Empresas estudam esvaziar o caixa para evitar pagar dividendo com imposto em 2022

O empresariado brasileiro já estuda uma maneira de reagir ao início da taxação de 20% sobre os dividendos, conforme previsto no projeto de lei que apresenta a segunda fase da reforma tributária.

Segundo grandes escritórios de advocacia ouvidos pela Folha, que atendem algumas das maiores empresas do país com planejamento tributário, as companhias estudam esvaziar o caixa este ano, antecipando o pagamento dos dividendos. Algumas pensam até em pegar empréstimo para remunerar os acionistas.

Um dos efeitos colaterais dessa prática seria uma disparada no câmbio, uma vez que muitas filiais de multinacionais enviariam às suas respectivas matrizes, ao mesmo tempo, os dividendos de uma só vez.

Tanto o PL 2.337/21, apresentado no final de junho pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, quanto o seu substitutivo, preparado pelo relator da reforma do Imposto de Renda, Celso Sabino (PSDB-BA), não preveem um período de transição para adoção do imposto sobre os dividendos, que já valeria para 2022.

Segundo o advogado Ricardo Maitto, sócio na área de planejamento tributário do escritório Tozzini Freire, este é o ponto de maior preocupação das companhias.

“O Brasil pode viver uma situação esdrúxula”, diz Maitto. “As empresas pagariam 20% sobre os dividendos para os acionistas, um desembolso feito ao longo de 2022 sobre os resultados de 2021, ou mesmo sobre resultados represados, de anos anteriores, enquanto estariam arcando com a atual carga tributária de 34% [que engloba 25% de IRPJ e 9% de CSLL] sobre o exercício de 2021. São mais de 50% de imposto”, afirma.

Isso porque o valor sobre o qual é apurado o imposto da companhia é fechado em 31 de dezembro, encerramento do ano fiscal. O pagamento dos impostos ocorre em janeiro.

Se este cenário se confirmar, diz Maitto, muitas grandes empresas, multinacionais inclusive, estariam dispostas a zerar o seu caixa em 2021, pagando dividendos antecipadamente, para não arcar com os 20% de imposto no ano que vem.

“Algumas companhias estudam até pegar empréstimo em banco para antecipar o pagamento este ano”, diz.

Na opinião do tributarista, a medida geraria efeitos colaterais sobre a economia. “Com o caixa esvaziado, não haveria capital para fusões e aquisições ou crescimento orgânico”, afirma. “Fora isso, se muitas multinacionais decidissem enviar, de uma vez, seus lucros para as respectivas matrizes, haveria um impacto importante no câmbio, o dólar iria disparar”.

Maitto afirma que o Tozzini Freire tem feito uma série de estudos de impacto para os clientes, na tentativa de traçar estratégicas para o próximo ano fiscal, a partir do que foi apresentado até agora pelo governo.

Na quarta-feira (21), em reunião com empresários na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Celso Sabino afirmou que a faixa de isenção de até R$ 20 mil para tributação de dividendos deve ser mantida, mas pode ser ampliada no caso de empresas pertencentes a um mesmo grupo, coligadas ou micro e pequenos negócios de uma mesma família.

Para Bruna Marrara, sócia tributária do escritório Machado Meyer Advogados, o mercado já está encarando a tributação do dividendo como certa e estuda alternativas para não arcar com o ônus já no próximo ano.

“É a tributação do saldo do lucro, um ponto muito controverso da reforma”, diz ela. “Você diz que a lei já passa a valer em 2022, mas vai distribuir o lucro dos anos anteriores. Não há salvaguarda do lucro gerado no regime anterior”, afirma.

Neste caso, segundo Bruna, o mecanismo de tributação dos dividendos é por retenção na fonte. “A companhia recolhe, mas o ônus financeiro é do acionista”, afirma. “Se os dividendos somam R$ 100, por exemplo, a companhia recolhe R$ 20, paga o imposto, e chegam R$ 80 ao acionista”.

A advogada lembra que, até 1995, os dividendos eram tributados em até 15%. Mas a lei 9.249/95 tornou o ganho isento, e houve um período de transição, diz. “A lei entrou em vigor em 1995 e somente o lucro gerado a partir de 1996 passou a ser isento”.

Em um cenário sem período de transição para a nova lei, vale mais para as empresas emitirem debêntures, ou seja, se endividarem, do que partirem para uma abertura de capital na Bolsa (IPO), diz Bruna. Na oferta primária, ações são vendidas pela empresa com objetivo de gerar caixa. “A nova lei, da maneira como está, gera impacto na estrutura de capital das companhias”, afirma.

“Tem gente tendo ideias mirabolantes, como pagar remuneração via planos de previdência privada”, diz Luiz Eguchi, diretor de impostos da auditoria e consultoria empresarial Mazars. “Algumas empresas, porém, têm prejuízos acumulados. Elas estudam absorver as perdas este ano, para liberar patrimônio líquido a fim de distribuir os dividendos”.

Segundo Eguchi, a consultoria já foi provocada por empresas para estudar essas possibilidades. Mesmo um empréstimo poderia ser mais vantajoso do que pagar o dividendo de 20%. “A despesa financeira gerada pela empresa pode ser considerada dedutível do Imposto de Renda. Ainda assim, a Receita pode questionar essa despesa”, diz.

Outro efeito colateral de zerar o caixa, na opinião do diretor da Mazars, é a possibilidade de comprometer o pagamento para fornecedores no próximo exercício.

“A situação está muito confusa”, diz Vander Giordano, vice-presidente institucional da Multiplan, uma das maiores administradoras de shopping centers do país. “Nós ainda estamos estudando o cenário e vamos aguardar a versão que será colocada em votação pelo relator, com novas mudanças”, diz o executivo, que participou nea quinta-feira (22) do evento “Os Impactos Econômicos da Reforma Tributária”, promovido pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), que teve a participação de Paulo Guedes.

Para o presidente da JSL Logística, Ramon Alcaraz, é “inteligente” retirar imposto do lucro bruto e passar para os dividendos. “Isso incentiva o reinvestimento na empresa, é o que acontece na maioria dos países”, diz o executivo.

“Até no Paraguai, onde temos operações, as empresas pagam menos imposto sobre o lucro bruto e o sistema tributário é mais simples”, afirma. “O que não faz sentido é aumentar a carga efetiva sobre as companhias”, diz ele.

A JSL também vai aguardar a proposta final do relator para decidir o que fazer.

Todos os especialistas ouvidos pela reportagem criticam a forma como foi apresentada a reforma tributária do governo.

“Em vez de o governo discutir as principais mudanças com a sociedade e apresentar uma reforma ampla, ele apresenta um texto fatiado, em que não fica claro qual o real impacto das mudanças e para quem”, diz o professor Nelson Marconi, coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo da FGV Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas).

Marconi elogia a tributação dos dividendos, uma vez que o Brasil era um dos poucos países do mundo a não adotar a prática. “É uma questão de justiça social”, diz. “Mas não é justo tributar os dividendos e, com isso, aumentar a carga efetiva de impostos sobre as empresas”.

FOLHA DE S. PAULO

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