Neste início de ano legislativo é inevitável a discussão sobre qual deve ser a pauta prioritária do Parlamento em 2021. Sem deixar de reconhecer a importância de outros temas, vou explicar por que entendo que a reforma tributária deve ser um dos itens centrais dessa pauta.
Algumas pessoas podem achar que a reforma da tributação do consumo de bens e serviços – objeto de várias Propostas de Emenda Constitucional em tramitação – não seria prioritária, pois sua implementação pressupõe uma tramitação longa e seus efeitos seriam de longo prazo. Nada mais equivocado.
Embora as propostas de reforma da tributação do consumo efetivamente contemplem uma transição longa, sua aprovação poderia ter efeitos relevantes no curto prazo. Tais efeitos resultam essencialmente do impacto favorável da reforma sobre o potencial de crescimento do País, ainda que sua efetivação ocorra num prazo relativamente longo. A perspectiva de maior crescimento tende a afetar positivamente as expectativas empresariais, criando um ambiente mais propício para o investimento e beneficiando a retomada da economia nos próximos anos.
Adicionalmente, o maior crescimento tem um impacto positivo sobre a arrecadação de tributos, mesmo mantendo a carga tributária constante como proporção do PIB. Se esse aumento da receita for acompanhado de uma política racional de limitação da expansão das despesas públicas, o resultado é um fortalecimento do resultado fiscal. Segundo estimativas do economista Bráulio Borges, esse efeito tende a ser relevante num horizonte de 15 a 20 anos, podendo resultar numa redução de algumas dezenas de pontos porcentuais da relação dívida pública/PIB. Mesmo que esse efeito seja de longo prazo, a melhora das perspectivas de solvência do setor público tem um impacto imediato sobre as expectativas e a curva de juros, podendo ajudar de forma relevante na retomada da demanda e da atividade econômica na saída da crise atual.
Em suma, ainda que os efeitos diretos da reforma tributária sobre a economia sejam de longo prazo, seus impactos indiretos podem ser muito importantes para ajudar na recuperação da economia já no curto prazo. Contrariamente ao senso comum, o que pode ter algum efeito negativo no curto prazo (ainda que positivo no longo prazo) são mudanças na tributação de bens e serviços sem transição, pois as mudanças de preços relativos são mais difíceis de serem absorvidas e podem prejudicar alguns setores já bastante afetados pela pandemia.
Outro motivo para incluir a reforma da tributação do consumo entre as prioridades de 2021 é o ambiente favorável à reforma, seja entre o empresariado, seja entre os entes da Federação. Do ponto de vista do empresariado, hoje – mais do que no passado – há uma clara compreensão dos prejuízos à economia provocados pelas distorções na tributação de bens e serviços. Ainda que alguns setores ainda resistam a uma reforma com alíquotas e regras homogêneas, não há quem defenda a manutenção do sistema atual.
Mais importante, no entanto, é o ambiente federativo positivo, sobretudo entre os Estados – que no passado sempre foram um grande obstáculo ao andamento da reforma tributária. Há hoje uma conjunção favorável à reforma, caracterizada por governadores e secretários de Fazenda com um pensamento racional e moderno sobre questões tributárias, que não necessariamente será mantida após as eleições de 2022.
Há vários motivos que justificam a priorização da reforma da tributação do consumo em 2021. É verdade que o tema da reforma tributária é mais amplo e que há mudanças importantes a serem feitas na tributação da renda, da folha de salários e do patrimônio (algumas das quais talvez sejam factíveis no curto prazo), mas o tema que está mais maduro – técnica e politicamente – é o da reforma da tributação do consumo. Seria um grande desperdício deixar de priorizar essa agenda nos próximos meses.
*DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL
O ESTADO DE S. PAULO