O Brasil deve registrar os piores resultados para uma década de crescimento econômico e de variação de PIB per capita dos últimos 120 anos ao fim de 2020 – um cenário que ocorreria mesmo sem a pandemia, de acordo com levantamento da Fundação Getulio Vargas (FGV) divulgado ao Valor. No estudo, a fundação usou como parâmetros estimativas de recuo anual no PIB de 4,4% em 2020, com retração de 5,1% no PIB per capita, originadas de projeções de mercado, do boletim Focus e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Caso esses resultados se confirmem, a FGV projeta alta média de 0,2% na economia na década entre 2011 e 2020 – o desempenho mais fraco das últimas décadas, desde o início do século passado. No caso do PIB per capita, a projeção é pior: esse indicador deve finalizar com recuo de 0,6% médio entre 2011 e 2020, igual ao observado no período de 1981-1990, e também pior resultado desde 1901.
Em uma lista de 14 das maiores economias do mundo, a variação de PIB per capita do Brasil na década encerrada em 2020, só não é pior do que o da Itália (-1,2%), um dos países que mais sofreram durante a pandemia e que também sentiu o efeito da crise da dívida no início da década. “O Brasil caminha para mais uma década perdida na economia ao fim de 2020, a segunda em 40 anos”, resumiu o economista Claudio Considera, um dos dois autores do estudo. O especialista notou que, neste ano, com o avanço da covid-19, todas as economias do mundo foram derrubadas com avanço da doença. Porém, um dos aspectos mais preocupantes nos dados levantados pela FGV é o fato de que, no Brasil, a covid-19 não pode ser usada como desculpa, na análise de Marcel Balassiano, o outro autor do estudo. Balassiano detalhou que, caso não tivesse ocorrido a pandemia, e o PIB subisse 2% em 2020 – projeções pré-covid-19 -, a década atual já seria a pior em 120 anos, termos de expansão econômica, pois teria crescimento médio de 0,9%. Para o PIB per capita, o aumento seria de 1,2% sem a pandemia neste ano, afirmou ele. “Nesse caso, a década ficaria estagnada no PIB per capita” disse Balasssiano, acrescentando que esse seria também pior desempenho da década finalizada em 2020.
Para os pesquisadores, mais do que a crise na economia causada por covid-19, os dados evidenciam trajetória contínua de atividade econômica fraca nos últimos anos, que culminou com o “baque” da pandemia neste ano. “Mesmo antes da pandemia, nós crescíamos muito lentamente”, lembrou Considera. Balassiano concorda. “Tivemos recessão forte a partir de 2016, e recuperação lenta em 2019”, acrescentou ele. Nem mesmo os anos de bom crescimento econômico em 2011, 2012 e 2013 foram suficientes para compensar sete anos de atividade fraca que se seguiram, acrescentaram os técnicos.
O ritmo da economia brasileira, na última década, também não é animador quando comparado em ranking das 14 maiores economias do mundo. Ao analisar crescimento do país na última década, no estudo, os especialistas fizeram exercício para mensurar quanto o PIB per capita do Brasil corresponderia ao do país mais rico do mundo, os Estados Unidos. Os especialistas calculam que o PIB per capita brasileiro deve encerrar o ano em US$ 10,9 mil, em torno de 5,1% inferior ao de 2019 (US$ 11,6 mil). Isso representa 25% do PIB per capita americano em 2020.
Na lista dos outros países, também comparados com PIB per capita dos Estados Unidos, essa fatia só não é pior do que as de Indonésia (23%) e Índia (11%). “O caso é que, quando você cresce menos [no caso, o PIB], você tem menos a distribuir”, resumiu Considera, ressaltando que o fraco ritmo de atividade derruba o PIB per capita. Ao ser questionado se o país poderia recuperar perdas de 2020 na atividade econômica e no PIB per capita a partir de 2021, quando é mais provável vacina contra covid-19 – e, com isso, começo do fim da pandemia -, Considera foi cauteloso. “Vamos supor que o PIB do Brasil caia 4,5% em 2020. O PIB tem que crescer pelo menos em torno de 4,4% para se recuperar [em 2021]”, afirmou ele.
Ele fez outra ressalva: para ter saldo positivo na variação do PIB per capita em 2021, seria preciso crescer um ponto percentual a mais do que alta estimada de 4,4% para repor o tombo da economia no ano da pandemia. Para tentar reverter a situação, os pesquisadores defendem estímulos para impulsionar a economia, com atenção especial ao setor de serviços, intensivo em emprego. “Serviços representa 75% do total do PIB e está com uma ociosidade enorme”, alertou Considera. No PIB do terceiro trimestre, divulgado neste mês pelo IBGE, a atividade econômica recuou 3,9% em relação a igual período no ano passado – com queda de 4,8% na atividade de serviços no mesmo período.
VALOR ECONÔMICO