A insegurança jurídica entrou no radar dos investidores – principalmente estrangeiros – como ponto de atenção para iniciar ou ampliar negócios no Brasil. O país acumula 5,9 milhões de normas editadas nas três esferas de governo (União, Estados e municípios) desde a Constituição de 1988. No ranking do Fórum Econômico Mundial, ocupa somente o 120º lugar em eficiência do aparato legal para a resolução de disputas. Para uma economia que deveria aplicar R$ 285 bilhões ao ano em infraestrutura para reduzir gargalos no desenvolvimento e hoje investe menos de metade disso, combater fatores de incerteza nos marcos regulatórios e na evolução dos contratos é fundamental, mas nem sempre o que realmente se verifica na prática.
“Vivemos diariamente em um trem-fantasma. A cada esquina é um susto, em que decisões absolutamente monocráticas são tomadas ao arrepio da boa norma e dos procedimentos jurídicos”, diz o presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Venilton Tadini.
Para ele, a insegurança jurídica no setor pode manifestar-se de duas formas: por marcos regulatórios inadequados ou quando a Justiça atua de modo contraditório. Na visão do executivo, havia um “alinhamento crescente e gradual” entre os principais atores do jogo – governos, agências reguladoras, tribunais superiores e órgãos de controle – para resolver pendências e dar mais previsibilidade aos investidores. “Com a pandemia, no entanto, houve um acúmulo de problemas que se somam às pendências anteriores e criam um novo tensionamento.”
Em pesquisa recente com 142 gestores de investimentos e especialistas em estruturação de projetos de infraestrutura, a Abdib e a Ernst Young constataram especial preocupação com o desequilíbrio econômico-financeiro de concessões por perdas decorrentes da pandemia de covid-19. Para 48,6% dos entrevistados, a questão será resolvida em “poucos contratos” em que o pedido de reequilíbrio foi solicitado. “Se uma pandemia não é caso fortuito ou motivo de força maior, não tenho ideia do que mais poderia ser”, diz Tadini.
Um dos casos mais polêmicos está no setor elétrico. As distribuidoras alegam perdas em torno de R$ 6 bilhões por causa da pandemia. Em uma proposta inicial, levada para consulta pública, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) fixou um rígido teste de admissibilidade para os pleitos de reequilíbrio apresentados pelas empresas. Para elas, esse “corredor polonês” acabará por restringir ou impedir a recomposição integral do prejuízo. Tido como um dos maiores especialistas em infraestrutura do país e presidente da consultoria Inter.B, o economista Claudio Frischtak avalia que a insegurança jurídica e a imprevisibilidade regulatória funcionam como uma “doença invisível”, que aumenta os custos de transação no setor. “Sem isso, teríamos mais investimentos e competição. No fim das contas, o investidor cobra um prêmio de risco para colocar dinheiro no nosso país. Quando se paga esse prêmio, um número menor de projetos se torna viável e atrai interessados.”
Frischtak afirma que, apesar dos avanços propiciados pela nova Lei Geral das Agências (13.848 de 2019), há uma percepção dos investidores de fragilidade institucional em órgãos reguladores estaduais e politização dos federais. A indicação de militares próximos ao presidente Jair Bolsonaro para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e de um secretário parlamentar do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) reforça essa percepção recente.
Outra fonte de desconforto, segundo o consultor, são mudanças súbitas de regras por interpretação do Judiciário. Ele diz que isso impacta não apenas o setor diretamente afetado por uma decisão judicial, mas eleva o sentimento de risco de forma mais geral, principalmente entre estrangeiros. “O que fazer? Duas coisas são fundamentais: despolitizar as agências para valer e sensibilizar o Poder Judiciário para a análise econômica do direito, começando pelos tribunais superiores, principalmente STF e STJ”, opina.
VALOR ECONÔMICO