O Congresso aprovou o Orçamento de 2021, após mais de três meses de atraso. Na última hora, os parlamentares alteraram o projeto para cancelar despesas planejadas inicialmente pelo governo em áreas como Previdência e seguro-desemprego e turbinar o volume de emendas. Com isso, o Legislativo aumentou o volume de recursos que recebem a digital dos deputados e senadores e são destinados a redutos eleitorais, com pagamento obrigatório. O cenário pressiona o Executivo e vai provocar o rompimento do teto de gastos, que limita o crescimento de despesas, se não houver cortes ao longo do ano.
Com o Orçamento aprovado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu antecipar o 13º de aposentados e pensionistas do INSS e tirar da gaveta outras medidas “engatilhadas” para o combate ao recrudescimento da pandemia. Até a sanção do texto pelo presidente Jair Bolsonaro, o governo federal, como vem acontecendo desde o início do ano, só pode acessar 1/12 do orçamento anual previsto a cada mês.
Para destravar a votação, o Executivo se comprometeu com a esquerda em fazer reajustes posteriores, por meio de abertura de créditos extraordinários (fora do teto), para recompor cortes em áreas como saúde, educação e no Censo a ser realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Coube ao líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), costurar o acordo. “Façamos na próxima semana ou no primeiro momento, uma reunião para estudarmos a tempo, uma discussão breve sobre composição do orçamento das universidades, na área da saúde, assuntos que são primordiais”, disse Gomes no plenário do Congresso. “A gente quer fazer esse compromisso de público”, acrescentou.
O líder do PCdoB, deputado Renildo Calheiros (PE) propôs que os presidentes da Câmara e do Senado participem das negociações com o governo para que os recursos sejam repassados por meio de projetos de abertura de crédito orçamentário (PLNs). Apesar do acordo, os partidos orientaram contra a aprovação do Orçamento, mas deixaram de obstruir a votação, com exceção do PSOL e do Novo. Entre a esquerda, o PDT foi o único a favor da aprovação do texto.
Críticas ao reajuste de militares e à concentração de investimentos na Defesa
Um dos principais alvos de críticas foi o orçamento destinado ao Ministério da Defesa. Conforme o Estadão/Broadcast revelou, os investimentos previstos para os militares superam R$ 8 bilhões e representam um quinto (22%) do total para o governo federal neste ano. Só para aquisição de aeronaves de caça, são garantidos R$ 1,6 bilhão. Para construção de submarinos, R$ 1,3 bilhão.
No total, ações e serviços públicos de saúde terão um orçamento de R$ 125 bilhões, pouco acima do piso constitucional (R$ 123,8 bilhões). O montante está acima do orçamento do ano passado, que era de R$ 121 bilhões, mas abaixo dos valores efetivamente aplicados em saúde no ano passado, considerando os créditos extraordinários da pandemia, que totalizaram R$ 161 bilhões.
“Minha gente, nós estamos guerreando contra quem? Eu pergunto a vocês: submarino e aviões de caça vão combater o coronavírus? Então, não dá para entender que prioridades são essas. Como aumentamos o orçamento da defesa e diminuímos o orçamento da educação e diminuímos também o orçamento da saúde, que é vital para todos nós?” questionou o deputado Bira do Pindaré (PSB-MA).
“Esse Orçamento é de uma austeridade fiscal seletiva, de massacre para os pobres e benesses para a cúpula”, criticou a líder do PSOL na Câmara, Fernanda Melchionna (PSOL-RS).
Os militares também são a única categoria que deve ser contemplada este ano com reajuste, o que deve consumir outros R$ 7,1 bilhões dos cofres públicos, enquanto todo o restante do funcionalismo está com o salário congelado até dezembro. “O Congresso Nacional age como puxadinho do Palácio do Planalto e se submete de maneira humilhante, dando aumento para os militares enquanto congelamos, com razão, o salário do funcionalismo público. O congelamento tinha que ser para todos”, afirmou o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP).
“A única guerra que nós temos agora é contra os trágicos efeitos sanitários, econômicos e sociais decorrentes da pandemia e o Orçamento deve expressar isso! As próprias Forças Armadas deveriam se levantar contra isso. Após todos os brasileiros estarem protegidos do covid e o país voltar a alguma normalidade econômica, aí sim podemos falar em comprar submarino nuclear ou aviões caças. É só uma questão de prioridades!”, tuitou o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), vice-presidente da Câmara.
Embora com críticas, o orçamento foi mantido com a maior parcela em investimentos para o Ministério da Defesa e também o reajuste dos militares previsto para este ano. Na Câmara, o placar foi de 346 favoráveis e 110 contrários; no Senado, foram 60 votos a favor do texto e apenas 12 contrários. O texto segue agora para sanção do presidente.
Congresso usa de manobras para reduzir despesas e ampliar verba para emendas parlamentares
Com o cobertor curto, o Congresso fez uma série de manobras para construir a redação final e atender pressões por emendas parlamentares. O senador Márcio Bittar, cancelou R$ 26,46 bilhões em despesas do seu parecer. A tesourada maior foi feita nas despesas obrigatórias de Previdência Social, no valor de R$ 13,5 bilhões.
A medida é uma manobra contábil para cumprir o acordo de aumento das emendas negociado durante a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do auxílio emergencial há duas semanas, como antecipou o Estadão. Com a volta da “contabilidade criativa”, o Congresso consolidou uma articulação para assumir o controle de R$ 48,8 bilhões em recursos do Orçamento federal deste ano.
O volume de emendas parlamentares, indicadas por deputados e senadores para seus redutos eleitorais, é uma pressão contra o governo do presidente Jair Bolsonaro. O clima de “festa das emendas”, conforme classificado pelos próprios congressistas, vai, na prática, estourar o teto de gastos e exigir um bloqueio do Orçamento para garantir o seu cumprimento em 2021.
O volume adicional de emendas foi negociado com parlamentares do Centrão, historicamente mais ativos na elaboração do orçamento federal. O volume inicial de R$ 3 bilhões em emendas de relator, proposto no início da semana, havia frustrado os congressistas. “Eu quero agradecer a recomposição daquilo que nós já tínhamos, para não prejudicar o andamento das obras em Santa Catarina”, afirmou o senador Jorginho Mello (PL-SC), agradecendo pela inclusão de recursos para rodovias no Estado.
Com um volume de emendas parlamentares chegando a R$ 48,8 bilhões, o teto de gastos não poderá ser cumprido neste ano. A saída para o governo é estabelecer bloqueios orçamentários para cumprir a limitação fiscal. “Esse orçamento que será votado hoje está furando o teto”, discursou o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), criticando a manobra.
“O Congresso deu hoje um recado claro: a austeridade fiscal é seletiva. Quando o assunto é educação, pandemia e auxílio emergencial, falta dinheiro. Mas quando o assunto é ministério da Defesa ou a política do toma lá da cá, o dinheiro rola solto”, disse a deputada Tabata Amaral (PDT-SP), no Twitter.
A flexibilização na regra fiscal, no entanto, foi defendida publicamente ao longo do dia por outros parlamentares. “Precisamos enfrentar as dificuldades de crescimento do País que a Emenda Constitucional (do teto) está impondo não só na saúde, mas também na infraestrutura e logística”, afirmou a deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC).
O relator defendeu a prerrogativa do Congresso de cortar as despesas com benefícios previdenciários, alegando que o Ministério da Economia foi procurado, mas não apontou de onde tirar dinheiro para turbinar as emendas. Na equipe econômica, o argumento é que não havia espaço para flexibilização. “Eu fui procurado por senadores e deputados e não vi um pedido do qual eu me envergonhasse. Só deputados e senadores pedindo para não parar uma obra, uma obra de uma barragem, de uma água, de coisas que me honram muito”, disse Bittar.
O ESTADO DE S. PAULO