Ex-secretário da Receita Federal, Marcos Cintra avalia que a mudança de ventos na tributação das empresas, puxada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, num cenário pós-pandemia, pode facilitar a vida do governo na elaboração do projeto que vai alterar a legislação do Imposto de Renda no Brasil. Isso porque o presidente americano subiu a tributação das empresas, o que permitiria ao governo brasilerio fazer apenas “um sinal” às companhias neste momento.
Leia os principais trechos da entrevista:
O debate sobre as mudanças do IR vai avançar?
Avançou no sentido de ter sido colocado para conhecimento o que sempre esteve no projeto do governo. O ministro Paulo Guedes vem falando que ele vai tributar dividendos, acabar com os Juros sobre Capital Próprio (uma das principais usadas pelas empresas para remunerar seus investidores), fazer um esforço para reduzir a alíquota no IRPJ, corrigir as distorções que existem e são sérias no IRPF, e atender o presidente reduzindo a faixa de isenção.
Vai ter de fazer uma a calibragem para não perder arrecadação?
Na realidade, as faixas de renda do IRPF, até chegar a 27,5%, são tão próximas umas das outras que praticamente não tem espaço para calibrar a alíquota e manter a arrecadação razoavelmente constante. Se aumenta o limite de isenção, o impacto é gigantesco. Por outro lado, se aumenta a alíquota maior, o impacto é mínimo porque tem pouca gente na faixa de renda elevada. Não podemos esquecer que o IRPF tributa o salário. É muito difícil mexer porque a renda é concentrada.
Então tem pouca margem de manobra no IRPF?
Mexer no IPRF é pepino porque não tem uma distribuição e nem flexibilidade para fazer ajustes significativos. É muito difícil. Primeiro, por razões de puro populismo eleitoral, já que mexe direto quando fala em tributar educação e acabar com dedução. Por outro lado, existe uma reclamação muito grande para aumentar o limite que está congelado há muito tempo e causa perda de arrecadação muito grande.
Como vai compensar a perda de arrecadação?
Pode compensar com as deduções, já que há espaço para isso. Tem dedução para um monte de coisa, inclusive deduções para plano de saúde. A ideia é colocar um teto das deduções. Estabelecer um teto de quanto pode deduzir com gasto de saúde até o plano de saúde mais caro que existir. Pode compensar parte da perda de arrecadação da pessoa física na pessoa jurídica.
De que forma?
O IRPJ tem uma alíquota efetiva de 34%: alíquota de 15%, mais uma adicional de 10%, além de 9% da Contribuição sobre Lucro Líquido (CSLL), que incide sobre a mesma base. O que o governo está pensando em fazer é reduzir a alíquota do IRPF de 15% para 12%. Para compensar, começa a tributar lucros e dividendos e acaba com a dedução dos juros sobre capital próprio. Outra coisa (que pode garantir receita) é a tributação de fundos imobiliários, certificados de recebíveis, que não pagam IR. Isso é fácil de fazer, mas a elite vai reclamar. O que se estava imaginando é fazer uma medida daqui para frente, preservando os direitos dos fundos que já existem e mudando para os novos.
O cenário internacional é diferente hoje do que há dois anos, quando o governo começou a estudar essas medidas.
O governo tem um pouco de sorte. Há dois anos era uma tendência universal baixar o IR das empresas. Esse discurso está acabando. Agora, está o inverso. Isso é muito bom. O governo tinha uma dificuldade, e eu vivi isso, de reduzir o IRPJ e,ao mesmo tempo, diminuir o IRPF. Agora, dá para manter a alíquota do IPRJ ou abaixar muito pouquinho.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou o aumento da tributação das empresas americanas.
É mais fácil agora para o governo fazer uma redução muito pequenininha. Ele pega a alíquota de 15% e joga para 12%. Deixa o adicional de 10% e mantém a CSLL e começa a ficar mais perto do que o mundo todo está fazendo. Antes, a ideia era baixar de 34% para 25%. O novo discurso do IR mundial, que é do Biden, e o mundo inteiro está acatando isso, é a economia pós-pandêmica. Facilita o trabalho do governo. Ele pode aumentar os CRIs, CRAs (certificados de recebíveis imobiliários e agrícolas).
O que achou do fatiamento da reforma tributária?
Foi o ato mais politicamente hábil feito pelo governo com o presidente Arthur Lira (da Câmara) que vai possibilitar que a gente dê algum passo. O jeito que estava indo não teríamos nem uma reforma ampla e nem uma melhoria pontual no sistema. Estávamos num impasse. Trabalhar com PEC é loucura. O governo percebeu que não tem voto para aprovar a PEC. A base do governo sabe disso.
O ESTADO DE S. PAULO