Ainda é cedo para dizer que governo Bolsonaro vai agonizar até morrer em 2022 (Luis Eduardo Assis)

Há quem se console ao pensar que o governo Bolsonaro agonizará até morrer, em 2022, da mesma forma que Tolstoi descreveu a morte de Ivan Ilitch: uma morte paulatina, progressiva, precisamente cruel, tão inevitável quanto necessária (“ora brilha uma gota de esperança, ora tumultua um mar de desespero”). Mas talvez não seja assim. Um ano na política brasileira, já se disse, equivale a uma era geológica. É fato que a gota de esperança veio com a divulgação do PIB do primeiro trimestre, que não foi muita coisa, mas o suficiente para embebedar o mercado financeiro, sempre pronto a manifestar seu humor hiperbólico. Como sempre, o IBGE deu destaque à variação dessazonalizada, ou seja, à variação ajustada através de modelos estatísticos que buscam livrar o número das variações típicas da época do ano. Esses modelos representam apenas uma aproximação do que seria uma situação normal. Também como é usual, ninguém prestou atenção a essa qualificação e as manchetes apenas registraram o crescimento de 1,2%. Sem o ajuste sazonal, porém, o IBGE informa que o PIB do primeiro trimestre caiu 1% em relação ao trimestre anterior e subiu também 1% em relação ao mesmo período do ano passado. É bom, mas não vale uma ressaca.

Esse crescimento, todavia, é um tanto sinistro. A recuperação econômica se dá no contexto de alta no desemprego. O nível de atividade medido pelo Banco Central de março último estava quase no mesmo nível da média de 2014, mas a taxa de desemprego agora é de 14,7%, ante apenas 6,8% naquela época. Entre o final de 2014 e março de 2021 a população brasileira cresceu 5,1%, mas o total de desocupados aumentou 131%.

Crescimento sem emprego é oco e agrada, no máximo, a alguns economistas. Por outro lado, a pressão inflacionária provocada pelo aumento do preço das commodities simultaneamente à desvalorização cambial ainda não atingiu em cheio a inflação do consumidor. É incomum que câmbio e commodities andem na mesma direção. A variação entre períodos móveis de 12 meses desde janeiro de 2000 mostra uma correlação negativa de 0,45 entre estes dois preços. No ano passado, por conta da aversão ao risco que acompanhou a pandemia, os dois andaram juntos, o que acarretou um aumento de 72% no preço das commodities em reais. Houve arrefecimento desde então, mas a pressão para repassar os custos para o consumidor está lá, represada, latente. No IGP-DI, a variação de 12 meses do índice de preços ao produtor estava em 46% em abril, ante apenas 6,5% nos preços ao consumidor. Desde o Plano Real – lá se vão 27 anos – essa diferença não era tão grande. Os preços no atacado não influenciam ainda mais a inflação do consumidor porque temos hoje 14,8 milhões de pessoas desocupadas, recorde histórico. É essa pletora de braços ociosos que faz com a inflação de serviços se contente com 1,45% nos 12 meses até abril, o que puxa para baixo o IPCA.

Aqui mora o pesadelo do governo Bolsonaro. O crescimento que temos é incapaz de gerar empregos porque o setor de serviços, o que mais emprega, recua ao ritmo de 4,5% ao ano. Com o avanço da vacinação, malgrado o desmazelo do governo federal, é bem provável que esse setor avance e o desemprego recue. Considerando as pressões inflacionárias reprimidas, isso poderá fazer com que os preços ao consumidor aumentem ainda mais, instando o Banco Central a elevar os juros. Do ponto de vista eleitoral, é cedo para avaliar qual será o impacto líquido de uma combinação entre mais inflação e menos desemprego. Muita coisa ainda vai acontecer na economia nesses milhares de anos que nos afastam da escolha do novo presidente. Mesmo sem saúde, a morte do governo ainda é incerta.

  • ECONOMISTA, FOI DIRETOR DE POLÍTICA MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL E PROFESSOR DE ECONOMIA DA PUC-SP E FGV-SP. E-MAIL : LUISEDUARDOASSIS@GMAIL.COM

O ESTADO DE S. PAULO

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