Risco de rompimento do teto cresce com novo valor do salário mínimo

Neste início de ano, uma das perguntas que estão na cabeça de todos é se o mercado já precificou, no valor dos ativos, o rompimento do teto de gastos. A bolsa de valores brasileira está muito perto de seu recorde histórico, depois de ter ido ao chão durante a pandemia. Dito de forma mais direta: a incrível recuperação dos preços dos ativos nos últimos meses já incorpora a possibilidade de que o governo não consiga manter, neste ano, as despesas da União dentro do teto? A questão foi colocada com maior clareza depois que o presidente Jair Bolsonaro elevou o salário mínimo do país para R$ 1.100, a partir de 1º de janeiro deste ano. Todos passaram a questionar se o impacto do aumento do piso salarial nas contas públicas não romperia o teto. Na verdade, as dúvidas sobre a preservação do teto de gastos, a única âncora fiscal brasileira, já vinham sendo colocadas desde que a inflação ganhou fôlego nos últimos meses.

A razão para a desconfiança era muito simples. O valor do teto de gastos foi reajustado em apenas 2,13%, de acordo com a regra que consta da emenda constitucional 95/2016. Ou seja, o limite para as despesas da União em 2021 será o mesmo válido para 2020, corrigido pela inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), de 2,13%. O percentual corresponde ao IPCA acumulado no período de 12 meses terminado em junho do ano passado. O problema é que, a partir de julho, a inflação foi acelerando. A mediana do mercado para o IPCA de 2020 estava em 4,39% na semana passada, de acordo com o boletim Focus do Banco Central. É provável que, hoje, o Focus traga uma taxa ainda mais alta. Mas o importante, para a estimativa da despesa pública é a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), e não pelo IPCA.

Pela legislação em vigor, o INPC corrige o salário mínimo, os benefícios assistenciais e todos os benefícios previdenciários, inclusive aqueles de valor acima do piso salarial. Na semana passada, o Ministério da Economia informou que sua expectativa, em linha com o mercado, é de um INPC em 2020 de 5,22%. O salário mínimo foi corrigido por esse índice, mais um arredondamento. Se a previsão se confirmar, as principais despesas da União serão corrigidas em 5,22%, enquanto o teto foi corrigido em apenas 2,13%. O descasamento entre os dois índices é o que explica as atuais agruras do governo. Como o teto subiu menos, o espaço para o gasto ficou ainda mais estreito. Para que o teto seja mantido, despesas não obrigatórias terão que ser cortadas. E o corte terá que ser muito grande.

A estimativa mais recente do governo para a despesa primária total da União (não inclui o pagamento de juros das dívidas) em 2021 foi divulgada em 14 de dezembro, quando o ministro da Economia, Paulo Guedes, encaminhou ao Congresso Nacional ofício solicitando alterações na meta fiscal deste ano. Junto com o ofício, Guedes enviou um anexo de riscos fiscais, no qual consta que a estimativa oficial para as despesas discricionárias (investimentos e o custeio da máquina pública, exceto pessoal e encargos) é de R$ 83,9 bilhões – o menor nível da história.

No total, estão incluídos R$ 4 bilhões para a capitalização de empresas estatais neste ano, segundo informou a Secretaria de Orçamento Federal (SOF) ao Valor. A despesa da capitalização de estatais não entra no cálculo do teto de gastos. Assim, as despesas discricionárias efetivas neste ano ficariam em R$ 79,9 bilhões. O problema é que a estimativa foi feita com base em um INPC de 4,11%.

A situação ficará muito mais difícil com um INPC de 5,22%. Em seu relatório de riscos fiscais, divulgado em novembro, a Secretaria do Tesouro estimou que um aumento de 0,1 ponto percentual do INPC gera despesa adicional para a União de R$ 768,3 milhões. A diferença entre o INPC utilizado por Guedes em dezembro passado para a estimativa da despesa total da União em 2021 (de 4,11%) e a nova estimativa para o INPC (5,22%) é de 1,11 ponto percentual. Com base no relatório da STN, o 1,11 ponto percentual do INPC deverá gerar uma despesa adicional de R$ 7,760 bilhões, acima do que está previsto no ofício de Guedes. Como serão despesas obrigatórias, a quantia terá que ser compensada pelo corte em igual montante das despesas discricionárias, que, se essa previsão se confirmar, ficarão em torno de R$ 72 bilhões (sem incluir emendas parlamentares e capitalização de estatais). Para todos os especialistas consultados pelo Valor, um corte dessa magnitude deverá paralisar vários serviços públicos – o chamado “shutdown”.

VALOR ECONÔMICO

Compartilhe