Juízes do trabalho aplicam correção maior que a estabelecida pelo STF

Juízes do interior de São Paulo encontraram uma saída jurídica para estabelecer uma correção maior para as dívidas trabalhistas. Além da Selic, determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sentenças e acórdãos do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Campinas têm concedido uma indenização suplementar – como juros de 8% ao mês ou a diferença entre a Selic e o IPCA-E mais juros de mora de 1% ao mês.

Nas decisões, os magistrados afirmam estar cumprindo a determinação do STF e que podem conceder essa indenização, com base no parágrafo único do artigo 404 do Código Civil. O dispositivo afirma que “provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar”. A saída encontrada preocupa advogados de empresas porque será difícil levar a questão diretamente ao Supremo, com uma reclamação, como a analisada recentemente pelo ministro Alexandre de Moraes. Em dezembro, o STF considerou inconstitucional a aplicação da Taxa Referencial (TR), como previsto pela reforma trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017), e optou pela Selic. A Justiça do Trabalho adotava, até então, IPCA-E mais juros de 1% ao mês. “Foi criado um subterfúgio para que não sejam ajuizadas reclamações”, diz a advogada Caroline Marchi, sócia da área trabalhista do Machado Meyer Advogados. O escritório apresentou a reclamação ao STF (RCL 46023), acatada pelo ministro. Era contra sentença de uma juíza do trabalho em Araçuaí (MG), que aplicou a Selic mais juros de mora de 1% ao mês. “No nosso caso, era clara a afronta à decisão do STF.”

Com essas novas decisões, acrescenta Caroline, os processos provavelmente terão que correr pelos caminhos normais. Ou seja, instância por instância, até chegarem ao STF. A discussão sobre correção monetária afeta pelo menos 6,4 milhões de ações, em um valor total de R$ 635,4 bilhões, segundo dados do Data Lawyer, plataforma de jurimetria. Duas das recentes decisões são da 3ª Turma da 6ª Câmara do TRT de Campinas. Em um dos casos, o relator, desembargador Jorge Luiz Souto Maior, afirma que deve ser aplicado o IPCA-E na fase pré-processual e a Selic a partir da citação, como definiu o Supremo. Contudo, em seguida, estipula indenização suplementar, equivalente ao percentual de 8% ao mês, por ser a devedora uma instituição financeira.

“Na forma de indenização por dano presumido e tomando como parâmetro o princípio da isonomia e os entendimentos jurisprudenciais fixados na esfera cível a respeito do tema (STJ-RE nº 1720656 – MG – 2018/0017605-0 e Súmulas 102 e 382 do STJ)”, diz o desembargador na decisão (processo nº 0012372-23.2017.5.15.0137). Em outro caso, também julgado pelo mesmo colegiado, o juiz convocado Guilherme Guimarães Feliciano afirma que se ficar demonstrado, em sede de liquidação de sentença, que a correção pela Selic é inferior à atualização pelo IPCAE mais 1% ao mês, deve ser paga uma indenização até esse limite (processo nº 0011734-27.2019.5.15.0102). Há ainda decisões nesse sentido na 1ª Vara de Taubaté (processo nº 0011916-40.2015.5.15.0009). De acordo com o advogado Luiz Eduardo Amaral de Mendonça, sócio do FAS Advogados e membro do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social (Getrab-USP), essas decisões são uma saída inteligente para sair da discussão sobre a incidência de juros de mora, que até então era aplicado no processo trabalhista.

“Como a decisão do STF não se questiona, se cumpre, o Judiciário fez uma espécie de contorcionismo, sempre no posicionamento de proteção ao trabalhador, para que exista uma indenização suplementar, em caso de perdas, quando aplicada a Selic”, diz o advogado. Ele acrescenta, porém, que a indenização não poderia ser aplicada de ofício, sem que nenhuma das partes peça, como tem ocorrido.

Caroline Marchi afirma que nem sempre poderá ser usada essa justificativa dos juízes de que os processos trabalhistas ficaram mais baratos. “A Selic varia muito. Temos recomendado que os clientes façam uma revisão geral de suas carteiras para ajustar as provisões”, diz ela, lembrando que, em 2016, por exemplo, a taxa básica alcançou 14,25%. Hoje está em 2% ao ano. Para o advogado que assessora trabalhadores, José Eymard Loguercio, sócio do LBS Advogados, ao adotar a Selic, o Supremo reduziu drasticamente a correção “e trará, como consequência, um maior prolongamento dos processos judiciais, se não corrigir esse ponto”. Englobar juros e correção monetária em uma única rubrica, afirma, “é um equívoco, até mesmo do ponto de vista normativo. “As regras são distintas. Uma corrige o débito, a outra penaliza. E tem que ter penalidade mesmo, a mora.”

Essas novas decisões, segundo Loguercio, encontraram formas jurídicas de compensar a perda. “São soluções jurídicas possíveis, que visam equilibrar o jogo, evitando que o processo sirva para estimular o descumprimento da legislação, pois ficaria mais barato descumprir do que pagar em dia”, diz o advogado. “Eram [os juros de 1% ao mês] uma tradição de muitos anos na Justiça do Trabalho.” O advogado entende ser necessária uma solução mais definitiva para a discussão. Por meio dos embargos de declaração nas ações conjuntas que tramitam no STF (ADC 58, ADC 59, ADI 6021 e ADI 5867), afirma, ou pelo Congresso Nacional, que deve legislar sobre o tema, como ficou determinado expressamente na decisão dos ministros.

VALOR ECONÔMICO

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