Crise no BB ressuscita entre os investidores fantasma da ingerência política nas estatais

O descontentamento do presidente Jair Bolsonaro com o presidente do Banco do Brasil, André Brandão, que anunciou o fechamento de agências e um plano de demissão voluntária, traz de volta aos investidores a desconfiança o futuro da instituição, se será ou não privatizada.

No entanto, analistas avaliam que o estrago atinge todas as estatais com ações em Bolsa, como Petrobras e Eletrobras, já que ressuscitou o fantasma da ingerência política sobre estatais.

Na quinta-feira, a ação ordinária do Banco do Brasil caiu 0,24%, depois do tombo de quase 5% do dia anterior. O dia foi de expectativa de um desfecho para as tentativas do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, de convencer o presidente a desistir da demissão de André Brandão, que está à frente do banco há menos de seis meses.

Não houve definição oficial até a noite, mas o tema passou o dia no noticiário.

Mais cedo, em fato relevante ao mercado financeiro, o Banco do Brasil informou “que não recebeu no âmbito de seus órgãos de governança nenhuma comunicação formal por parte do acionista controlador sobre suposta destituição” de Brandão.

“A notícia pode elevar a incerteza para o banco, principalmente após plano de reestruturação recentemente anunciado. Isso poderia aumentar os riscos de governança corporativa, tema no qual o banco tem avançado nos últimos anos”, escreveram os analistas do banco Goldman Sachs, liderados por Tito Labarta, em relatório distribuído a clientes, informou a coluna Capital, do GLOBO.

‘Sinalização de abandono do projeto liberal’
Luiz Marcatti, presidente da Mesa Corporate Governance, consultoria especializada em governança corporativa, avalia que o problema de qualquer empresa controlada pelo Estado é que sua gestão é diretamente afetada pela agenda política do seu controlador.

— Eles agem com o olhar eleitoreiro e não empresarial — diz Marcatti.

Para o economista João Augusto Salles, estrategista em renda variável da Senso Corretora, e especialista em sistema financeiro, o fator político sempre foi um risco para o Banco do Brasil e a decisão de Bolsonaro vai nessa direção, numa sinalização de abandono do projeto liberal do governo.

— As ações ordinárias do BB subiram mais de 22 % desde a posse de Brandão por conta da capacidade de gestão de André Brandão, e em menor grau pela expectativa de privatização do banco, que parece estar cada vez mais longe. A interferência política sempre foi o principal fator de risco para o BB e o desconto de suas ações em relação aos pares privados decorre daí — explica.

Salles argumenta que o fechamento de agências e os planos de demissão voluntária que vão enxugar cinco mil funcionários do quadro da instituição vão na direção do que outros grandes bancos privados estão fazendo para ganhar mercado no segmento digital.

— Durante a pandemia, cresceu o acesso dos clientes pelos canais digitais dos bancos. Se não se reforçar nesse segmento, o BB corre o risco de perder fatias importantes do mercado — diz Salles, lembrando que as agências físicas têm alto custo de manutenção para os bancos.

Respeitado, executivo poderia se demitir
Brandão é considerado pelo mercado um executivo que conhece as deficiências do Banco do Brasil e sua saída seria ruim para a instituição. Ele também é visto como dono de melhor interlocução com os funcionários que seu antecessor, Rubem Novaes.

Se a pressão do Planalto continuar e Brandão tiver que rever os planos, há chance de o executivo pedir demissão, avalia o analista da Senso.

Segundo um relatório do Goldman Sachs, a provável mudança de presidente “após apenas quatro meses pode trazer incerteza para a estratégia do banco.”

“Observamos que André Brandão tem larga experiência no setor bancário e construiu sua carreira no mercado financeiro, atuando para instituições financeiras privadas por mais de 30 anos,” acrescenta o texto.

Preocupação com Petrobras
No mercado também causou preocupação a notícia de que a Associação Brasileira de Importadores de Combustíveis (Abicom) recorreu ao órgão de defesa da concorrência contra a Petrobras por uma suposta defasagem no preço dos combustíveis.

Apesar disso, na quinta-feira as ações da Petrobras oscilaram hoje entre leves perdas e ganhos. Após forte tombo na véspera, a ação ordinária da estatal fechou em alta de 0,40% enquanto a preferencial subiu 1,03%.

A entidade protocolou ofício na sexta-feira no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e na Agência Nacional do Petróleo (ANP) argumentando que a Petrobras está vendendo diesel e gasolina às refinarias no Brasil com preços abaixo das cotações no mercado internacional, o que afeta a concorrência.

A Petrobras nega, mas entre os investidores fica a dúvida de que o governo pode sacrificar ganhos da estatal para não desagradar os caminhoneiros, que têm manifestado insatisfações.

O GLOBO

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