Todo o Estado de São Paulo, inclusive a capital, poderá regredir à fase vermelha do plano de combate à covid-19 a partir de amanhã. A adoção de um “lockdown” em regiões do interior também está sendo avaliada, disseram ao Valor fontes da Saúde que trabalham em uma solução para desacelerar a transmissão do vírus. A disseminação da doença de maneira desenfreada levou unidades de saúde públicas e privadas ao limite na Grande São Paulo e no interior do Estado, onde quase já não existem mais vagas em leitos de enfermaria e UTI. Por causa do cenário de colapso na maioria dos hospitais, tornou-se frequente o transporte de pacientes para a capital paulista, às cegas, na esperança de encontrar um leito recém-desocupado. Somente de quarta-feira até ontem, 307 pacientes com complicações da covid-19 vindos do interior foram transferidos para a capital paulista.
Como consequência, o sistema de atendimento hospitalar da cidade está ainda mais pressionado, apesar de o número de casos de internação ter dado uma ligeira folga nos últimos dias. Ontem, a prefeitura de São Paulo viabilizou cem leitos extras de UTI para o município. A situação beira o caos principalmente no interior do Estado, em que já estão na fase vermelha as regiões de Araraquara, Barretos, Bauru, Marília, Presidente Prudente e Ribeirão Preto. Integrantes do Centro de Contingência ao coronavírus no Estado de São Paulo têm defendido, desde meados de fevereiro, a adoção de lockdown em cidades do interior. No entanto, o governador João Doria (PSDB) tem resistido à ideia. O confinamento total de pessoas e a proibição de deslocamentos são considerados pelo governador medidas excessivamente negativas do ponto de vista político, segundo interlocutores do tucano. Doria é virtual candidato à Presidência da República em 2022 e tende a usar a vacina chinesa Coronavac, conquistada em parceria com o Instituto Butantan, como carro-chefe de sua plataforma eleitoral.
Na cidade de São Paulo, o entendimento quase unânime após consulta às coordenadorias regionais de Saúde é que a capital deveria voltar à fase vermelha e ampliar o horário de vigência do toque de restrição, que hoje vigora das 23 horas à 5 horas. O tema foi tratado no fim de semana com Doria por integrantes das equipes de Saúde do prefeito Bruno Covas (PSDB). O governador está preocupado com a situação, mas até ontem à noite não havia decidido sobre a regressão da cidade de São Paulo à fase vermelha, nem sobre a inclusão de municípios do oeste paulista no sistema de “lockdown”. A decisão de Doria de definir as igrejas e templos religiosos de São Paulo como atividades essenciais repercutiu mal e gerou animosidade dentro do Comitê de Contingência da covid-19.
Sob o mote “esperança, fé e oração”, Doria anunciou decreto previsto para ser publicado hoje que permitirá o funcionamento das igrejas até mesmo em uma excepcional hipótese de decretação de “lockdown”. A medida repercutiu negativamente no comitê de saúde principalmente por duas razões: primeiro porque os médicos que o integram veem risco na manutenção do funcionamento das igrejas. Mesmo que algumas tenham pé direito alto, espaços amplos e ventilação, o problema é apontado nos pequenos templos – que são a maioria – e tendem a aglomerar fiéis durante longos cultos. O outro motivo é que a decisão de Doria – que é quem dá a palavra final no comitê – acentuou divisões e instisfações de médicos que integram a estrutura criada pelo governador a pretexto de definir medidas de restrição para desacelerar o contágio do coronavírus.
Uma parcela da equipe médica defende a adoção de um “lockdown” com duração de três dias a uma semana, na tentativa de quebrar o ciclo mais explosivo de propagação da covid-19. Diversos Estados adotaram medidas mais restritivas à circulação de pessoas na última semana. Entre eles Bahia, Paraná, Ceará, Mato Grosso do Sul e Amazonas. No Rio Grande do Sul, um dos mais rigorosos, foi imposta bandeira preta, sinal de altíssimo risco.
VALOR ECONÔMICO