Valor econômico
Para economistas, cenário é pior do vivido no início dos anos 2010
Por Lucianne Carneiro — Do Rio
O mercado de trabalho superou as principais perdas enfrentadas ao longo da pandemia, com exceção do rendimento, mas tem longo caminho para retomar a boa situação vivida no início da década de 2010. A avaliação é compartilhada pelo professor emérito do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) João Saboia e pela pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Maria Andréia Parente Lameiras, que foi sua aluna na universidade.
“O mercado de trabalho perdeu dois anos, foi no fundo de poço, começou a se recuperar e chegou à situação atual”, afirma Saboia, mais pessimista que Lameiras em relação às perspectivas para o mercado. A pesquisadora acredita que o desemprego chegará ao fim do ano com taxa de um dígito ou perto disso, enquanto o professor da UFRJ não vê grandes mudanças na estrutura do mercado de trabalho a curto prazo.
A seguir os principais pontos das entrevistas ao Valor:
Situação atual do mercado
João Saboia: A situação depende da referência. A curtíssimo prazo, ante o quarto trimestre, o resultado em geral é favorável. Geralmente há alta do desemprego e não houve. Quando se olha em um ano, o mercado de trabalho está bem melhor. Ali não estava mais no fundo de poço, mas tinha situação muito precária, ainda saindo de 2020 e começando a vacinação. Quando se compara, temos 20% menos desempregados, quase 10% a mais de ocupados, mais trabalho formal… Mas, frente ao pré-pandemia, dá para dizer que há semelhanças. Então o mercado de trabalho perdeu dois anos, foi no fundo de poço, começou a se recuperar e chegou à situação atual. Na média, está numa situação muito parecida ao fim de 2019 e início de 2020. Só que não era nenhuma maravilha, vinha de grandes dificuldades. Foram três anos de pequena recuperação depois da recessão de 2015 e 2016.
Maria Andréia Parente Lameiras: A fotografia do primeiro trimestre de 2022 reflete a continuidade de um 2021 que trouxe uma boa recuperação do mercado de trabalho. Temos desocupação já no patamar do período pré-pandemia e população ocupada maior. Tirando a renda, ligada à inflação, a gente já superou a pandemia no mercado de trabalho. Mas no pré-pandemia, era um mercado excelente? Não. Estava começando a se recuperar. Então, embora esteja melhor, não é o melhor momento do mercado. Temos desemprego elevado [11,1%], contingente grande de desempregados [11,94 milhões de pessoas]… Já passamos a pandemia, agora temos que recuperar o que perdemos na crise de 2015 e 2016.
Trabalho formal
João Saboia: No primeiro trimestre, houve aumento de quase 400 mil pessoas [380 mil] ocupadas com carteira de trabalho. Essa geração de emprego formal é muito positiva e vem ocorrendo nos últimos meses. E há também aumento do emprego informal. A taxa de informalidade está nos 40,1%. É elevada, não dá para jogar para debaixo do tapete. É preciso gerar muito emprego com carteira para melhorar a estrutura do mercado. A princípio, não espero grande mudança.
Maria Andréia Parente Lameiras: O mercado de trabalho cresceu muito no último ano baseado na informalidade. Mas agora houve alta de quase 11% da população com carteira, 3,4 milhões de pessoas. O emprego formal dá garantia, segurança, estimula a compra de bens… E gera incentivo maior ao crescimento que o informal. E isso deve continuar: o emprego formal vai estar presente em 2022. Uma das coisas que devem alavancar a economia são os investimentos em infraestrutura, contratantes de mão de obra formal.
Renda
João Saboia: O rendimento é das coisas que mais preocupam: subiu na crise profunda do início da pandemia, com a saída em massa de informais do mercado. De 2021 para cá, tem queda expressiva. Por um lado, tem a inflação, que passa de 4%, 5% em 12 meses [5,20% nos 12 meses até fevereiro de 2021 pelo IPCA] para 11%, 12% [12,03% no resultado em 12 meses do IPCA-15 de abril]. E a segunda coisa é um mercado que passa a absorver muito informal, que ganha menos. E em geral volta por baixo. Teve pequena alta da renda na margem [1,5%], mas nada excepcional, pouco para falar em mudança.
Maria Andréia Parente Lameiras: O rendimento é afetado por uma série de fatores. O contingente de desempregados, embora menor, ainda é alto. E o salário é uma relação de oferta e demanda de trabalho. Se tem mais gente ofertando trabalho que demandando, o salário não tem espaço para crescer. Fora isso, a inflação está em dois dígitos. Até se imagina alguma desaceleração. Mas só vai ter aumento de salário real realmente com taxa de desemprego bem mais baixa e inflação menor.
Economia e perspectivas
João Saboia: A economia cresceu 4,6% em 2021 após queda de 3,9% em 2020. Em 2022, terá crescimento pífio. Não consigo imaginar como mudar a configuração do mercado de trabalho. O governo faz ginástica para colocar mais dinheiro na mão das pessoas, mas a economia não vai crescer tanto. O mercado de trabalho voltar ao pré-pandemia, mas sair dessa situação é muito difícil. Há muita incerteza, mas, independentemente das eleições, 2023 será um ano difícil para a economia e o mercado de trabalho.
Maria Andréia Parente Lameiras: A perspectiva ainda é de geração de novas vagas e queda do desemprego, mesmo em ritmo menor. É uma desocupação que, se não estiver com um dígito, estará muito perto disso. Estou otimista, mas isso não significa que se chegará ao fim do ano com mercado de trabalho excelente. É um mercado ainda longe de 2013, 2014, com desemprego alto e contingente grande de desempregados.