Os estudos sobre pobreza no Brasil indicam que ela castiga mais as famílias que têm crianças e menos as que têm pessoas idosas. Por outro lado, os dados dos epidemiologistas indicam que a covid-19 é mais letal entre idosos do que entre jovens e crianças: 75% das mortes ocorrem em pessoas com mais de 60 anos. O que isso tem a ver com a pobreza?
No Brasil, um homem que morre com 60 anos poderia viver mais 18 anos e continuar contribuindo para a formação da renda em uma parcela grande de domicílios (35%) onde há pelo menos um idoso.
Ana Amélia Camarano, uma das maiores autoridades em demografia econômica, revela que a crescente morte de idosos pelo coronavírus agrava enormemente a situação econômica das famílias porque muitas delas dependem da renda dos idosos.
Os dados de 2019 mostram que, dentre os 73 milhões de domicílios brasileiros, cerca de 34 milhões tinham idosos. Nesses domicílios, eles respondiam por 71% da renda familiar. Cerca de 63% dos recursos vinham de aposentadorias e pensões e 37% do trabalho. Esse quadro deve persistir até os nossos dias. Ou seja, muitos idosos estão sustentando filhos, netos e outros parentes que vivem no mesmo domicílio (Ana Amélia Camarano, Os dependentes da renda dos idosos e o coronavírus: órfãos ou novos pobres?, Ciência & Saúde Coletiva, Vol. 25, Suplemento 2, 2020).
Contrariando o senso comum, as pesquisas indicam que os idosos são menos atingidos pelo desemprego do que os jovens e continuam com grande responsabilidade na formação da renda de milhões de famílias (Pedro F. Nery e colaboradores, Probabilidade de desemprego por faixa etária, Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa, Senado Federal, 2018).
Voltando ao tema, fica claro que, ao matar mais os idosos, a covid-19 causa um grande problema social porque as suas receitas respondem por mais de 50% da renda dos domicílios onde moram. Há casos mais graves. Em 13,5 milhões de domicílios (19% do total de domicílios), os idosos são os únicos responsáveis pela renda familiar. Na sua falta, a renda do trabalho é imediatamente zerada e a proveniente de aposentadorias (se tiverem) vira pensão que é reduzida.
Em vista das graves dificuldades para exercer um trabalho formal e informal devido aos estragos da pandemia, os remanescentes dessas famílias dependerão nos próximos meses dos programas assistenciais. São grupos muito grandes. Os que dependem exclusivamente da renda dos idosos somam cerca de 35 milhões de pessoas; e os que dependem parcialmente, outros 30 milhões.
Ou seja, a morte antecipada pelo coronavírus deixa um vazio nos corações dos entes queridos e um buraco profundo na capacidade de compra das famílias. Até janeiro de 2021, 150 mil idosos foram ceifados pela covid-19. Só isso subtraiu cerca de R$ 3 bilhões da massa salarial deste ano (Claudio Considera e Marcel Balassiano – Em busca do capital humano perdido, Rio de janeiro: Ibre/FGV, 13/10/2020). Redução de massa salarial, como se sabe, é redução de consumo, mais sofrimento e menos crescimento econômico.
Sei e concordo que acudir as famílias pobres com crianças é prioridade máxima. Afinal, são as que carregam os que vão responder pelo futuro do Brasil. Mas, considerando que milhões de pessoas estão ficando repentinamente sem renda e sem trabalho porque dependiam dos idosos falecidos, defendo que esse grupo de famílias seja igualmente considerado dentre as prioridades para receber um novo auxílio emergencial.
*PROFESSOR DA FEA-USP, PRESIDENTE DO CONSELHO DE EMPREGO E RELAÇÕES DO TRABALHO DA FECOMERCIO-SP, É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS.
O ESTADO DE S. PAULO