbolos públicos da operação, o então juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, teve papel determinante.

A ida de Moro para o governo Bolsonaro, consolidando a certeza a seus críticos de que fora parcial contra o PT e Luiz Inácio Lula da Silva o tempo todo, abriu caminho para o questionamento dos métodos inquisitoriais da força-tarefa.

Na política, o ódio às descobertas abundantes de corrupção da Lava Jato, definitivas em duas eleições e um impeachment, uniu do centrão ao PT na missão de acabar com o legado positivo da operação.

Na Justiça, a rejeição da ala garantista das cortes superiores ao voluntarismo lava-jatista começou a prevalecer, com a mão providencial de Bolsonaro ao indicar Kássio Nunes Marques para a vaga de Celso de Mello no Supremo.

Com a outra mão, Bolsonaro assentou o aliado Aras na Procuradoria-Geral da República. Ele tem demonstrado extrema gratidão, além de esperança de ocupar a vaga que Marco Aurélio Mello deixará aberta no Supremo no segundo semestre.

No governo, Moro serviu para legitimar inicialmente o discurso bolsonarista de combate implacável à corrupção. Durou pouco mais de um ano, e o ex-juiz virou um ex-ministro com cheiro de homem-bomba, mas que acabou optando pela submersão confortável como consultor de empresas que antes julgava.
Para complicar, surgiram os grampos ilegais do The Intercept Brasil. Eles não são necessariamente provas cabais de desvio da Lava Jato, a dupla Moro-Dallagnol à frente, e foram vazados de forma obviamente seletiva para atingi-los.

Mas para fins práticos, são explosivos. Os lava-jatistas provaram de seu próprio veneno.

Os ritos fúnebres da Lava Jato ainda terão outros episódios. A Câmara comandada pelo centrão de Arthur Lira (PP-AL) certamente tentará aprovar amarras à ação de procuradores e promotores pelo país. E não se espera que a esquerda, ainda liderada pelo PT, vá usar seu poder de obstrução de iniciativas.

Se os rumores em Brasília forem verdadeiros, ainda há um arsenal de sortilégios a serem sacados contra os egressos da Lava Jato nos escaninhos da PGR, noves fora o julgamento da suspeição de Moro no caso Lula no Supremo.

Há um parêntese óbvio. Sempre haverá procuradores e juízes dispostos a fazer seu trabalho, e malfeitos são inerentes à existência humana.

Mesmo sem a Lava Jato de guarda-chuva, o que pode na realidade ser bom se significar o fim do messianismo da categoria investigativa, e com as eventuais rédeas institucionais, parece certo que ficou um pouco mais difícil a vida dos corruptos no país.

Todo esse alarido acaba escamoteando a questão de fundo importante. Essa aparente volta ao velho normal terá qual impacto eleitoral no país, já que em termos de discurso há um vazio?

O fastio da população com o tema corrupção, após embebedar-se da antipolítica e das operações espetaculosas que dominaram o período de 2014 a 2018, é claro.

Segundo o Datafolha, cerca de um mês antes do começo da Lava Jato em 2014 10% da população achava que os corruptos eram o maior problema nacional. Dois anos depois, às vésperas do impeachment de Dilma, eram 37%.

A corrupção ficou no topo das preocupações até depois do pleito de 2018 —em dezembro daquele ano, marcava 20% entre os brasileiros. Em julho de 2019, com Bolsonaro no poder ainda em modo de “eu odeio o centrão”, o índice despencou para 7%.

Questões usuais, saúde e educação, ganharam espaço. Com a pandemia, 2020 viu o tema sanitário explodir como o principal. Em dezembro, na mais recente vez que o Datafolha fez essa pergunta, saúde liderava o ranking com 27%, com a corrupção com distantes 7%.

O impacto dessa nova realidade foi claro nas eleições municipais de 2020, quando figuras tradicionais voltaram a dominar o cenário. O selo obrigatório de ficha-limpa exigido de candidatos saiu de moda.

Isso parece ser o norte intuitivo da volta de Bolsonaro ao seio de sua origem, o centrão, após tentar levar seu projeto alegado de renovação política ao paroxismo da crise institucional de 2020 —só estancada quando a Justiça, sempre ela, bateu às portas de sua família.

Parece claro que mentiras e contradições do presidente, para não falar de suas iniciativas mais obscurantistas, não afetam seu núcleo duro de apoiadores.

Mas ele só se expandiu a ponto de viabilizar sua vitória em 2018 porque havia a gasolina da Lava Jato a alimentar as labaredas que imolaram a dita velha política que ele agora celebra.

Bolsonaro, acossado pela condução trágica da pandemia, talvez tenha dificuldades de atração daquela classe média que votou nele por ojeriza ao PT. Por isso o esforço descomunal do Planalto para inflar a esquerda como grande adversária em 2022.

Se dará certo, é algo a ver. Mas o peso relativo da agenda antipolítica está esvaziado agora, o que não significa que permanecerá assim. Além da lavra própria, o governo tem agora o centrão para elevar o prêmio de risco quando se fala em corrupção.

A grande popularidade residual da figura de Moro é também um indicador de que as chamas antipolíticas foram apagadas, mas pode haver brasa na fogueira. Mas elas podem ser acesas por fatores diversos, como a explosão dos protestos de 2013 ensinou.

Só que neste caso, insondável agora mas no qual pandemia e economia teriam papel central, Bolsonaro não seria o beneficiário que encarnou em 2018. Isso se o barco não balançar antes, já que a fidelidade de cão faminto do centrão é, para dizer o mínimo, volátil.

FOLHA DE S. PAULO

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