Depois de dez anos muito ruins, consertar a indústria será muito mais complicado que garantir algum crescimento em 2021 e 2022. Dinamismo, eficiência e poder de competição só serão reconquistados com muito investimento e ampla mudança na política econômica. Esses dois fatores continuam fora do radar. Se aumentar 5% neste ano, como se prevê no mercado, a produção industrial poderá superar ligeiramente a de 2019, mas ainda será 8,9% inferior à de maio de 2011. Este é o ponto mais alto da série histórica. Mas isso é apenas uma esperança. Com o recuo de 4,5% em 2020, o volume produzido ficou 13,2% abaixo daquele ponto. Além disso, o quadro imediato mostra um setor pressionado pela alta do dólar e pelo custo maior dos insumos.
Por mais de meio século a indústria funcionou, no Brasil, como um polo de modernização e dinamismo. A reversão tornou-se bem visível na fase final do governo petista. O balanço da produção industrial foi negativo em seis dos dez anos entre 2011 e 2020. O maior recuo, nesse período, ocorreu na produção de máquinas, equipamentos e outros bens de capital. No fim do ano passado, o setor produziu 25,2% menos que em setembro de 2013, pico da série. A longa queda, nesse caso, acompanhou o recuo do investimento em capacidade produtiva e modernização.
Essa perspectiva ajuda a avaliar com algum realismo a recuperação a partir de maio, depois da grande queda ocasionada pela crise sanitária. Em oito meses a indústria acumulou crescimento de 41,8%, na série com desconto de fatores sazonais. Com esse desempenho, o setor superou a perda de 27,1% ocorrida em março e abril e alcançou patamar 3,4% superior ao de fevereiro.
Em dezembro, oitavo mês de recuperação, o setor produziu 0,9% mais que em novembro e superou por 8,2% o resultado de um ano antes. Mas o balanço de 2020 aponta um volume 4,5% menor que o de 2019. Além disso, o crescimento mensal foi o menor desde o início da retomada. Em maio a produção foi 8,7% maior que no mês anterior, quando havia caído 19,5%. A retomada acelerou-se em junho, com aumento de 9,6%. A partir daí as taxas mensais declinaram, até chegar a 0,9% no fim do ano.
Três das quatro grandes categorias tiveram desempenho positivo na passagem de novembro para dezembro: bens de capital (+2,4%), bens intermediários (+1,6%) e bens de consumo duráveis (+2,4%). Nos bens de consumo não duráveis houve recuo de 0,5%. No ano, as quatro categorias encolheram. A maior perda foi a da indústria de bens de consumo duráveis, com produção 19,8% inferior à de 2019. A queda foi puxada pela fabricação de automóveis, 34,6% menor que a do ano anterior.
O consumo das famílias foi o motor principal da recuperação da indústria. Esse motor enfraqueceu com a redução do auxílio emergencial. Na recessão de 2015-2016, a exportação deu algum suporte ao setor industrial, porque a crise era brasileira e o mercado externo tinha algum vigor. Desta vez só o agronegócio teve sucesso nas vendas externas. Muito dependente do mercado sul-americano, especialmente do argentino, a exportação industrial brasileira encolheu.
Em 2020 a indústria de transformação faturou US$ 114,9 bilhões no mercado externo, 11,3% menos que em 2019. As vendas totais para a Argentina ficaram em US$ 8,48 bilhões, 12,7% abaixo da soma obtida no ano anterior.
Essa dependência do mercado sul-americano é efeito de muitos erros de política industrial. A equipe econômica tem falado sobre maior integração nas cadeias globais de produção, mas nada fez de relevante nessa direção. Não basta abrir mercados e chamar investidores. É preciso pensar na preparação da indústria para novos padrões de eficiência e de competição. Isso envolve ações em muitas frentes e se pode começar o trabalho mesmo antes de reformas importantes, como a tributária. Mas isso será possível somente se os formuladores e condutores da política mostrarem uma percepção mais clara de como funcionam a produção e as trocas no dia a dia do mundo real. Essa percepção nunca foi mostrada por essa equipe econômica.
A produção industrial se recupera, mas falta cuidar de perdas bem anteriores à pandemia.
O ESTADO DE S. PAULO