Atividade melhor que esperada sustenta resultados no trimestre

Números no geral não decepcionaram, mas desaceleração e juros preocupam

Por Felipe Laurence e Victoria Netto — De São Paulo

As companhias de capital aberto pegaram carona na atividade econômica melhor que a esperada no terceiro trimestre e entregaram resultados, no geral, considerados bons por analistas de investimentos. No entanto, a persistência da inflação e incertezas sobre os juros aumenta os riscos de desaceleração para os próximos meses.

De acordo com levantamento elaborado pelo Valor Data com 408 empresas não financeiras de capital aberto (sem Petrobras e Vale), o lucro líquido cai 31% na comparação anual e cresce 15% em relação ao segundo trimestre. As receitas de venda avançaram 15% em um ano, somando cerca de R$ 931,2 bilhões no trimestre, e 5% sobre junho.

Os custos de produção, apesar de menores quando comparados com o segundo trimestre – com o reflexo da invasão da Ucrânia pela Rússia -, ainda estão em patamares elevados. O aumento de 21% (ver tabela acima) foi maior que o avanço da receita e levou parte dos lucros.

“No geral, nossa percepção dos resultados foi positiva, melhor que o esperado”, diz Emy Shayo Cherman, estrategista de ações para Brasil e América Latina do J.P. Morgan. Segundo ela, o mercado vinha com expectativas baixas, mas um Produto Interno Bruto (PIB) que deve mostrar crescimento no terceiro trimestre, ante estimativa inicial de contração, ajudou os números a superarem projeções.

Os principais destaques positivos da temporada foram os setores de óleo e gás e papel e celulose. “A Petrobras trouxe receita acima do consenso, mesmo com o Brent abaixo do registrado no trimestre anterior”, diz o gerente da equipe de analistas de mercado do BB Investimentos, Victor Penna. Para ele, o setor deve continuar forte no quarto trimestre, já que a demanda e a oferta seguem apertadas, o que seria suficiente para segurar preços altos do petróleo.

Há expectativa com a polêmica em torno do pagamento de dividendos da estatal, com as tentativas do governo eleito de barrar o pagamento na Justiça. Na teleconferência de resultados, o diretor financeiro e de relação com investidores, Rodrigo Araújo Alves, destacou que o caixa da empresa está perto do ponto ótimo de US$ 8 bilhões e que a dívida está “estável, controlada” em torno de US$ 65 bilhões.

A maioria dos setores apresentou resultados díspares durante o terceiro trimestre, diz Jennie Li, estrategista da XP. “Não vimos nenhum em que todas as empresas tiveram resultado positivo ou negativo, dependeu muito das circunstâncias em que elas estavam inseridas.”

As construtoras tiveram números acima do esperado pelo mercado, enquanto a maior desvalorização no minério de ferro e do aço, puxados pela China, pressionou os números de Vale e das siderúrgicas.

Shayo, do J.P. Morgan, nota que a melhor atividade da economia brasileira se traduziu principalmente em serviços, com o consumo decepcionando, evidenciado pelos números de empresas do varejo. “As expectativas estavam irreais e houve uma superestimação por parte do mercado”, diz. Ela destaca que o consumo discricionário, principalmente, foi afetado pela corrosão da renda da população.

Os juros em patamares mais altos, ainda com efeito praticamente nulo no cômputo geral da amostra, fizeram um estrago considerável nos balanços das empresas de consumo, como atestam os comentários dos executivos e os números alarmantes na linha do resultado financeiro – a alta nos juros aumenta os custos das dívidas, que estão maiores porque as empresas se capitalizaram nos últimos anos.

Mas não é só. O efeito deletério dos juros aparece também nas vendas. A inadimplência elevada prejudicou o resultado de varejistas como Americanas, Magazine Luiza e Via. O diretor financeiro e de relações com investidores do Magazine Luiza, Roberto Bellissimo, afirmou em teleconferência que a redução de concessão de novos cartões é uma das ferramentas para enfrentar a alta da inadimplência.

O resultado financeiro da Americanas, que ficou negativo em R$ 612,3 milhões, mais que dobrou em relação ao resultado negativo do terceiro trimestre de 2021. A companhia atribui os números à alta de juros no período, o que levou ao prejuízo líquido de R$ 211,5 milhões, e à queda de 19,6% nas vendas de eletrônicos, por serem produtos de maior tíquete médio e que dependem de crédito.

No caso do Grupo Pão de Açúcar, muitas lojas conseguiram repassar parcialmente a inflação, mas em regiões onde a competição é mais acirrada, principalmente com a bandeira do mercado Extra nas periferias de São Paulo e do Rio de Janeiro, o repasse é mais difícil, afirmou o diretor-presidente Marcelo Pimentel, na teleconferência de resultados. Os investimentos relacionados à qualidade de frutas e legumes tiveram impacto inicial, mas o grupo não conseguiu repassar a inflação direta nesses produtos.

“Se as incertezas fiscais e políticas continuarem, o Banco Central pode ter que voltar a aumentar juros, o que vai pressionar ainda mais o resultado financeiro das empresas”, diz Li. Ela nota que as grandes empresas de capital aberto ainda têm maneiras de proteger as margens, sendo mais resilientes, o que reduz riscos de liquidez.

“Esse aumento [de despesas financeiras] é problemático para a empresa quando ela não é capitalizada e tem queima de caixa”, afirma Victor Natal, estrategista do Itaú BBA para pessoas físicas. Ele diz que é natural as despesas financeiras das companhias aumentarem e que estão acostumadas com isso em meio ao histórico do Brasil de juros altos. “Acredito que já tenhamos passado pelo pior em relação a isso”, afirma Natal.

Para o quarto trimestre, os bancos acreditam que a tendência de desaceleração deva ficar mais em evidência, mesmo com o período sendo o melhor para empresas de consumo, que habitualmente ganham impulso nas promoções da Black Friday e nas festas de fim de ano. “As vendas devem aumentar na comparação com o terceiro trimestre, mas na anual ainda serão fracas”, diz Natal, do Itaú BBA.

Na opinião de Penna, do BB Investimentos, o fato de ser um quarto trimestre atípico, com a Copa do Mundo, deve impulsionar os números de consumo, principalmente de bebidas. “A Ambev pode ser beneficiada no segmento ‘fora de casa’, com aumento de consumo em bares e restaurantes”, comenta. O poder de compra dos consumidores é um ponto para se ficar atento.”

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/11/23/atividade-melhor-que-esperada-sustenta-resultados-no-trimestre.ghtml

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