Economia pode ter contração no primeiro trimestre

A vacinação contra a covid-19 vai ditar o grau de recuperação da economia, assim como a duração e extensão da segunda onda da pandemia, que afeta mais de uma dezena de Estados nos quais o contágio está em progressão acelerada. As vacinas irão atrasar devido a problemas na entrega dos insumos ativos para sua confecção – no caso da Fiocruz, que produzirá o imunizante das AstraZeneca -Oxford, elas só estarão disponíveis a partir de março. Esses são mais alguns indícios de que o primeiro trimestre poderá terminar com um recuo na economia, que deverá ser compensado por uma aceleração a partir daí, se a aplicação das vacinas deslanchar. Os índices de desempenho divulgados até novembro refletem uma perda de fôlego do ritmo de recuperação, até certo ponto previsível. A recuperação tem um formato de V, mas minúsculo, já que apenas em 2022 a economia voltará ao nível de crescimento que apresentava antes da pandemia. Os dados confirmam este arrefecimento. O mais recente deles, o IBC-Br, uma prévia do PIB, teve desaceleração, para 0,59%. No ano, há queda de 4,63%. Com a expansão esperada em dezembro, o país terminará com um recuo entre 4% e 4,5%. Foi o país latino-americano com as menores perdas causadas pelo coronavírus.

Apesar disso, mesmo retornar ao nível indigente de crescimento de antes da pandemia pode demandar esforço. O recrudescimento da pandemia, um novo cerco (moderado) à mobilidade, o fim do auxílio emergencial, que despejou R$ 361 bilhões na economia em 2020 e aumento do desemprego devem conter a recuperação no primeiro trimestre. A redução do auxílio, de R$ 600 para R$ 300, teve alguma influência. As vendas no varejo apontaram estabilidade em novembro (-0,1%), após seis altas mensais consecutivas. A média móvel trimestral avançou 1,2%, mas também mostrou perda de fôlego.

O consumo impulsionado pelo auxílio de R$ 600 parece dar sinais de esgotamento. Menos dinheiro e mais inflação diminuíram as vendas de hipermercados, supermercados, alimentos e bebidas (-2,2%), setor que concentra boa fatia dos gastos das pessoas contempladas com o benefício. Chama a atenção ainda, no caso do varejo ampliado, a contração do setor de material de construção (-0,8%). Ainda assim, a expansão no ano foi de 10%.

O varejo é um segmento de peso no setor de serviços, que compõem mais de dois terços do PIB. Ele foi o mais duramente atingido pelo distanciamento e as restrições à mobilidade impostas pelo combate à pandemia. Apesar da expansão de 2,6% em novembro e de 19,2% em seis meses, continuará oscilando ao sabor da covid-19, e pode interromper a recuperação em breve. Com a reação, o acumulado do ano ainda apresenta uma queda de 8,2% e o resultado em 12 meses findos em novembro é um recuo de 7,4%, o maior desde dezembro de 2012. A parte dos serviços movidos à renda dificilmente terá uma performance brilhante nos próximos meses, ou capaz pelo menos de fechar a distância do nível alcançado antes da covid-19 chegar ao país. Falta um avanço de 5,4% para que os serviços de transportes cheguem lá. O hiato para os serviços às famílias é muito maior, de 34,2%. Apenas os serviços de informação e comunicação e o de outros serviços (com destaque para serviços financeiros auxiliares) deixaram para trás o forte baque dos primeiros meses de pandemia.

A conjunção de fim do auxílio e alta dos contágios na segunda onda levou a uma gradual revisão suave para baixo das expectativas de crescimento do PIB em 2021. Entretanto, superam em pouco a expansão esperada decorrente do carregamento estatístico, de 3% a 3,5%. A consultoria Oxford Economics, por exemplo, prevê avanço de 1,7% do PIB no quarto trimestre, e uma contração da economia neste primeiro trimestre do ano. Mesmo assim, projeta um PIB 3,8% maior em 2021, perspectiva mais otimista que a mediana de 3,45% agregada pelo boletim Focus, do Banco Central. Sem um claro alívio no front econômico, e no sufoco no campo sanitário, haverá pressões políticas pela renovação do auxílio emergencial, assunto que parece ter entrado de vez na disputa pelo comando da Câmara e do Senado. E, com aumento do desemprego e a economia fraca, o BC terá motivos para retardar a elevação dos juros. Maior disponibilidade de vacinas e competência em sua distribuição e aplicação – ambas em falta – poderão mudar bastante este quadro, para melhor.

VALOR ECONÔMICO

Compartilhe