STF vai definir se empresa pode demitir em massa sem negociação coletiva

No dia 16 de junho do ano passado, a Justiça do Trabalho no Rio de Janeiro mandou a churrascaria Fogo de Chão readmitir cem funcionários demitidos pela rede no estado fluminense. Três dias depois, a liminar foi cassada.

Em Brasília, decisão de primeira instância considerou legais as dispensas, mas o tribunal regional atendeu pedido do Ministério Público do Trabalho e mandou a rede reintegrar 42 empregados. Em julho, o ministro-corregedor do TST (Tribunal Superior de Trabalho), Aloysio Corrêa da Veiga, mandou suspender a decisão provisória. A empresa ficou, portanto, autorizada a manter as demissões.

O vaivém de decisões contra ou a favor da rede de churrascarias continua, e dá a dimensão do nó jurídico quanto à legalidade da dispensa em massa sem negociação coletiva.

Há cerca de duas semanas, o tribunal que atende Brasília confirmou sentença anterior, de novembro, de que as dispensas não violavam a legislação. Entretanto, em março, no Rio, a 52ª Vara do Trabalho condenou a rede a reintegrar os demitidos e ainda proibiu a empresa de demitir mais de dez funcionários no período de um mês. Para fazer isso, deverá abrir negociação coletiva.

O advogado da rede, Maurício Pessoa, disse à Folha na época ter a convicção de que a decisão será revertida por ser “gritantemente ilegal”, uma vez que a legislação não proíbe a demissão em massa, tampouco obriga que as dispensas sejam discutidas com os sindicatos.

Está na pauta do STF (Supremo Tribunal Federal) retomar o julgamento de um recurso especial que deverá fixar jurisprudência para processos que discutem o tema. O processo tem repercussão geral, ou seja, será aplicado a outros casos.

“A dispensa em massa de trabalhadores prescinde de negociação coletiva” é a tese em discussão pela Corte. O relator é o ministro Marco Aurélio Mello, para quem a CLT (Consolidação das Lei do Trabalho) já prevê que a demissão é uma iniciativa unilateral, “não exigindo concordância da parte contrária, muito menos do sindicato”.

A CLT não previa veto ou liberação às dispensas sem negociação. Isso mudou com a reforma trabalhista, de 2017, que igualou a demissão coletiva às individuais, nas quais o empregador não precisa negociar nem comunicar o sindicato da categoria sobre as dispensas.

A mudança na legislação não impediu novas ações, propostas por procuradores do trabalho e por sindicatos.

Neste ano, o Ministério Público do Trabalho iniciou ações contra a montadora Ford para impedir que a empresa fizesse demissões em massa enquanto negociava planos de indenização com os sindicatos. A empresa anunciou em janeiro o encerramento da produção de veículos no Brasil.

Liminares chegaram a proibir dispensas em Camaçari (BA) e em Taubaté (SP). Depois de conciliação na Justiça do Trabalho, a empresa se comprometeu a não demitir ninguém enquanto negociava com o sindicato. Em abril, o plano de demissão, que prevê indenização mínima de R$ 130 mil, foi aprovado em Taubaté, onde 830 serão demitidos.

Para muitos procuradores, apesar da mudança na legislação, ainda prevalecem decisões do TST proferidas a partir de 2018 de que há a necessidade de negociação. Além disso, os reflexos sociais de um volume grande de demissões justificariam a necessidade de negociação, que aumenta as chances de acordos mais vantajosos aos trabalhadores.

Foi o caso, por exemplo, das demissões previstas na LG, também em Taubaté (cerca de 130 km de São Paulo). Segundo o sindicato dos metalúrgicos do município, o valor final acordado no plano de indenização para os funcionários ficou 87,5% maior do que a proposta inicial apresentada pela empresa.

No Supremo Tribunal Federal, o relator do processo com repercussão geral considerou que o assunto já foi tratado na legislação trabalhista e que, portanto, não há “vedação ou condição à dispensa coletiva.”

Marco Aurélio afirmou também que a Constituição Federal é taxativa quanto às medidas que exigem negociação com sindicatos, que são a redução do salário e as jornadas superiores a oito horas diárias e 44 horas semanais ou maiores do que seis horas para o trabalho em turnos ininterruptos.

O ministro Alexandre de Moraes acompanhou o relator pela reforma do acórdão vindo do TST (Tribunal Superior do Trabalho).

Ele afirmou que impor ao empregador a realização de acordo coletivo afronta a lei e causa insegurança jurídica, além de “colocar em risco a própria sobrevivência da empresa ao submetê-la a um processo de negociação de contornos indefinidos”.

O caso em análise no STF trata de demissões ocorridas há mais de dez anos. O processo foi iniciado em 2009 pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos (90 km da capital paulista), depois que cerca de 4.200 funcionários da Embraer foram demitidos.



O QUE ESTÁ EM DISCUSSÃO
STF retomará julgamento que trata de demissão coletiva
Está em discussão a obrigatoriedade da negociação coletiva para a dispensa de grupos de funcionários
O que diz a CLT
Art.477-A – “As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação”

O que dizem as empresas
Com a mudança na legislação trabalhista, não há como obrigar a negociação das demissões

O que dizem procuradores e sindicatos
Os reflexos sociais de muitas demissões ao mesmo tempo justificam a necessidade de negociação, que permite o acompanhamento das rescisões e a reivindicação de acordos melhores

FOLHA DE S. PAULO

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