Adoção de uma alíquota uniforme sobre bens e serviços tornaria o sistema mais justo (Bernard Appy)

Um dos temas que dificultam a discussão política de uma reforma da tributação do consumo que adote alíquota uniforme para todos os bens e serviços é o seu impacto setorial. Mesmo que a reforma mantenha a carga tributária global, setores que hoje são menos tributados tendem a resistir à mudança, alegando que serão prejudicados.

Para entender se os impactos da reforma tributária sobre os diversos setores da economia são positivos ou negativos, é preciso tratar de três temas: a) a forma como a mudança afeta os setores; b) a avaliação sobre se a atual distribuição setorial da carga tributária é justa; e c) a avaliação sobre os impactos setoriais da reforma, considerando todos os seus efeitos.

O primeiro ponto a ser considerado é como a reforma afeta os diversos setores da economia. Num bom imposto sobre o valor adicionado, como o proposto nos principais projetos de reforma tributária, o imposto, ainda que cobrado em todas as etapas da cadeia de produção e comercialização, incide efetivamente sobre o consumidor final dos bens e serviços. Isso ocorre por duas razões: a) porque os investimentos e as exportações são totalmente desonerados (ou seja, o imposto tributa apenas o consumo); e b) porque todo imposto pago ao longo da cadeia é recuperado na forma de crédito na etapa seguinte (exceto na venda para o consumidor final, que, na prática, paga por todo o imposto cobrado nas etapas anteriores).

O fato de o imposto ser arcado pelos consumidores não significa que a reforma não tenha impactos setoriais. Se o aumento do preço reduz a demanda dos consumidores, as empresas que vendem determinado bem ou serviço (bem como seus fornecedores) podem ser prejudicadas via redução do volume de vendas ou via redução de suas margens, para evitar uma queda maior das vendas. O impacto sobre as empresas tende a ser tão maior quanto maior a sensibilidade da demanda às variações de preços.

Isso nos leva à segunda questão: será que a atual distribuição setorial da carga tributária é justa? De modo geral, no Brasil, o consumo de alimentos e de serviços é menos tributado que o consumo de bens e de algumas utilidades, como eletricidade e telecomunicações. Por um lado, esse desenho favorece as famílias mais pobres (que consomem mais alimentos), mas, por outro, favorece as famílias mais ricas, que consomem mais serviços. Diversos estudos mostram que o efeito agregado é regressivo, ou seja, que a desoneração do consumo dos ricos é maior que a desoneração do consumo dos pobres.

A mera adoção de uma alíquota uniforme sobre bens e serviços, portanto, já tornaria o sistema mais justo. Mas os projetos de reforma tributária vão além, e propõem a adoção de um modelo de devolução do imposto pago para as famílias mais pobres, tornando o sistema ainda mais progressivo.

Mesmo que a adoção de alíquota uniforme seja justa, ainda assim alguns setores podem argumentar que serão prejudicados pela reforma. Será que isso é verdade?

A realidade é que a adoção de alíquota uniforme reduz custos e distorções e, junto com a desoneração das exportações e investimentos, tem um impacto muito positivo sobre o crescimento, o qual beneficia todos os setores. Esse impacto positivo resulta do aumento da renda da população (que favorece muito a demanda por serviços), mas também de outros efeitos, como a redução do custo das exportações (que favorece o setor agropecuário).

No agregado, todos os setores tendem a ser beneficiados. Estudo dos economistas Edson Domingues e Debora Cardoso (disponível no site do Centro de Cidadania Fiscal) mostra que, mesmo com hipóteses conservadoras quanto ao impacto da reforma sobre o crescimento, o PIB do setor menos beneficiado (serviços pessoais) seria elevado em 3,8%. É verdade que o PIB de outros setores (mais prejudicados pelo sistema atual) teria um crescimento maior, mas o relevante é que, considerados todos os impactos da reforma tributária, nenhum setor será penalizado.

*DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL

O ESTADO DE S. PAULO

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