Auxílio emergencial: 1,7 mil pessoas que tiveram benefício negado em 2020 ainda esperam análise

O auxílio emergencial, destinado a trabalhadores informais, autônomos e mães chefes de família que viram a renda familiar desaparecer por conta da pandemia de coronavírus, parece não ser tão “de emergência” assim.

Dados da Rede Brasileira de Renda Básica, obtidos com exclusividade pelo GLOBO, mostram que pelo menos 1.698 pessoas ainda aguardam a liberação do benefício do ano passado em todo país, o que pode tornar estas pessoas inelegíveis este ano.

— Essas pessoas foram as que procuraram a rede para tentar solucionar o problema. E as que não tiveram como pedir ajuda, seja por falta de acesso à internet, de celular, de conhecimento? Esse número pode ser muito maior — avalia a assistente social Paola Carvalho, diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica, organização que defende a manutenção do auxílio até o fim da pandemia.

Ela continua:

— Temos casos de pessoas que tiveram a extensão do benefício concedido judicialmente, após negativa do Ministério da Cidadania, e por meio de conciliação proposta pelo próprio governo, e tiveram o benefício negado este ano pelos mesmos motivos alegados no programa anterior, que foi derrubado pela Justiça.

Um desses casos é o da professora de educação física Maria Gabriela Arraes Damasceno, de 36 anos, moradora de Cabo Frio, no Rio de Janeiro. Gabriela é mãe solo de Emanuel, de 2 anos e 3 meses.

— Tive o auxílio negado no ano passado, entrei com recurso, contestei, e nada. A alegação era a de que tenho trabalho formal, mas isso não é verdade. Desde que voltei da licença maternidade, em julho de 2019, estou sem emprego — explica a professora.

Ela diz que viu na via judicial o único meio para receber a renda básica do ano passado:

— Uma amiga advogada ao ver a minha situação entrou na Justiça para que meu direito fosse reconhecido. E mesmo assim, só fui receber as parcelas em março deste ano — diz a mãe do pequeno Emanuel, que conta com a ajuda da avó, D. Cirene, de 87 anos.

Este ano a solicitação do auxílio emergencial por Gabriela foi negada novamente. Segundo os prints de celular do aplicativo da Caixa, por ela não atender aos critérios do programa, como não ter emprego formal, não ter renda familiar mensal superior a meio salário mínimo por pessoa e não ter renda familiar mensal superior a três salários mínimos no total.

— Não tenho emprego e moro sozinha com meu filho em uma casa emprestada. Que emprego é esse que alegam? Que renda familiar é essa? É muita humilhação — lamenta.

Assim como Gabriela e Tânia, outras pessoas também não conseguiram receber o dinheiro. Uma listagem com 900 nomes e CPFs de quem teve um não como resposta ao auxílio emergencial foi enviada ao Ministério da Cidadania, gestor do programa emergencial, e para a Defensoria Pública da União (DPU).

— A DPU tem agido em prol desses trabalhadores, mas ainda existem muitas localidades no interior que não têm um posto da defensoria e isso dificulta o acesso da população mais carente à proteção jurídica e social — finaliza Paola.

Como pedir ajuda
Para saber mais sobre a Rede Brasileira de Renda Básica e solicitar ajuda, basta acessar os perfis da organização nas redes sociais. No Facebook a página é www.facebook.com/sou.paola. No Instagram: instagram.com/renda_basica.

A rede é formada por professores, pesquisadores, ativistas sociais, voluntários, entusiastas e cidadãos que, segundo a descrição da página rendabasica.com.br, “conseguem perceber que a Renda Básica é atualmente a maneira mais viável de alcançar a justiça social através da distribuição de renda menos desigual”.

Número de beneficiados caiu para 40 milhões
Procurado, o Ministério da Cidadania disse não ter conhecimento da fila de espera com pelo menos 1.698 pessoas e afirmou que não é uma regra negar o benefício deste ano a quem conseguiu receber as parcelas por via judicial.

“Cabe destacar que é compromisso desta gestão atender ao maior número de cidadãos, assegurando uma renda mínima para essa parcela da população, ao mesmo tempo em que, com responsabilidade fiscal, respeita-se o limite orçamentário estabelecido pela Emenda Constitucional nº 109/2021, no valor de R$ 44 bilhões”, informa em nota.

“A estimativa do governo federal é contemplar cerca de 40 milhões de famílias, que já estavam recebendo, em dezembro do ano passado, o auxílio emergencial, criado pela Lei nº 13.982/2020, e a extensão do benefício, instituída pela Medida Provisória nº 1.000/2020, e que se enquadram nos critérios definidos pela MP n.º 1.039/2021”, acrescenta.

O valor destinado aos pagamentos e o número de pessoas contempladas caiu drasticamente este ano. No ano passado foram destinados R$ 293 bilhões para pagar a renda básica a 68 milhões de pessoas em todo país.

É importante destacar que 7,3 milhões de pessoas que não atendiam os requisitos legais do programa receberam a grana, e que 6,4 milhões de mães solteiras receberam uma parcela a mais do benefício, segundo levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) com base nos dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, do IBGE.

Somente com esses pagamentos indevidos R$ 54 milhões caíram em mãos erradas. Esse montante pagaria uma parcela de R$ 300 a 60 milhões de pessoas por três meses.

— Para se ter uma ideia do corte no programa deste ano, 19 milhões de pessoas cadastradas no programa Bolsa Família receberam o auxílio em 2020, inclusive duas pessoas da mesma família. Este ano com a regra de uma pessoa por família ter direito ao benefício, 10 milhões ficaram fora do programa — pontua Paola Carvalho, diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica.

Paola cita o caso de uma mãe solo de uma menina de 10 meses de Cabrobó (PE):

— Jayna recebe Bolsa Família, mas teve o auxílio negado apesar de cumprir todos os requisitos. O governo entende que ela já recebe valor mais vantajoso que o auxilio via Bolsa Família. Mas isso não procede! No programa assistencial do governo ela recebe R$ 180 por mês e se recebesse o auxílio, seriam R$ 375. Ela está com muitas dificuldades.

O GLOBO

Compartilhe