Folha de S.Paulo
Apesar da queda, grupo ganha 80 vezes mais do que pobres na média
Daniel Mariani Diana YukariLeonardo Vieceli
A crise gerada pela Covid-19 e a disparada da inflação chegaram até o bolso dos trabalhadores com salários mais altos, que têm mais condições para enfrentar as dificuldades no cenário econômico.
Sinal disso é que a renda média do trabalho do grupo 1% mais rico no país caiu 16,4%, em termos reais, desde o começo da pandemia.
Mesmo com a redução, o rendimento dessa parcela ainda é 80,9 vezes maior (R$ 26.899) do que o dos profissionais 10% mais pobres (R$ 332) na média.
As conclusões são de um levantamento da Folha a partir de microdados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Cartazes no centro de São Paulo anunciam vagas de trabalho – Mathilde Missioneiro – 30 set.2020/Folhapress
No quarto trimestre de 2019, antes da explosão da pandemia, a renda média do trabalho da fatia 1% mais rica era de R$ 32.157 por mês.
Dois anos depois, no quarto trimestre de 2021, já com a crise sanitária em curso, o rendimento baixou para R$ 26.899.
Vem dessa comparação a queda de 16,4% —ou menos R$ 5.258. O indicador avaliado é o da renda média habitual de cada pessoa que está ocupada com trabalho formal ou informal.
Desempregados não entram nos cálculos. Os dados contemplam apenas os recursos recebidos com o trabalho, e não consideram valores de investimentos e benefícios sociais.
“Os trabalhadores estão com dificuldades para conseguir reajustes. A elite do funcionalismo, por exemplo, está mais no topo da distribuição de renda e tenta barganhar isso”, diz o economista Alysson Portella, pesquisador do Insper.
“O que explica a perda no topo da pirâmide é a inflação. Ela está gerando perdas reais nos salários”, indica o professor André Salata, do programa de pós-graduação em ciências sociais da PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), que estuda desigualdade e distribuição de renda.
RENDA DOS MAIS POBRES SOBE, MAS COM MUDANÇA DE COMPOSIÇÃO
Na base da pirâmide, o rendimento dos trabalhadores 10% mais pobres no país passou de R$ 324 para R$ 332 entre o quarto trimestre de 2019 e igual período de 2021, uma elevação de 2,3%.
O avanço na média, contudo, deve ser analisado com cautela devido a um efeito de composição do grupo, ponderam analistas.
Segundo eles, a chegada da pandemia, em 2020, expulsou do mercado principalmente os trabalhadores mais vulneráveis, em grande parte associados à informalidade e a menores salários.
Esse é um dos possíveis motivos para a renda dos 10% mais pobres ter crescido na média após o início da pandemia.
No segundo trimestre de 2020, marcado por restrições a atividades econômicas e menos profissionais atuando no mercado, o rendimento dessa camada chegou a ser 16,2% maior, em média, do que no final de 2019.
Contudo, nos intervalos mais recentes, esse avanço vem ficando menor —foi de 2,3% no quarto trimestre de 2021—, em meio ao retorno dos brasileiros mais vulneráveis à população ocupada e ao avanço da inflação.
A economista Janaína Feijó, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), sublinha que os mais ricos, mesmo perdendo renda, têm mais mecanismos para se proteger da pressão inflacionária.
“A inflação bate no rendimento do trabalho, mas essas pessoas conseguem se proteger de outras formas. A perda pode ser compensada, por exemplo, com investimentos financeiros. Isso diminui o impacto da inflação entre os mais ricos”, afirma a pesquisadora.
Na média de todos os grupos, o rendimento dos trabalhadores ocupados era de R$ 2.675 no quarto trimestre de 2019. Em igual intervalo do ano passado, recuou para R$ 2.447, uma queda de 8,5% em termos reais.
O resultado mais recente representa o menor nível da série histórica da Pnad com trimestres tradicionais (janeiro a março, abril a junho, julho a setembro e outubro a dezembro). Os registros começaram em 2012.
PIB FRACO DESAFIA REAÇÃO
Na visão de analistas, a recuperação da renda do trabalho depende em grande parte do avanço da atividade econômica.
O problema é que as previsões indicam baixo crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) em 2022, inferior a 1%.
Fatores como a pressão inflacionária e os juros mais altos são apontados como obstáculos para um desempenho mais forte do PIB e, consequentemente, da renda.
“A previsão não é tão boa. A gente até vem recuperando empregos, mas a renda está menor na média”, aponta o economista Alysson Portella, pesquisador do Insper.
“Tem um quebra-cabeça no cenário, que é como incentivar a retomada da economia e, ao mesmo tempo, controlar a inflação”, diz André Salata, da PUCRS.
“A questão é que o principal remédio para conter a inflação é aumentar os juros, o que dificulta a recuperação da atividade econômica”, acrescenta.
De acordo com os dados, a renda média dos trabalhadores 1% mais ricos no quarto trimestre de 2019 (R$ 32.157) era 99 vezes maior do que a dos 10% mais pobres (R$ 324).
Essa relação caiu para 80,9 vezes no quarto trimestre de 2021 especialmente pela baixa dos mais ricos.
“O ideal seria se todos ganhassem mais, e a base, os mais pobres, tivesse um aumento proporcionalmente maior”, aponta Salata.