Um acordo tributário global, que pode ser anunciado em julho, não significará que os paraísos fiscais e suas empresas de fachadas sairão imediatamente do negócio de evasão fiscal e outras práticas que causam centenas de bilhões de dólares de prejuízos para os governos. Mas o acordo mudará o jogo no combate ao abuso e fraude fiscal, dizem negociadores. A pressão cresce também contra os facilitadores dessas operações.
Companhias de fachada – conhecidas também por “shell company”, “mailbox” ou “letterbox company” – são firmas fictícias, frequentemente usadas para ocultar dinheiro do fisco. Não têm operações concretas, e procuram isolar o real beneficiário contra taxação, transparência, ou ambos. A magnitude dos recursos que passam por paraísos fiscais e firmas fantasmas é dada em relatório recente do painel de alto nível das Nações Unidas, conhecido pela sigla FACTI: governos perdem entre US$ 500 bilhões e US$ 650 bilhões por ano com a otimização agressiva de multinacionais de transferir lucros para paraísos fiscais. Além disso, ao menos US$ 7 trilhões de fortuna privada, equivalente a 8,3% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial em 2020, são ocultados em contas offshore (fora do país do cliente). Subornos de todo tipo representam de US$ 1,5 trilhão a US$ 2 trilhões, e boa parte toma o rumo do sigilo bancário.
Um tipo específico de estrutura de firma de fachada é a “international business corporation”, ou IBC. Cerca de 40% dos lucros de multinacionais são transferidos para paraísos fiscais globalmente, segundo estimativas do professor Gabriel Zucman, da Universidade de Berkeley, nos EUA. Isso tanto na forma de pagamento de royalties de propriedade intelectual quanto na de empréstimos entre subsidiárias para a companhia em paraíso fiscal ou operações que baixam artificialmente lucros onde realmente operam. O G-20, que reúne as maiores economias do mundo, quer anunciar em seu encontro de ministros das Finanças, em julho, ao menos um “acordo político” sobre novas regras tributárias globais para enquadrar multinacionais. A negociação envolve 135 países. Um dos pontos principais do acordo será a criação de uma taxa mínima global para as multinacionais. Se a taxa mínima for de 21% e a empresa paga apenas 1% num paraíso fiscal, vai ser cobrada depois pelos outros 20% no seu país de origem, pelo esboço atual do acordo em negociação.
“Um imposto mínimo ambicioso acabaria com o valor das empresas de fachada para a transferência de lucros e as empurraria ainda mais para a marginalidade, como lavagem dos lucros do crime, evasão fiscal por indivíduos e uma série de outras práticas corruptas”, afirma Alex Cobham, diretor da Tax Justice Network, ONG voltada para questões tributárias. Se o acordo global tem como foco as empresas, a pressão sobre pessoas físicas continuará subindo através do Fórum Global sobre Troca de Informações para Fins Fiscais, com participação de mais de 160 países, na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Economico (OCDE). Um trabalho está sendo feito para que seja conhecido o real proprietário (“beneficial ownership”) que hoje é dissimulado numa prática que facilita transações ilícitas como evasão fiscal.
Para Cobham, é urgente a criação de um registro público dos proprietários reais dessas firmas de fachada. Isso depende, em grande parte, de países aprovarem individualmente leis necessárias para a criação de um sistema eficaz de controle, capaz de rastrear e identificar o proprietário efetivo, concorda Lakshmi Kumar, diretor da Global Financial Integrity, ONG em Washington que procura identificar fluxos financeiros ilícitos. Lumar dá o exemplo dos EUA, com uma reforma única em uma geração. Os EUA aprovaram no começo do ano o “Corporate Transparency Act”, que vai requerir que muitas companhias registrem seus verdadeiros proprietários, para desencorajar o uso de firmas de fachada para ações ilícitas. A informação será mantida em sigilo pelo Departamento do Tesouro. Os 27 países da União Europeia e o Reino Unido já exigem a divulgação dos verdadeiros proprietários de empresas. A questão será fazer os paraísos fiscais aceitarem a mesma regra.
Em relatório publicado em fevereiro, a OCDE abre outra frente de luta. A organização aconselha os governos a melhor detectar e desmontar as atividades de profissionais que facilitam a evasão e outros crimes financeiros. Nota que a maioria dos profissionais respeita a lei, ajudando empresas e particulares a compreender as regras fiscais. Mas que um pequeno grupo de advogados, contadores, estabelecimentos financeiros e outros “facilitadores” têm um papel essencial na ajuda a contribuintes para fraudar o Estado. Suas montagens financeiras opacas protegem os sonegadores. Operações dessa natureza tomaram dimensão política nacional e internacional importante, com escândalos como “Panama Papers” ou “Paradise Papers”. “Embora os profissionais facilitadores (dessas práticas) sejam apenas um elemento na questão de crime fiscal, são um componente importante’’, diz a OCDE. A organização recomenda estratégias nacionais, incluindo legislação efetiva para puni-los.
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