Sem auxílio emergencial e com o mercado de trabalho ainda fraco, o contingente de trabalhadores por conta própria deve continuar crescendo neste início de ano – movimento que já começou no quarto trimestre de 2020 -, mas essas pessoas devem enfrentar outro obstáculo além da precariedade em geral associada a este tipo de trabalho: renda em queda.
De um lado, há mais gente como parte deste grupo, que tem processo de inserção mais fácil. Do outro, com a atividade econômica em baixa, falta renda disponível suficiente na população para o consumo dos bens e serviços oferecidos pelos trabalhadores por conta própria. Esses fatores devem pressionar a renda média desse grupo, que já deu sinais de retração no fim de 2020.
“No auge da pandemia, havia auxílio emergencial, mas ele primeiro foi reduzido e depois suspenso, sem retorno pelo menos até agora. Nessa situação, as pessoas estão mais impelidas a trabalhar, mesmo com a piora da pandemia, e o conta própria é uma forma de inserção mais fácil”, afirma Bruno Ottoni, pesquisador da consultoria IDados e do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV. “Só que a atividade econômica no primeiro trimestre está mais fraca, tem menos gente circulando e comprando. Esse trabalhador por conta própria não vai conseguir auferir a mesma renda. Pelo menos o primeiro trimestre deve ter mais trabalhadores por conta própria, com renda média menor.”
Os trabalhadores por conta própria são, como o nome diz, aqueles que trabalham por iniciativa própria, também conhecidos como autônomos. O grupo inclui advogados e dentistas, mas também ambulantes, pessoas que vendem comida para fora, cabeleireiros, motoristas de aplicativos de transportes ou entregadores de delivery de comida. Em sua maioria, não têm CNPJ, e por isso são classificados como informais pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas há quem argumente que mesmo quem tem CNPJ pode também ter trabalho mais precário e com renda mais baixa, caso dos microempreendedores individuais (MEIs).
A pandemia provocou uma crise diferente no mercado de trabalho, que expulsou até mesmo os trabalhadores informais, nos quais estão aqueles por conta própria. Isso pode ser observado quando se compara os números fechados de 2020 frente aos de 2019. Inicialmente, a renda do grupo até subiu, já que os que mais deixaram o mercado foram os trabalhadores menos qualificados, com renda menor. Eles começaram a voltar no fim do ano passado, num ambiente de alguma melhora nos números de covid-19, tendência observada pelos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, relativa ao período entre outubro e dezembro.
O número de trabalhadores por conta própria subiu 6,8% no quarto trimestre de 2020, em relação ao terceiro, após uma redução ao longo de 2020. Enquanto isso, a renda desse grupo já sinaliza retração no quarto trimestre, especialmente no grupo sem CNPJ (-3,4% na comparação com o terceiro trimestre). São pessoas como Gabriel Oliveira Brito, de 19 anos, que concluiu o ensino médio no ano passado, e vem tentando oportunidades há mais de um ano. Diante da necessidade de trabalhar para ajudar os pais nas compras de casa e financiar seu curso de informática, começou há dois meses a trabalhar com entrega de comida por delivery. Ele usa uma bicicleta alugada e trabalha de segunda a domingo. São cerca de nove horas por dia, mas costuma ficar mais tempo às sextas, sábados e domingos, que são os dias de maior demanda. “Estou procurando emprego desde 2019. Aqui trabalho sob sol e chuva, mas pelo menos é um trabalho que depende de mim. O dinheiro é pouco, mas dá para ir trabalhando e juntando”, diz Gabriel.
Com mais tempo como entregador, desde antes da pandemia, Weslen Jhonmys Nascimento, de 31 anos, tem percebido a chegada de gente nova neste trabalho. “Tem muita gente ficando desempregada, que acaba vindo para o delivery. Cada dia é uma realidade diferente, tem dias bons e outros piores. A renda é muito incerta”, afirma ele. “A perspectiva é de uma chegada em massa dos trabalhadores por conta própria ao mercado. Não há tantas barreiras para a entrada e, à medida que vão retornando, se ocupam de alguma forma, ainda que precariamente. Só que o primeiro trimestre é sazonalmente ruim para o mercado de trabalho e, numa economia patinando, é quase inevitável uma queda na renda”, diz o professor da UFRJ João Saboia.
Em um cenário para 2021 sem previsão de recuperação mais forte do mercado de trabalho – até que a vacinação avance -, muitos serão obrigados a buscar uma alternativa de trabalho por conta própria, concorda o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Sandro Sacchet. “É mais gente para dividir a mesma demanda agregada, já que a economia não está crescendo. De uma forma mais simples, se tem mais motorista de aplicativo na rua, vão disputar as mesmas corridas. E há impacto na renda”, explica.
Um estudo feito por Sacchet em 2020 mostrava que trabalhadores por conta própria eram os de maior diferença entre a renda efetivamente recebida durante a pandemia frente à renda habitualmente recebida. Com 63 anos, Roberto Lucio Figueiredo já foi dono de uma gráfica, mas trabalha há quatro anos como motorista de aplicativo. Com medo da pandemia, parou de trabalhar em março do ano passado e só voltou a rodar em outubro.
Enquanto ficou em casa, ajudou a mulher nas vendas de comida congelada. Ele diz que a renda da família caiu e teve que cortar alguns gastos. Agora, vem tentando retomar os ganhos. “Tenho visto muito motorista novo trabalhando com aplicativo, são pessoas que não trabalhavam com isso antes da pandemia. Está difícil ganhar minha meta por dia”, conta ele.
VALOR ECONÔMICO