Baixa produtividade, influenciada por qualificação dos trabalhadores abaixo do necessário, é principal explicação
Por Lucianne Carneiro — Do Rio
A melhora do mercado de trabalho depois das consequências da pandemia não esconde um problema estrutural: a concentração dos trabalhadores em vagas com rendimentos baixos. O Brasil tinha dois terços (67,1%) de seus trabalhadores com renda de até dois salários mínimos (R$ 2.424) por mês no terceiro trimestre de 2022. São 65,5 milhões de pessoas nesta situação, de um total de 97,5 milhões de pessoas ocupadas no país.
O cálculo é da LCA Consultores, feito a partir de microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua a pedido do Valor. Considerando apenas aqueles que ganham até um salário mínimo (R$ 1.212), a parcela é de 35,6% (34,7 milhões de pessoas).
A baixa produtividade do trabalho no Brasil, influenciada por uma qualificação dos trabalhadores que avançou, mas está aquém do necessário em qualidade e intensidade, é apontada por economistas como a principal razão para esta composição da força de trabalho centralizada nos rendimentos até dois salários mínimos.
Esses percentuais oscilaram na pandemia como resultado da crise. Houve aumento da parcela de quem ganhava menos e redução dos que estavam na faixa superior dos rendimentos. Para se inserir, trabalhadores aceitaram trabalho com remunerações menores. E isso ocorreu tanto no mercado formal de trabalho (setor privado com carteira de trabalho ou setor público) quanto no informal.
Agora, com a recuperação do emprego e, mais recentemente, de uma reação também do rendimento médio, as parcelas dos que recebem até um salário mínimo e entre um e dois salários começaram a recuar. O que se observa, no entanto, é que a variação foi limitada não só na pandemia como ao longo dos últimos anos.
Desde 2012, início da série histórica da pesquisa, a fatia de quem recebia até dois salários mínimos por mês variou entre o mínimo de 65,7% no segundo trimestre de 2014 e o máximo de 71% nos terceiro e quarto trimestres de 2021.
“O Brasil é um país ainda muito desigual. Há uma pequena parcela de trabalhadores muito qualificada, mas tem um grupo muito maior com baixa qualificação, que não consegue passar dos dois salários mínimos de rendimento. É a Belíndia”, afirma Bruno Imaizumi, economista da LCA Consultores responsável pelo levantamento, fazendo referência ao termo cunhado por Edmar Bacha nos anos 1970 para descrever a desigualdade na sociedade brasileira.
Para a coordenadora do Grupo de Pesquisas em Economia do Trabalho da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Diana Lúcia Gonzaga da Silva, a distribuição do pessoal ocupado, pelo perfil de renda, reflete as consequências de uma baixa produtividade do trabalho.
“O comportamento estrutural do mercado de trabalho está associado à baixa produtividade. A economia brasileira tem se concentrado em setores que agregam pouco à produção e acabam formados por empregos pouco complexos”, diz ela.
Vendedor de uma loja de produtos para cozinha no Centro do Rio, Oswaldo de Souza, de 45 anos, recebe R$ 1.700 por mês. Ele estudou apenas até o quinto ano do ensino fundamental e diz que nunca chegou à marca de dois salários mínimos por mês. Souza mora sozinho em uma casa alugada na comunidade de São Carlos, região central do Rio, por R$ 500, paga pensão de R$ 300 para o filho e precisa bancar seus demais gastos com o que sobra.
“A gente vai se virando como dá. Se eu pudesse, a coisa mais importante para mim seria morar em um lugar mais seguro. A gente passa por gente armada quando chega em casa e está sempre alerta”, diz.
A falta de estudo de Souza e de tantos outros trabalhadores brasileiros está por trás da baixa qualificação citada por Naercio Menezes Filho, professor do Insper e da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), como uma das principais influências para a baixa produtividade do trabalho, que limita a evolução salarial ao longo da trajetória profissional da maioria dos brasileiros.
“Sem crescimento da produtividade do trabalho, fica difícil aumentar de forma sustentada o salário das pessoas. E um dos principais fatores para isso é a baixa qualificação. A maioria da população acaba pingando de emprego em emprego com salários baixos ao longo da vida”, afirma.
Mesmo com o avanço da parcela da população mais instruída, tanto com ensino médio completo tanto com curso superior, ainda são fundamentais melhorias na qualidade do aprendizado, segundo Menezes Filho.
“Hoje 70% dos jovens têm ensino médio completo, mas o aprendizado não é o esperado. Falta conhecimento em conteúdo e em habilidades sociais, como perseverança, resiliência, garra e metas. É preciso continuidade de políticas públicas, ao longo de toda a vida educacional, para ajudar o jovem a se virar no mundo”, defende o professor.
O garçom Edilson da Silva Sousa, de 29 anos, era um dos trabalhadores que ganhavam um salário mínimo até 2020. O aumento da escola do filho, no entanto, pressionou o orçamento da família e ele acabou arrumando um segundo emprego como garçom, aos sábados e domingos. Só descansa quando tem algum evento da família.
A decisão de pagar uma escola particular foi para investir na educação do filho. “Antes eu ganhava um salário por mês e fazia uns bicos em eventos. Mas quando a escola do meu filho aumentou tive que tornar isso fixo. A gente decidiu se apertar por uma boa causa”, conta ele, que tem o ensino fundamental completo.