Engajado no grupo Unidos pela Vacina, liderado pela empresária Luiza Trajano, do Magazine Luiza, o presidente da gigante de papel e celulose Suzano, Walter Schalka, está trabalhando diretamente no contato com os laboratórios globais para entender a disponibilidade de vacinas para acelerar a imunização contra a covid-19 no Brasil. Em um momento em que empresas tentam se mobilizar para imunizar funcionários, furando a fila de grupos prioritários, ele se coloca diretamente contra esse tipo de estratégia unilateral: “Isso é um absurdo, é utilizar o poder econômico para privilegiar um grupo seleto de pessoas. É uma forma de aumentar diferenças.”
Embora esteja preocupado com a proliferação da doença no Brasil – hoje, o País já passa da média de 3 mil mortes diárias, despertando preocupação mundial –, Schalka afirma que há chance de a vacinação ganhar velocidade, especialmente a partir de meados de maio. Ele vê o ritmo de imunização, que hoje está abaixo de 1 milhão de doses por dia, podendo crescer e se manter acima de 1,5 milhão de vacinações diárias em um período de 30 a 45 dias. À medida que a imunização dos Estados Unidos atinja toda a população adulta, a esperança é que sobrem vacinas para outros países, incluindo o Brasil.
O executivo acredita que a imunização é a chave para a recuperação econômica do País. Por isso, propõe um esforço de toda a sociedade para trazer vacinas para o Sistema Único de Saúde (SUS), com respeito absoluto aos grupos prioritários. “O Brasil deveria fazer um esforço diplomático”, afirma. “É uma questão urgente do ponto de vista humanitário, sanitário e também biológico, pois o País, por causa do ritmo de proliferação, corre o risco de ser um multiplicador de cepas da covid-19.”
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Como o sr. vê a questão da vacinação? Por que ela evolui de forma lenta no Brasil?
Vejo um conjunto de problemas que começou com a falta de vacinas. Na realidade, todo o sistema brasileiro de vacinação contra a covid-19 foi baseado inicialmente apenas na Fiocruz, que fechou o contrato com a AstraZeneca para a vacina de Oxford. E depois disso ficou claro que isso seria insuficiente e se recorreu também ao Butantan, com a Coronavac. Quando mesmo assim ficou claro que iríamos ter problemas de IFA (insumo necessário para a produção de vacinas) e com o envasamento, procuraram-se outras alternativas. Fechou-se o contrato de 100 milhões de vacinas com a Pfizer e depois mais 38 milhões de doses com a Janssen, da Johnson & Johnson, sendo que a maioria vai chegar principalmente no último trimestre. E ainda tem as discussões relativas à Sputnik e à Covax Facility.
Mas ainda há falta de vacinas.
Sim. Fomos tomando ações para aumentar o número de vacinas compradas – agora, estamos tendo de nos agilizar para garantir a entrega dessas vacinas. A grande questão agora é a quantidade de doses, como é que a gente faz para acelerar a entrega das doses de Fiocruz, Butantan e, eventualmente, da Sputnik.
Qual é o papel do setor privado na agilização da vacinação?
O setor privado deve ajudar na aceleração da vacinação, mas auxiliando na redução dos gargalos para agilizar os processos do sistema de vacinação. O grupo Unidos pela Vacina trabalha em todos esses aspectos, incluindo a questão da comunicação. Uma das questões é gerar demanda pela vacina, fazer com que a população queira tomá-la, porque havia um processo de rejeição ao imunizante que foi diminuindo ao longo do tempo. É preciso ainda endereçar os problemas locais: isso porque a vacina sai do governo federal, vai para os Estados e é aplicada nos municípios. Estamos olhando mais de 5,3 mil municípios para resolver problemas das cidades. Isso porque falta geladeira, em outro caso um ar-condicionado, em outro o problema é a internet, o computador ou até a falta de sala adequada para aplicação da vacina.
E qual é a sua função dentro do Unidos pela Vacina?
Eu faço parte do grupo de empresários e executivos que fica em contato tanto com o governo federal quanto com os laboratórios para garantir esse processo de aceleração do ritmo de vacinação.
Conseguimos chegar a aplicar 1 milhão de doses em um só dia, mas geralmente estamos abaixo desse patamar. Qual é o ritmo ideal?
O ideal seria a gente aplicar 1,5 milhão de doses por dia – e eu acho que é para esse ritmo que temos de caminhar e que provavelmente vamos chegar a ele em maio. A limitação hoje é a escassez de vacinas, além de algumas questões locais, especialmente fora das capitais, que deixam esse ritmo de vacinação mais lento. Mas tanto a Coronavac quanto a AstraZeneca estão em produção contínua – então, não tem nenhum problema você aplicar a primeira dose sem guardar para a segunda dose.
Do que, em sua opinião, depende a recuperação da economia brasileira?
Eu não acho que o Brasil esteja atrasado na questão da vacina, está em um ritmo de vacinação adequado e até à frente de outros países de grande população. Mas o Brasil pode e deve aumentar seu ritmo porque tem condições para isso. Acho que, depois de meados ou do fim de maio, quando os Estados Unidos já tiverem boa parte de sua população vacinada, vamos começar a ter alguma disponibilidade de vacina no mundo. E o Brasil deveria fazer um esforço diplomático para conseguir trazer essas vacinas. É uma questão urgente do ponto de vista humanitário, sanitário e também biológico, pois o País, por causa do ritmo de proliferação, corre o risco de ser multiplicador de cepas da covid-19.
Qual é a sua opinião sobre a realização de lockdowns para conter o vírus?
O combate ao vírus se dá por uma combinação de estratégias. Temos de estimular o distanciamento social – quem pode ficar em casa deveria ficar. Tem uma parte da população sendo negligente, que não respeita o distanciamento e não usa a máscara na rua. E, mesmo com a vacina, essa questão do distanciamento social vai continuar a ser importante. E tem sempre o jeitinho brasileiro, que prejudica a todos. Tem sempre alguém querendo furar a fila.
Como o sr. avalia o combate à pandemia pelo governo?
Deveríamos organizar a fila de forma única, com todos os secretários de Saúde dos Estados e dos municípios. Obviamente, seria bom ter uma orientação única do governo federal. Isso seria o melhor para toda a sociedade. Mas, neste momento, não temos de buscar culpados ou apontar o dedo, temos de achar a solução para o Brasil, para a gente ter a mitigação da crise e deixar de ser o epicentro global da covid-19. É preciso despolitizar essa situação.
Qual é sua opinião sobre a compra de vacinas por empresas, para imunizar funcionários?
Sou totalmente contra, diretamente contra. Isso é um absurdo, é utilizar o poder econômico para privilegiar um grupo seleto de pessoas. É uma forma de aumentar diferenças. Enquanto não tem vacina para covid-19 no mundo, não tem lógica você pegar o imunizante e aplicar em um grupo que não é prioritário para a sociedade. Temos de aplicar nos grupos prioritários. Como é que eu vou vacinar uma pessoa que tem 25 anos e nenhum problema de saúde e deixar alguém de 65 anos sem vacina? Não faz sentido algum.
Existem vacinas disponíveis para venda a empresas?
Eu já falei com todos os laboratórios, e não existe. Nos outros lugares do mundo, isso não é sequer um tema de discussão.
Mas haverá vacinas para todos, via sistema público?
Eu tenho falado com todos os laboratórios e estamos buscando vacinas. E todos estão aumentando sua capacidade de produção. O mundo está vacinando entre 35 e 40 milhões de pessoas por dia. Em menos de 12 meses, creio que a totalidade da população global será vacinada. A questão será resolvida, mas precisamos ter resiliência neste momento.
O sr. ainda vê sentido na discussão que fala em priorizar o crescimento da economia, em vez do combate à pandemia?
Se no começo ainda existia essa discussão de saúde versus economia, agora ela não faz sentido. É a vacina que vai fazer a economia andar, que vai acelerar a recuperação. A vacinação é algo positivo para todo mundo, está muito claro que as duas coisas têm de andar em paralelo. Esse falso dilema não agrega nada. A vacinação vai acelerar a recuperação econômica, como já está acontecendo em lugares onde o número de óbitos já começou a cair, como Israel, Reino Unido e EUA. O Brasil está atrás nessa curva, mas vai chegar lá.
O ESTADO DE S. PAULO