O avanço do emprego no setor público tem ajudado a impedir uma piora ainda maior do mercado de trabalho no País. O total de pessoas trabalhando como militar ou funcionário público estatutário alcançou um recorde de 8,785 milhões no trimestre encerrado em janeiro. O resultado representa um salto de 10,3% no número de ocupados nessa categoria de trabalho, 822 mil pessoas a mais que no mesmo período do ano anterior, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A série histórica da pesquisa, iniciada em 2012, mostra que as taxas de crescimento no emprego público militar ou estatutário – que exclui os contratados com outros tipos de vínculo, como os que atuam com carteira assinada ou sem carteira – ganharam velocidade a partir do agravamento da crise sanitária no Brasil. Na comparação com o mesmo período do ano anterior, a expansão no total de ocupados no setor público como militar ou estatutário saiu de um avanço de 1,5% no trimestre encerrado em março de 2020 para uma alta de 3,7% em abril daquele ano, acelerando o ritmo de crescimento para 8,5% em maio, patamar em que vem oscilando desde então, até o pico de 10,3% em janeiro deste ano.
As contratações podem ter relação com o combate à pandemia, acredita Rodolpho Tobler, economista responsável pelos indicadores do mercado de trabalho do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
“Os governos tiveram que agir muito nesse setor, contratando não só médicos, mas enfermeiros e toda uma gama de profissionais nessa área de saúde. Não só os governos estaduais, mas também os municipais. Os governos tiveram que atuar de maneira muito mais forte do que nos outros anos, por causa da pandemia”, justificou Tobler.
Por outro lado, o emprego com carteira assinada no setor público, que inclui os que possuem a folha de pagamento terceirizada e funcionários temporários, diminuiu ao longo da pandemia. No trimestre encerrado em janeiro, 1,140 milhão de ocupados atuavam no setor público com carteira assinada, 4,2% a menos que no mesmo período do ano anterior, um corte de 50 mil vagas.
Entre os trabalhadores sem carteira no setor público, que vão desde consultores a prestadores de serviço autônomos, o total somava 2,114 milhões de pessoas, uma redução de 10,9% em relação ao patamar de janeiro de 2020, 258 mil trabalhadores a menos no período.
O IBGE lembra que a pesquisa capta o tipo de vínculo empregatício de quem trabalha no setor público através de autodeclaração, ou seja, é o informante que determina em qual das três situações se encaixa: militar ou estatutário; com carteira assinada; ou sem carteira assinada.
Setor da saúde
Tobler acredita que alguns funcionários públicos contratados temporariamente possam ter entrado na conta de estatutários, mas também que governos locais tenham acelerado a realização de concursos para preencher vagas ociosas no setor de saúde.
“Isso vai na contramão do que está acontecendo no mercado de trabalho durante a pandemia. Está tendo um aumento no emprego na área de saúde. O contingente de militares contribui pela característica da estabilidade, é um vínculo que se mantém, não se espera que diminua (o contingente de trabalhadores nesse tipo de carreira)”, disse Tobler.
Governos locais também podem ter convocado profissionais aprovados em concursos de anos anteriores, sugere Maria Andréia Parente Lameiras, técnica de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
“Acho que é um aumento de profissionais contratados por estados e municípios para a área da saúde, porque o governo federal não mostrou aumento nas contratações no período”, apontou Maria Andréia. “A gente sabe que o setor de saúde teve que contratar bastante.”
Os últimos resultados da Pnad Contínua divulgados por unidades da federação, referentes ao quarto trimestre de 2020, mostram que cerca de 70% das 707 mil vagas de militares ou servidores estatutários geradas ante o mesmo período do ano anterior ficaram concentradas no Paraná (geração recorde de mais 145 mil vagas em um ano, crescimento de 33,0% no total de empregados nessa modalidade de trabalho), São Paulo (+145 mil, alta de 9,7%), Rio de Janeiro (+97 mil, aumento de 11,8%) e Minas Gerais (abertura recorde de 88 mil, alta de 12,5%).
Outras regiões com magnitude considerável de expansão nesse tipo de emprego foram Mato Grosso (um recorde de 44 mil vagas, expansão de 35,3% no total de ocupados como militar ou servidor estatutário), Tocantins (criação recorde de 28 mil vagas, alta de 35,8%), Alagoas (geração também recorde de 24 mil vagas, alta de 21,6%) e Amapá (12 mil vagas, alta de 21,9%).
“Esses são Estados não tão próximos entre si em termos de características de atividade econômica, o que confirma a tese de que o aumento foi impulsionado pela pandemia, porque é o que todos têm em comum neste momento”, concluiu Tobler.
O ESTADO DE S. PAULO