Empresas avaliam compra de vacinas, reforçam testagens e postergam home office

Com repique nos casos de Covid-19 e indefinições no calendário de vacinação no Brasil, as empresas começam o ano reforçando medidas de segurança para os funcionários. Além de postergarem a volta aos escritórios, companhias intensificam testagens nas equipes e monitoram as discussões sobre a vacinação para entender se —e, eventualmente, como— poderão adotar um programa de imunização para seus trabalhadores.

Nesta quarta-feira (13), grandes empresários que querem comprar vacinas para a Covid-19 afirmaram ao governo que, para isso, estão dispostos a doar uma parte para o governo.

Na semana passada, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, defendeu em live realizada com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a possibilidade de compra de vacina pela iniciativa privada depois que o SUS estiver abastecido.

“No momento em que a gente cumprir todas as demandas para suprir o SUS e atender a população brasileira, a gente necessita também que a iniciativa privada adquira as vacinas diretamente de laboratórios internacionais ou o excedente do produzido no Brasil e disponibilize na rede privada também”, afirmou. ​

A possibilidade de vacinação na rede privada já entrou no radar das companhias. Na primeira semana de janeiro, a clínica de imunização Vacinar, que atua há mais de 20 anos com o atendimento corporativo em São Paulo, foi procurada por 50 empresas interessadas em informações sobre vacinação de funcionários.

De acordo com o médico e responsável técnico da Vacinar, Roberto Florim, as conversas são preliminares e feitas ao mesmo tempo em que as empresas fecham contratos para a aquisição das vacinas de prevenção contra a gripe.

“O certo é que as empresas estão cada vez mais preocupadas com a imunização dos funcionários de maneira geral”, afirma Florim.

A clínica não divulga os nomes das interessadas, mas diz que são dos mais diversos setores. A estimativa da Vacinar é que a procura por informação cresça nas próximas semanas, pois o início do ano costuma ser de retomada gradual nas consultas dos clientes após os recessos de final de ano.

A tendência também é percebida pelo grupo Hermes Pardini. A carteira de clientes corporativos em dezembro de 2020 mais que dobrou em relação ao mesmo período de 2019. O vice-presidente do grupo, Alessandro Ferreira, afirma que, além do maior interesse por testes de Covid-19, cresce também a demanda por teleconsulta e a busca por acompanhamento mais regular de outras doenças.

Tem mais demanda para monitoramento dos casos de diabetes e hipertensão, por exemplo, que predispõem ao contágio da Covid-19, mas também mais pedidos de monitoramento de saúde mental pesquisas têm apontado aumento de quadro de ansiedade e estresses em home office.

“A procura não é apenas para cumprir obrigações previstas em lei, como acompanhar quem trabalha com produtos químicos, mas uma preocupação generalizada, indicando que há uma mudança de perfil nas prioridades com a saúde”, diz Ferreira.

O grupo tem sido procurado para dar informações sobre vacinação de Covid-19.

“Já estamos pleiteando, junto a algumas fornecedoras, para obter vacinas, porque temos interesse em vacinar nossos colaboradores e disponibilizar aos nossos clientes, que se mostram interessados. Mas ainda não há nada concreto”, afirma.

A multinacional P&G (Procter & Gamble), que tem quatro mil funcionários no Brasil (800 deles em escritório), não descarta a possibilidade de importar vacinas.

“Se houver a disponibilidade de vacinas para empresas privadas e a possibilidade de importação, teríamos interesse na aquisição para a segurança e o bem-estar de nossos trabalhadores”, afirma Fernando Akio Mariya, gerente médico da empresa.

A P&G havia programado o retorno presencial aos escritórios para a primeira quinzena de janeiro. Diante da alta de casos de coronavírus e a identificação de uma mutação mais contagiosa do vírus, a volta foi postergada para fevereiro e poderá ser alterada de acordo com a evolução da doença.

Em dezembro, a P&G estabeleceu uma espécie de quarentena para seus funcionários que retornavam gradativamente ao escritório como prevenção a um possível aumento de contaminação no Natal e no Ano Novo. Agora, analisa se a estratégia foi efetiva.

“Iremos usar o mês de janeiro para capturar informações mais precisas e atualizadas sobre os impactos das festas de final de ano no aumento de número de casos e de ocupação de UTI, que sempre foram vetores importantes na tomada de decisão de estarmos ou não no escritório”, afirma Raíssa Fonseca, gerente de RH. ​

A 99 Food, que tem 120 funcionários na área administrativa —todos em home office e sem previsão de retorno aos escritórios—, também tem interesse na aquisição de vacinas. Segundo o diretor-executivo, Danilo Mansano, a empresa tem acompanhado a compra de vacinas na China e estuda como poderia replicar o processo no Brasil.

Mansano afirma que segue protocolos definidos em parceria com o Hospital Sírio Libanês. Quando precisam ir ao escritório, os funcionários são submetidos a controle de acesso, triagem por meio de aplicativo interno e testagens.

No início da semana passada, o presidente da ABCVAC (Associação Brasileira das Clínicas de Vacina), Geraldo Barbosa, embarcou para a Índia para conhecer a fábrica da Bharat Biotech, que está desenvolvendo a Covaxin. A entidade tem 200 clínicas de vacina associadas (70% do setor privado naciona) e afirmou que todas são favoráveis às negociações de compra do imunizante.

Nesta semana, ao retornar da viagem, Barbosa afirmou que há uma resposta positiva do mercado corporativo, que tem procurado a associação para subsidiar a imunização de funcionários.

“Se essas vacinas não vierem para o mercado privado brasileiro, não virão nem para o Brasil”, afirma. “A aquisição depende do fim dos trâmites legais junto aos órgãos reguladores brasileiros, fabricante e distribuidora/importadora”.

A Covaxin ainda não obteve autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Na Índia, autoridades de saúde recomendam seu uso emergencial.

O hospital Sírio-Libanês afirma que esta acompanhando o processo de liberação e avalia que a prioridade é o setor público em um primeiro momento.

“A instituição entende que há hoje um número limitado de unidades produzidas e, portanto, é fundamental centralizar essa compra no setor público”, afirma, em comunicado.

A discussão sobre vacinas também está sendo acompanhada por indústrias. CNI (Confederação Nacional da Indústria) e Sesi (Serviço Social da Indústria) avaliam a possibilidade de obter os imunizantes contra a Covid-19, mas afirmam que irão aguardar as devidas orientações do Ministério da Saúde.

Enquanto isso, cresce também a procura por empresas por testagens. Segundo Lídia Abdalla, presidente-executiva do grupo Sabin, a busca deste serviço por empresas teve aumento de 28% em dezembro. O grupo atende indústrias de mineração, telefonia, farmacêutica, energia, construção civil e serviços.

A Dasa Empresas, que reúne laboratórios de diagnóstico, hospitais e uma integradora de saúde, teve aumento de 9,8% em pedidos de testagens de 1º de dezembro a 6 de janeiro. No mesmo período, a carteira de clientes corporativos do grupo cresceu 12,3%.​​

A Volkswagen faz, neste mês, testagem em massa entre seus funcionários. O procedimento começou na semana passada para cerca de 10,5 mil funcionários que atuam nas fábricas em São Bernardo do Campo, São Carlos e Taubaté (SP) e em São José dos Pinhais (PR).

Na segunda-feira (11), a testagem foi estendida a funcionários de áreas operacionais da montadora que precisam ir esporadicamente às fábricas. Além de manter 80 medidas de proteção ao coronavírus, que incluem uso de máscaras, álcool em gel e distanciamento, a empresa afirma que segue acompanhando o andamento dos casos de Covid-19 no país e permanece sem data de retorno presencial aos escritórios.

HÁ INCERTEZA JURÍDICA SOBRE OBRIGATORIEDADE DE VACINAÇÃO EM EMPRESAS
Empresas podem exigir que seus funcionários que tomem a vacina da Covid-19? Advogados trabalhistas ouvidos pela Folha têm posições divergentes sobre essa obrigatoriedade, bem como sobre eventuais sanções aos que se recusarem.

Para a advogada trabalhista do Lopes & Castelo Sociedade de Advogados, Elizabeth Greco, deverá haver diálogo entre empresas, funcionários e sindicatos, e os empregadores deverão investir em medidas de conscientização.

Greco afirma que diante da recusa, dificilmente o trabalhador poderá ser demitido por justa causa, porque este processo tem muitas gradações, como advertências prévias.

Já o advogado Jorge Matsumoto, sócio trabalhista do Bichara Advogados, avalia que, salvo exceções, o funcionário tem a obrigação de se vacinar e poderá sofrer demissão por justa causa.

“Entendo que sim, porque se ele colocar em risco os funcionários, quem vai ser responsabilizada é a empresa”, afirma. “Há para a empresa a obrigação constitucional de proteger seus funcionários.”

Em dezembro, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a vacina contra a Covid-19 pode ser obrigatória, desde que exista uma lei nesse sentido. No entendimento da corte, a imunização forçada é proibida, mas o poder público poderá adotar medidas restritivas para evitar a circulação de quem não se imunizar.

A sócia e líder da área trabalhista do Trench Rossi Watanabe, Letícia Ribeiro, pondera que a vacinação de funcionários ainda é um tema em construção.

“O posicionamento do Supremo é um norte importante a ser seguido por todos, inclusive pelas empresas e pelo que a jurisprudência trabalhista deve se firmar”, diz.

A especialista lembra que vacinação compulsória não significa vacinação forçada. Segundo Ribeiro, caso um funcionário que trabalhe presencialmente se recuse a se vacinar e não apresente respaldo científico, o empregador poderá implementar restrições para manter a segurança dos demais funcionários.

“O empregador deverá avaliar medidas de distanciamento social desse funcionário”, afirma.

Apesar das divergências, há um consenso. Todos pontuam que, caso tenha respaldo médico para não se vacinar, como gravidez, alergia a algum componente da vacina ou outro comprometimento, o trabalhador poderá ser dispensado da vacinação.

Deisy Ventura, advogada e coordenadora do doutorado em saúde global da USP, é contrária à comercialização de vacinas contra a Covid-19, mas é favorável que as companhias tenham estratégias para incentivar seus trabalhadores a se vacinarem na rede pública.

“As empresas podem, sim, dizer que querem que seus trabalhadores se vacinem, fazer pressão sobre o governo para que o programa nacional de imunização seja rápido, eficiente, e elas podem instituir penalidades para quem não for se vacinar, com exceções para quando existir uma justificativa do funcionário”, afirma.

A especialista defende que o engajamento do setor privado pode ser decisivo neste momento de pandemia.

“Se o setor privado deixar claro que quer um programa de imunização público, eficiente e rápido, o governo é extremamente reativo ao interesse do empresariado. O engajamento das empresas pode ser decisivo neste momento”.

Questionado pela Folha, o Ministério Público do Trabalho disse que segue analisando o tema e em breve deverá firmar um posicionamento a respeito.

FOLHA DE S. PAULO

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