O Brasil poderá obter € 900 milhões (R$ 5,53 bilhões) de arrecadação adicional por ano se impuser às multinacionais brasileiras a taxa global mínima de 15% por um futuro acordo tributário que poderá receber sinal verde do G-20 em julho em Veneza (Itália). A estimativa é do Observatório Europeu de Tributação, sediado em Paris e com financiamento da União Europeia.
A taxa global mínima será aplicada sobre os lucros das empresas no estrangeiro. Os governos continuarão podendo aplicar a taxação nacional sobre as empresas pelo percentual que quiserem. O que ocorrerá é que, se uma multinacional continuar desviando parte de seus lucros para paraísos fiscais com taxação pouca ou zero, o seu país de origem poderá cobrar a diferença até alcançar os 15% mínimos.
Mona Barake, uma das autoras do estudo do Observatório Europeu de Tributação, diz que levou em conta dados publicados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Segundo a entidade, foi 85 o número de multinacionais brasileiras que apresentaram relatório de taxação de operações no exterior às autoridades fiscais brasileiras em 2016. Suas diferentes subsidiárias dividiram onde registrar lucros: 34 escolheram Cayman; 18, as Ilhas Virgens Britânicas; 23, em Luxemburgo; 18, a Holanda; e 8, as Bahamas, onde a taxação é insignificante. E também em mercados com taxas mais normais, como Argentina, Chile, Colômbia e EUA.
A Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) mostra que em 2018 duas empresas brasileiras integravam a lista das cem maiores múltis de emergentes: Vale, na 21ª posição, e JBS, na 59ª. De US$ 88 bilhões de ativos da Vale, US$ 33,2 bilhões estavam no exterior. E de US$ 36,7 bilhões de vendas, US$ 33,5 bilhões foram no estrangeiro. Por sua vez, 67,7% das operações da JBS eram transnacionais. De 230 mil empregados, 180 mil estavam no exterior. Conforme a OCDE, o estoque de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) do Brasil em outros países, portanto, alcançou US$ 277,4 bilhões em 2020. Por sua vez, o estoque de IED no Brasil era de US$ 608 bilhões. Nesse cenário, o futuro acordo tributário global tanto dará espaço para a Receita Federal cobrar a diferença entre o imposto que uma subsidiária brasileira no exterior paga num paraíso fiscal (por exemplo, 2%) e a taxa mínima global de 15%, como poderá resultar em redução na otimização fiscal pelas múltis.
Multinacionais instaladas no Brasil transferem lucros de bilhões de dólares por ano para paraísos fiscais e com isso a perda tributária para o Brasil também é significativa. As cifras variam, conforme estudos publicados. O acordo já passou no G-7, das maiores economias industrializadas, e a tributação em torno de “pelo menos 15%” de taxa mínima global foi recebido como positivo por boa parte de especialistas, mas também como insuficiente. E é apenas parte da história. Ainda haverá muita negociação no G-20 e depois envolvendo todos os 139 países participantes. “O G-7 decidiu finalmente fazer avançar o sistema fiscal internacional para o século XXI, mas apenas o suficiente para se beneficiar desavergonhadamente a si próprio, deixando o resto do mundo para trás”, afirma Alex Cobham, diretor-executivo da ONG Tax Justice Network, focada em questões tributárias.
“Os ministros das finanças do G-7 propõem seguir as propostas da OCDE que assegurariam que o próprio G-7 ficasse com a parte do leão de quaisquer novas receitas fiscais, que, de qualquer modo, serão limitadas pela sua falta de ambição”, acrescenta. “Se o G-7 avançar com uma taxa mínima de 15% sob a abordagem profundamente desigual da OCDE, deixarão apenas pouco mais de US$ 100 bilhões para outros países, ao mesmo tempo que ficarão com US$ 170 bilhões para si próprios.”
A implementação da taxação global mínima da OCDE “é extremamente injusta, uma vez que dá a primeira oportunidade de recolher lucros para o país sede”, diz Cobham. ‘É por isso que o G-7 obteria mais de 60% das receitas adicionais, porque são sede para a maioria das grandes multinacionais. A nossa proposta, a METR, compartilha essa arrecadação igualmente entre países, de acordo com o local onde a multinacional tem a sua atividade real de vendas e emprego, e é isso que países como o Brasil deveriam exigir no G20, como mínimo.”
Uma fonte que acompanha as negociações confirma que se a França, por exemplo, aplicar a taxa mínima de 15%, e as multinacionais francesas pagam zero sobre o que ganham no Brasil, porque transferem tudo para as Bermudas, “então sim, a França pode arrecadar os 15%”. Mas, insiste a fonte, “o Brasil pode igualmente aplicar 15% nas multinacionais brasileiras que ganham dinheiro em México, Argentina ou Europa e movimentar os dólares para paraísos fiscais na busca de imposto zero”. Para Cobham, países no G-20 podem sentir-se totalmente marginalizados, “mas podem retomar o poder, desafiando abertamente esta situação, pressionando por uma taxa mais elevada e insistindo numa distribuição equilibrada do imposto recuperado”.
Outra parte do acordo vai definir taxação sobre as cem maiores múltis com outra repartição da arrecadação. Como sabem que vão ter de pagar imposto mínimo em qualquer caso, por isso provavelmente deixarão mais lucros em países de mercado como o Brasil, porque será mais barato fazê-lo do que gastar tempo com otimização que pode não funcionar. Assim, o Brasil terá uma base tributária mais elevada de multinacionais.
VALOR ECONÔMICO