Valor Econômico
Cenário dos rendimentos no curto prazo deve seguir igual ou até piorar, afirmam economistas
Por Marsílea Gombata — De São Paulo
Apesar da forte recuperação do emprego nos últimos meses, a renda média do trabalho tem caído e está abaixo do nível pré-pandemia. No curto prazo, a perspectiva é que esse cenário se mantenha ou até mesmo piore, com a inflação alta e as perspectivas de baixo crescimento econômico, afirmam economistas.
Em 2021, o mercado de trabalho teve forte recuperação do emprego, terminando o ano acima do nível pré-pandemia. A massa de rendimentos do trabalho, contudo, teve trajetória de alta a partir do terceiro trimestre de 2020, mas amargou quedas seguidas nos últimos dois trimestres do ano passado, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
O levantamento foi feito com base nos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O levantamento, que foi publicado na mais recente edição do Boletim Macro do FGV Ibre, mostra que a massa de rendimentos do trabalho é composta por três componentes: renda por hora trabalhada, jornada média e número de trabalhadores ocupados.
Do início da pandemia para cá, houve comportamento oposto entre renda por hora trabalhada e nível de emprego. No início da pandemia, houve crescimento da renda por hora trabalhada, uma vez que os primeiros trabalhadores a serem demitidos foram aqueles com remuneração pior. Isso se inverteu com a recuperação do número de empregados. Já a jornada média se recuperou e está em nível acima do de 2019.
“Hoje temos o número de população ocupada no zero a zero, em comparação com o período pré-pandemia, e o total de horas trabalhadas um pouco acima. O que está puxando para baixo é a renda por hora trabalhada”, afirma o economista Daniel Duque, responsável pelo estudo. Assim, o indicador está hoje mais de 8% abaixo do nível do último trimestre de 2019.
“A renda média hoje é afetada bem menos por quem entra e sai [do mercado de trabalho] e mais pelo comportamento da renda daqueles que estão empregados”, continua. “Os empregados estão trabalhando mais horas do que em 2019, mas não estão conseguindo renda com os ajustes nominais que tiveram. Estão empregados, mas perdendo o poder de compra.”
Segundo o economista, apesar de hoje a composição setorial estar próxima da do período pré-pandemia, quando se analisa a renda média do trabalho, os setores da indústria e serviços (no mercado formal) foram os mais atingidos e ainda sofrem consequências.
“A indústria começou a se recuperar primeiro, mas tem sofrido bastante com questões globais, de logística e cadeias de produção afetadas. Isso tem feito empregadores manter trabalhadores, mas sem reajustes, deixando a inflação comer esses salários”, pontua Duque.
“Em segundo lugar, em termos de queda de renda, vêm serviços. Áreas como alojamento, alimentação e entretenimento foram muito afetadas e ainda não recuperaram o nível pré-pandemia, o que acaba se refletindo em salários menores”, continua.
Em termos de escolaridade, o estudo mostra que todos os grupos registraram queda. Bruno Ottoni, economista da consultoria IDados, observa, contudo, que a renda do trabalho caiu mais para os mais escolarizados.
Em outro levantamento, a consultoria chegou à conclusão que o rendimento médio do trabalho para quem tem ensino superior completo diminuiu mais. Para aqueles que terminaram o ensino superior, a renda média caiu 14,6% entre o quarto trimestre de 2019 e o último trimestre de 2021. No mesmo período, o rendimento médio caiu 8,2% para quem concluiu o ensino médio, 4,5% para aqueles que completaram o ensino fundamental, e 3,5% para os que têm fundamental incompleto.
“Uma possível explicação para a renda dos mais escolarizados ter caído mais fortemente desde a pandemia é o aumento da presença de pessoas escolarizadas como ‘conta própria’, que oferece salários mais baixos”, argumenta Ottoni. “Então pode ser uma questão de piora mais intensa da composição do emprego de pessoas mais escolarizadas, que estão mais presentes no emprego por conta própria.”
No curto prazo, a perspectiva é que esse cenário de degradação da renda se mantenha.
“Devemos ter uma manutenção da situação atual. Estamos vendo uma inflação muito persistente, acima das expectativas. Então provavelmente veremos a massa salarial caindo, com mais emprego e menos renda”, diz Duque.
Ottoni acrescenta que as perspectivas para a economia neste ano não contribuem para a questão da renda.
“Havia expectativa de que a inflação daria trégua, mas números mostram que isso não está acontecendo. Além disso, as projeções para atividade econômica não são boas”, diz. “Há fraco crescimento da economia e inflação em patamares elevados. Quando juntos, esses dois fatores não costumam ser benéficos para a renda. Significam renda se mantendo em patamares baixos ou podendo cair.”