O prazo mínimo de 90 dias para assinar acordos de participação em lucros e resultados (PLR) antes do seu pagamento, explícito na Lei nº 14.020, e o fato de o empate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) passar a ser uma vitória para o contribuinte, com a entrada em vigor da Lei nº 13.988, podem beneficiar centenas de empresas. A estratégia de advogados tributaristas é combinar as duas leis, aprovadas em 2020, para derrubar cobranças de contribuições previdenciárias sobre a PLR. Desde 2015, o Carf baixou mais de 320 acórdãos sobre o assunto – a maioria contrário às empresas – e muitos desses casos devem ir para a Justiça. O banco BTG Pactual e controladas, por exemplo, estão num litígio que soma R$ 608,9 milhões. O Santander foi autuado em R$ 5,4 bilhões. Já o Itaú informa, em seu balanço, disputa de R$ 1 bilhão.
Para as empresas e instituições financeiras, a principal mudança é resultante da derrubada de vetos à Lei nº 14.020 pelo Congresso Nacional, no começo deste mês. A norma traz a novidade do prazo mínimo de 90 dias entre as parcelas a serem pagas e o período de dez dias para o sindicato responder sobre as propostas para o PLR – do contrário, o acerto pode ser feito diretamente com o funcionário. Antes, esses pontos geravam autuações fiscais. Advogados pedem nos processos em andamento na esfera administrativa e judicial a aplicação retroativa da norma. O argumento é que, ao determinar o prazo mínimo, a norma não inova, mas apenas presta um esclarecimento para a interpretação incorreta da Receita Federal.
Não há ainda casos julgados com esse pedido. Mas a tese tem alguma chance na esfera administrativa por causa da Lei nº 13.988, de abril, que muda o voto de desempate no Carf a favor dos contribuintes. Agora, se o julgamento empatar, prevalece o voto favorável aos contribuintes e não mais à União. A tentativa de facilitar o uso de PLR sem tributação vem desde o ano passado, com a Medida Provisória (MP) 905, que criou a Carteira de Trabalho Verde e Amarela. A proposta perdeu a validade, mas antes disso advogados chegaram a pedir no Carf a aplicação retroativa das mudanças. O pleito foi negado, mas com resistência. Na primeira ação com o argumento, a conselheira Ana Paula Fernandes, representante dos contribuintes, defendeu a aplicação retroativa. Para ela, tratava-se de uma interpretação de norma antiga e não uma mudança.
A conselheira afirmou, naquele julgamento, que esse é o posicionamento de metade da Câmara Superior, porém o caso era vencido no voto de qualidade – na época, o desempate ainda favorecia o Fisco. No acórdão, consta que a norma não retroage (12448.723500/2011-12). Em outro julgado, da mesma época, o contribuinte perdeu o mérito por voto de qualidade e também teve negado o pedido sobre a MP 905. Contudo, o acórdão não detalha como foram os votos sobre a norma (16327.720779/2014-44).
O relator da MP 936, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), incorporou as mudanças da PLR em seu parecer. Prevendo pedidos semelhantes, determinou que as regras seriam aplicadas aos casos em andamento. Assim como as outras mudanças sobre PLR, essa parte foi vetada pela Presidência da República, mas, diferente dos outros itens, esse veto não foi derrubado. Com a manutenção do veto, a Fazenda deve alegar que o Carf não poderá aplicar a medida de forma retroativa. A justificativa para as autuações fiscais é a de que as empresas não seguem os critérios estabelecidos para a isenção dos encargos previdenciários. Entre eles, os que exigem a assinatura do acordo no ano anterior ao do benefício, a participação de sindicato e a edição de regras claras e objetivas.
Para advogados, a aplicação cabe porque as mudanças sobre PLR seriam interpretativas, só explicam o que já existia, sem criar novas regras, e, portanto, retroativas. Dois pontos que geravam problemas frequentemente para as empresas são a data de assinatura do plano no sindicato e sua presença nas negociações. Na legislação anterior, os critérios não eram claros, segundo tributaristas.
Para o advogado Caio Taniguchi, sócio do escritório TSA Advogados, independentemente do que consta na lei, o Fisco questionaria a retroatividade, mesmo se estivesse no texto. “Não basta uma norma dizer que ela é interpretativa, ela tem que ser. O contrário também é verdade”, diz. Ele afirma que só uma das mudanças não é retroativa – o prazo para o sindicato compor a comissão paritária. Ainda segundo Taniguchi, o artigo 106, II do Código Tributário Nacional determina a aplicação retroativa quando a norma é expressamente interpretativa ou interpretativa e o ato em discussão ainda não foi definitivamente julgado – que seria o caso dos processos em andamento. O advogado destaca que a mudança com a Lei 14.020 apenas restabelece o entendimento que prevalecia no Carf antes da reformulação do conselho após a Operação Zelotes.
Por causa desses precedentes, o pedido de retroatividade pode ser secundário, diz Leandro Cabral, sócio do Velloza Advogados Associados. Para ele, como há decisões do Carf favoráveis aos contribuintes, mesmo com a interpretação antiga, o primeiro pedido seria para seguir esses precedentes. Os pedidos para mudança nas regras, segundo deputados, partiram da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) e da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) com os sindicatos de trabalhadores de cada categoria, sob o argumento de que a falta de segurança jurídica levaria à suspensão dos PLRs.
Procuradas, a Anfavea não quis comentar e a Febraban disse que “é importante a manutenção da segurança jurídica para a continuidade desse benefício que favorece milhões de trabalhadores de vários setores da economia”. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirmou que o tema é relevante para a União e o acompanha de perto.
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