Enquanto os principais bancos privados do País resistem a embarcar de vez no microcrédito, fintechs se mexem para entrar com força na modalidade em 2021 e competir com um dos gigantes do setor público, a Caixa Econômica Federal, que prepara para este ano um ambicioso programa de pequenos empréstimos. É um esforço da instituição para compensar em parte o fim do auxílio emergencial, encerrado em dezembro, e que lhe deu uma preciosa capilaridade nesse público.
O benefício, que pagou R$ 292,9 bilhões ao longo de nove meses, permitiu que 67,9 milhões de brasileiros contassem com alguma renda ou um recurso adicional durante a crise, em especial aqueles que perderam o emprego e os autônomos que foram impedidos de trabalhar por causa do isolamento social. Agora, não há mais auxílio, mas a crise continua, com o desemprego chegando a 14,3%.
Responsável pela distribuição do auxílio por meio do aplicativo Caixa Tem, criado durante a pandemia, a Caixa acredita que parte desse público tem potencial para tomar pequenos empréstimos, seja para começar a empreender ou para reerguer negócios prejudicados pela pandemia. O perfil dos brasileiros que receberam o benefício, contudo, é guardado a sete chaves. O banco não revela quantos poderiam receber esses empréstimos sem dar calote. Limita-se a dizer, por enquanto, que o programa tem potencial mínimo para chegar a 10 milhões de pessoas, com R$ 10 bilhões guardados inicialmente para tal.
O segredo é estratégico: a Caixa não é a única que quer apostar no microcrédito. A modalidade também é trabalhada com carinho por fintechs, como a SuperSim, especializada no segmento e que mira ex-beneficiários do auxílio. “O auxílio emergencial expôs quanto valores relativamente baixos podem ser relevantes na vida de uma pessoa que faz parte das classes C e D”, afirma Antônio Brito, CEO da fintech, que empresta, em média, R$ 597 a cada cliente, valor bem próximo aos R$ 600 mensais pagos pelo governo nos primeiros cinco meses.
Uma vantagem da SuperSim é que, antes da crise, sua atuação já era focada em situações emergenciais, e não em microcrédito produtivo. “Mesmo antes da pandemia enxergávamos o microcrédito como um instrumento de reinserção do cliente no sistema formal de crédito. Trata-se de um cliente que não tem um risco compatível a produtos de crédito mais sofisticados”, diz o executivo, que ressalta que 20% a 25% de seus clientes receberam o auxílio, de uma base que tem de 40% a 45% de profissionais autônomos.
Em 2020, o microcrédito teve desempenho tímido. De janeiro a novembro, foram R$ 12 bilhões em concessões, alta de 2% em relação a igual intervalo do ano anterior, segundo o Banco Central (BC). É uma participação pequena, de apenas 0,3%, nas concessões totais feitas no período. A falta de protagonismo não se deve apenas ao fato de a modalidade envolver valores mais baixos, mas também porque os bancos não veem atratividade na operação, pelo alto custo envolvido para chegar ao cliente, em geral excluído do sistema, e também para dar sequência à concessão.
De olho nesse vácuo, a Conta Zap, fintech que surgiu como uma conta digital no WhatsApp, se prepara para lançar em 2021 um marketplace de microcrédito, onde as instituições financeiras poderão oferecer seus produtos e deixar com ela o trabalho de distribuir, arrecadar e cobrar os recursos. Diferentemente da SuperSim, a fintech vai se concentrar no microcrédito produtivo, voltado para microempreendedores.
“O desbancarizado que procura um microcrédito produtivo, em geral, não tem histórico como tomador, não tem nem nome limpo. O banco tradicional não quer ter esse cara como cliente, porque o custo de aquisição do cliente e o de operação do crédito são altos”, afirma o fundador e CEO da Conta Zap, Roberto Marinho Filho.
Para ele, só o Banco do Nordeste tem conseguido fazer operações de microcrédito de forma eficiente, porque conta com agentes que visitam os clientes e conhecem a realidade deles, criando um relacionamento capaz de oferecer uma oferta compatível e que resulta em baixas taxas de inadimplência. “Os grandes bancos não fazem parte do dia a dia dessas pessoas (que podem pedir um microcrédito), então há um desinteresse geral”, disse.
Vantagem na largada
A Caixa, reconhece Marinho, está bem posicionada para atuar nesse mercado, em razão do trabalho feito por meio do Caixa Tem no pagamento do auxílio. Contudo, o executivo destaca que não haverá uma substituição completa dos pagamentos pelo programa de microfinanças pensado pelo banco público. “Um público que está apto para receber uma doação não necessariamente está apto para tomar um empréstimo”, afirma.
O programa da Caixa deve ser lançado no fim de março e será mais um passo para turbinar o Caixa Tem, dentro de um esforço para torna-lo uma ferramenta de uso recorrente dos clientes. A ideia é que o aplicativo vire um banco digital, com licença aprovada pelo Banco Central, e depois abra capital. Hoje, o aplicativo conta com 105 milhões de usuários, o equivalente a metade da população brasileira. “Ninguém tem uma capilaridade como a nossa”, disse ao Estadão/Broadcast o presidente do banco, Pedro Guimarães.
Entre as fintechs, ainda há dúvida sobre quantos dos ex-beneficiários do auxílio podem virar tomadores. Contudo, sabe-se que o aplicativo da Caixa, que trouxe milhões de pessoas para o sistema financeiro, tornou mais fácil o trabalho de analisar e atrair clientes. “Nos últimos três meses, quase dobramos o volume mensal de propostas para empréstimos, que chegou a 140 mil por mês”, afirma Antônio Brito, da SuperSim. Ele não soube dizer com precisão se o aumento da demanda é reflexo da diminuição do valor do auxílio, que caiu a R$ 300 nos últimos quatro meses do ano passado.
Para ele, o número de potenciais clientes certamente estará na casa das dezenas de milhões de pessoas. “O programa da Caixa gera alarmes, é uma demonstração de que é viável, de que há interesse pelo produto por parte do cliente”, diz o executivo, que acredita que as fintechs têm espaço para entrar nesse mercado, mesmo com o diferencial competitivo do banco público.
O ESTADO DE S. PAULO