Ampliação do Auxílio Brasil deu injeção de liquidez na economia e redução do ICMS deve contribuir para conter a inflação. Mas no ano que vem a conta deve ser duplamente amarga
Por Marsílea Gombata
A ampliação do Auxílio Brasil deu injeção de liquidez na economia neste ano, enquanto a redução da alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) deve contribuir sensivelmente para conter a inflação. Mas em 2023 a conta deve ser duplamente amarga, com menos crescimento e mais inflação. As medidas tomadas às vésperas da eleição, portanto, apenas jogam o problema para frente, segundo avaliação apresentada pelo Boletim Macro, do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
Na edição de julho do boletim, o FGV Ibre revisou para cima sua projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para 2022, de 0,9% para 1,7%. Como a revisão se deu por conta de medidas de caráter temporário, como antecipação de 13 e ampliação do Auxílio Brasil, o otimismo para 2023 não se manteve. O FGV Ibre rebaixou a projeção de PIB para o ano que vem, alta de 0,4% para queda de 0,3%. O documento aponta que “não há o que comemorar, portanto”.
Apesar das previsões de forte desaceleração no ano que vem, no curto prazo a atividade surpreende para cima, com destaque para serviços e geração de emprego. Com isso, elevou-se a previsão de crescimento do segundo trimestre, em relação ao primeiro, de 0,4% para 0,8%. Mas, com a inflação muito elevada e sem novas liberações de fundos, a tendência é de desaceleração no terceiro trimestre, o que deve se agravar no quarto, quando deve haver contração do PIB.
“Temos visto não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina uma surpresa em relação à atividade, permitida pela exportação de commodities e reabertura da economia, com o setor de serviços, o varejo e até mesmo a indústria surpreendendo para cima”, afirma Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro.
Ela argumenta, contudo, que a demanda doméstica que impulsionou o desempenho da atividade tem relação direta com antecipação de recursos como o 13º salário e o FGTS, além do reajuste dos servidores estaduais e municipais, o que adia a desaceleração.
“Ganha-se fôlego de curto prazo, o que é bem apropriado do ponto de vista eleitoral. Mas sabemos que o cobertor é curto. Do ponto de vista fiscal, não há espaço no Orçamento. E, por outro lado, essa recuperação também é inflacionária”, acrescenta Silvia.
O FGV Ibre espera crescimento da massa de rendimentos no segundo trimestre, o que levaria o consumo das famílias a crescer 1,4%, na variação trimestre contra trimestre, em linha com a recuperação do consumo de serviços. A indústria deve crescer 0,2%, frente aos primeiros três meses do ano, e o setor de serviços, ter leve alta na margem, de 0,2%.
Para o ano, o FGV Ibre revisou a projeção de crescimento do consumo das famílias, de 1,4% para 2,2%, e a de investimento, de -4,2% para -3,3%. Para a indústria de transformação esperava -2,5% e agora prevê -1,3%. A projeção de crescimento para serviços também foi revisada para cima, de 1,6% para 2,4%.
A perspectiva para o próximo ano, contudo, é de desaceleração, com o PIB de 2023 caindo 0,3%. Jogará contra a atividade a alta inflação, que foi adiada neste ano, alerta o Boletim Macro.
“A redução do ICMS imporá trégua à inflação, mas está longe de resolver todos os problemas. A elevação dos preços está disseminada. Segundo o Monitor da Inflação Oficial, o índice de difusão, que mede o percentual dos preços de produtos e serviços em alta, mostra que 70% dos componentes do IPCA ainda estão subindo. (…) Os núcleos de inflação também mostram como os preços estão persistentemente em elevação”, escreve o economista André Braz na seção sobre inflação.
Ele argumenta que parte importante do espalhamento da inflação pode ser explicada por meses de alta dos preços de insumos, como energia e combustíveis, que elevaram os custos de produção. A perspectiva é que os preços da gasolina e da energia elétrica apresentem queda de 8% e 5%, respectivamente. O efeito será de corte de 0,65% ponto percentual, o que garantirá o IPCA de julho em terreno negativo.
Braz acrescenta que a redução do ICMS já mexeu sensivelmente com a expectativa de inflação de 2022 e 2023. O Boletim Focus, do Banco Central, previa inflação de 8,2% para este ano e agora espera 7,3%. Para 2023, contudo, a previsão passou de 4,8% para 5,3%. Essa persistência inflacionária, acrescenta, vem sugerindo maior aperto monetário, “remédio amargo cujo efeito colateral é a recessão”.
“Sabemos que a redução de impostos tem efeitos temporários. Deixa-se um legado de inflação adiante, porque parte dessa medida será revertida no ano que vem. No curto prazo, temos menos inflação e mais atividade e emprego, mas o custo disso é mais inflação no ano que vem, acima do 5%”, afirma Silvia. “A herança para 2023 começa a ficar maldita. Acaba-se postergando inflação para o ano que vem, ao mesmo tempo em que a questão fiscal fica mais complicada e os juros se mantêm elevados por mais tempo.”
Ela acrescenta que para chegar a uma inflação em torno de 5%, os juros terão de ficar em 10%. Para 2023, o FGV Ibre espera taxa de inflação anual de 5,4% e juros podendo chegar a 14%. “Não tem espaço para redução. Vai depender muito do comportamento da taxa de câmbio e do novo governo. Mas tudo indica um freio de mão puxado para 2023, o que acaba colhendo atividade mais fraca”, diz.
A economista argumenta que o crescimento de 2022 será puxado por estímulos com data para acabar, assim como a redução da inflação, mas isso terá de ser compensado no ano que vem — sem estímulos fiscais e com mais inflação. “As boas notícias, então, parecem não ser tão boas assim”, conclui.