Valor Econômico – 30/09/2021 –
O Congresso Nacional pretende concluir, ainda este ano, a tramitação da reforma tributária, seja para aprovar ou mesmo descartar as propostas em discussão. É o que asseguraram os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), em entrevista ao Valor. Os dois presidentes, que comandarão o Poder Legislativo até o fim de 2022, afirmaram, também, que não permitirão o rompimento do teto de gastos, um compromisso assumido desde fevereiro, quando foram eleitos.
Lira e Pacheco afirmaram que reforma tributária é o tema da agenda legislativa que causa mais divergências, seja entre as duas Casas do Congresso, seja entre o parlamento e o governo federal, bem como entre os vários setores da economia e também entre a União e os Estados e municípios. O setor privado tem feito várias críticas, sobretudo à proposta que envolve mudanças no Imposto de Renda e a taxação de dividendos, por temer aumento de carga tributária. Esses pontos foram propostos pelo governo para custear um programa de transferência de renda à beira das eleições de 2022.
O assunto relativo a tributos é delicado, em especial, no que diz respeito às propostas de unificação e simplificação contidas na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 110, que tramita no Senado.
A conversa de Lira e Pacheco com a diretora de Redação do Valor, Maria Fernanda Delmas, ocorreu na tarde da segunda-feira passada, e foi transmitida ontem durante a cerimônia virtual do prêmio “Valor 1000”. Os dois parlamentares disseram que chegou a hora de esgotar a discussão do assunto tributário.
“É óbvio que a reforma tributária guarda uma série de divergências. É sem dúvida a proposta com maior dificuldade de conciliação, de entendimento do que é bom para o país”, disse Pacheco. “As discussões estão sendo feitas, é o que vamos buscar evoluir, quero crer, ainda este ano, para se ter uma decisão, de sim ou de não, para que se possa virar a página, ou eventualmente reinaugurar um novo modelo que possa ser discutido”, informou o senador. “Mas, é preciso exaurir esse tema. Esta é a tarefa minha e do Arthur [Lira], de dar essa previsibilidade ao mercado, ao setor produtivo e aos contribuintes brasileiros.”
Um dos senadores mais próximos do governo do presidente Jair Bolsonaro, Roberto Rocha (PSDB-MA) é o encarregado de apresentar o relatório da PEC, o que deve ocorrer nas próximas semanas. “Não é fácil equilibrar uma legislação tributária tão complexa sem romper paradigmas, sem incomodar certas situações de conforto que persistiam ao longo de uma vida”, observou Lira.
O principal objetivo da PEC 110 é colocar na Constituição modelo tributário a partir de dois tributos: um imposto sobre valor agregado de caráter federal, a ser instituído a partir da unificação de tributos da União incidentes sobre o faturamento das empresas (PIS e Cofins), e um imposto sobre valor agregado subnacional, que resultaria da unificação do ICMS (cobrado pelos Estados) e do ISS (pelos municípios).
“Algumas premissas temos que ter: identificar se estamos aumentando ou não a carga tributária do contribuinte em geral. Pode às vezes aumentar para um determinado segmento, mas significar a desoneração para os contribuintes do Brasil. A segunda premissa é ver se é um projeto que simplifica, desburocratiza e torna mais previsível o sistema tributário. Respondidas essas perguntas, considero que há possibilidade de evolução”, assinalou o presidente do Senado. “Se o Estado não concorda em reduzir sua arrecadação, o contribuinte por outro lado também não concorda em pagar mais tributos.”
Os presidentes da Câmara e do Senado também garantiram que não darão aval a medidas que signifiquem o rompimento do teto de gastos, seja para o pagamento de precatórios ou para financiar um novo programa social. Para cumprir a promessa, Lira e Pacheco terão que atuar para rever decisões tomadas recentemente pelo Congresso.
Na segunda-feira à noite, após a gravação da entrevista, passou na Câmara e no Senado projeto que autoriza o uso de possíveis ganhos de arrecadação com a reforma do Imposto de Renda, ainda não aprovada, como fonte de recursos para o Auxílio Brasil, programa cuja criação foi proposta pelo governo Bolsonaro para aumentar as transferências feitas hoje a famílias beneficiárias do Bolsa Família.
“Nosso problema não é financeiro, mas orçamentário. Também pensando na criação do novo programa dentro do teto, balanceamos para que não tivéssemos que explicar como romperíamos o teto de gastos para pagar precatórios, mas não fazer a mesma coisa para um programa social”, disse Lira, na conversa.
“Simplesmente, isso seria o caos administrativo, com volta da inflação e sem nenhuma perspectiva de respeito a uma política austera. Isso, tanto eu como o presidente Rodrigo acertamos, seria um marco de nossas eleições. Que fique claro: o Congresso, em suas ações, nunca permitiu a possibilidade de rompimento do teto”, enfatizou.
Pacheco foi na mesma linha. “Compreendemos que, neste momento do país, não poderíamos nos permitir essa exceção ao teto.” O presidente do Senado disse, porém, que isso não impedirá a criação de um novo programa social que alcance os mais pobres, um “compromisso inadiável”.
“Quanto a qualquer especulação contrária disso, pode afastar: a única razão de ser para se abrir esse espaço fiscal é poder encaixar um programa social que seja efetivo, com um valor que seja condizente, para que as pessoas vulneráveis possam ser atendidas por esse programa social. Acredito muito nesse encaminhamento”, afirmou o senador mineiro.
Sobre a reforma administrativa, os presidentes da Câmara e do Senado demonstraram otimismo quanto ao avanço da proposta. “O texto já está pronto para vir a plenário. A PEC não mexe em direito adquirido nem tira estabilidade. Sempre dissemos que não precisaríamos mexer em nenhum direito de quem já é funcionário público. Perdemos uma oportunidade lá atrás, há 20 anos. Se tivéssemos feito, já estaríamos hoje com um Estado mais leve e previsível, um serviço público aferido e com mais qualidade. Vamos trabalhar duramente para não perder a oportunidade agora”, disse Lira.
O presidente da Câmara reconheceu que a proposta de reforma administrativa aprovada pela comissão especial “pode não ser a proposta ideal”. “Mas saiu de lá um texto médio negociado entre oposição e governo”. Privilégios do Poder Judiciário, assegurou Arthur Lira, serão decididos durante votação no plenário.
“Muito se discutiu sobre férias em dobro do Judiciário, aposentadoria compulsória de quem comete irregularidade na atividade funcional e avaliação de desempenho. Vamos levar essa discussão ao plenário, para que se possa construir uma saída alternativa”, revelou.
Rodrigo Pacheco lembrou que os senadores Antônio Anastasia (PSD-MG) e Kátia Abreu (PP-TO), integrantes da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa, vêm acompanhando as discussões do tema justamente para que a PEC ganhe velocidade quando chegar ao Senado.
“Há unanimidade de termos um Estado mais eficiente, menor, mais ágil, que atraia para seus quadros aqueles realmente vocacionados, que possa ter planos de carreira e remunerações dignas das funções que exerçam. Mas não podemos demonizar o funcionalismo como se fossem eles os responsáveis pelo atraso do Brasil. Foi o Sistema Único de Saúde [SUS] que aguentou as pontas da pandemia e buscou minimizar os efeitos dessa doença, especialmente entre os mais carentes. Não são eles [servidores] o problema do país. Teremos toda boa vontade em apreciar [a reforma administrativa]”, disse.
Perguntado sobre outros temas estratégicos que possam ser tratados nos próximos meses, Lira mencionou a necessidade de mudanças na legislação ambiental. “Vamos tratar de um assunto muito importante nos próximos meses, ainda dentro deste ano, com uma perspectiva muito clara, do maior ativo que o Brasil pode ter, que é a questão ambiental. Tratar do crédito de carbono de floresta em pé, ouvindo os diversos setores da sociedade, sistemas ambientais, os [setores] produtivos que se preocupam e precisam de um sistema mais claro”, assinalou.
“Precisamos avançar nessas pautas ainda em 2021, para que esta janela de oportunidade só acabe quando realmente terminar o ano. E que nós deixemos para discutir eleição, discutir voto, no ano de 2022.”
Já o presidente do Senado, apontado como possível postulante à Presidência da República nas próximas eleições, deu recado mais duro, pontuando a necessidade de uma agenda estruturante para o pós-pandemia e o fim de conflitos institucionais.
“Não podemos, no alto de 2021, terminando o enfrentamento a uma pandemia, ficar discutindo a preservação de democracia, se teremos eleições ou não. Temos que cuidar do nosso dever de casa, que é a aprovação dessas matérias. Obviamente, com todas as divergências que permeiam a relação entre as Casas, entre o Congresso e Executivo, o que é normal da democracia, mas precisamos entregar o mais rapidamente possível aquilo que convém à sociedade e ao setor produtivo”, defendeu Pacheco.