Pode chegar ao fim em abril o julgamento de um dos processos tributários mais vultuosos, que se arrasta há 23 anos, e envolve a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins cobrado pela Receita Federal. A discussão é também um dos exemplos cabais da péssima reputação do país na área fiscal, que contribui para engordar a conta trilionária das disputas tributárias e colocar o Brasil em um dos últimos lugares no ranking do Doing Business do Banco Mundial. O questionamento da aplicação do PIS e Cofins sobre o ICMS chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 1998. Seu julgamento foi interrompido no ano seguinte por um pedido de vistas do então ministro Nelson Jobim. O ministro se aposentou em 2006 sem dar retorno sobre o processo que, então, voltou à pauta. Mas, nesse mesmo ano, novo pedido de vistas, desta vez do ministro Gilmar Mendes, que suspendeu a tramitação quando o placar estava favorável à empresa em 6 a 1.
O andamento do processo se acelera, com a chegada à corte de outro recurso extraordinário de mesmo teor, seguido de uma Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) movida pelo governo, que defende a incidência dos dois tributos federais sobre o ICMS estadual. O governo obteve, então, liminar que suspendeu a discussão dos questionamentos. Cerca de dez anos depois, em 2017, o STF concluiu a votação em que prevaleceu a tese de que o ICMS não devia compor a base de cálculo do PIS e da Cofins. Mas o julgamento deixou pontos duvidosos e abriu espaço para um embargo declaratório da Fazenda Nacional, que será julgado no próximo mês em definitivo – pelo menos é o que se espera.
O caso chegou a ser chamado de “julgamento da década” em 2017, e agora é o “julgamento do século”. Os valores envolvidos justificam a hipérbole. Em 2017 a União informou na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que o impacto aos cofres públicos do fim da cobrança seria de R$ 250,3 bilhões, considerando o período entre 2003 e 2014, chegando a R$ 20 bilhões por ano na segunda metade da década de 2010. O que o governo busca agora com o embargo é reduzir a perda. A questão do PIS e Cofins é apenas uma das que compõe uma respeitável conta de R$ 5,4 trilhões em disputas tributárias pendentes, o equivalente a 75% do PIB, levantada pelo Insper. O cálculo, adverte o Insper, está subestimado porque inclui apenas disputas originadas de cobranças da Receita disponíveis para consulta pública. Foi preciso recorrer à Lei de Acesso à Informação no caso de dados sobre pendências no âmbito estadual e municipal. Mas é a União a principal responsável pela cobrança de tributos e responde por cerca de 70% do estoque de contencioso de processos em tramitação na Justiça ou na esfera administrativa. Estados e Distrito Federal ficam com quase 22%; e municípios, com 8%.
Os responsáveis pelo levantamento atribuem o volume expressivo de contenciosos à existência de uma legislação tributária prolífica e complexa, que gera disputas nos tribunais. Estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação apurou que uma empresa precisa seguir 4.078 normas – ou 45.791 artigos e 106.694 parágrafos – para estar em dia com as suas obrigações fiscais. Se a empresa atuar em todo o país, sobe a quase 400 mil leis, decretos, medidas provisórias, portarias, instruções normativas e atos declaratórios o número de exigências a serem observadas nos âmbitos estaduais e municipais (Valor, 19/3). O cipoal de medidas e decisões abrem espaço para perdas para o próprio governo. No caso do ICMS, por exemplo, depois da primeira decisão do STF, algumas empresas conseguiram na Justiça regional federal o direito de usar como crédito fiscal os valores recolhidos de PIS e da Cofins sobre o tributo estadual. Esse seria o principal motivo do salto de 174% no uso de créditos fiscais no ano passado, que chegou a R$ 63,6 bilhões.
Não é surpresa que o Brasil esteja na sexta pior colocação do ranking Doing Business de 2020, com dados de 2019, relativo ao pagamento de impostos, entre 190 países. No ranking geral, o país ocupa o 124º lugar. O Doing Business estima que uma empresa gasta 1,5 mil horas por ano para cumprir suas obrigações fiscais no Brasil. Isso tem alto custo. A organização sem fins lucrativos Endeavor Brasil calcula que as empresas gastam em média 1,5% do faturamento todo ano para se manterem informadas sobre as regras fiscais. Incluindo a contratação de pessoal, sistemas e equipamentos para acompanhar o assunto, o gasto chega a R$ 65 bilhões, acima do dispendido com pesquisas relacionadas ao negócio em alguns casos.
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