Mudanças em lei renovam defesa de empresas em disputas sobre PLR

O prazo mínimo de 90 dias para assinar acordos de participação em lucros e resultados (PLR) antes do seu pagamento, explícito na Lei nº 14.020, e o fato de o empate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) passar a ser uma vitória para o contribuinte, com a entrada em vigor da Lei nº 13.988, podem beneficiar centenas de empresas. A estratégia de advogados tributaristas é combinar as duas leis, aprovadas em 2020, para derrubar cobranças de contribuições previdenciárias sobre a PLR. Desde 2015, o Carf baixou mais de 320 acórdãos sobre o assunto – a maioria contrário às empresas – e muitos desses casos devem ir para a Justiça. O banco BTG Pactual e controladas, por exemplo, estão num litígio que soma R$ 608,9 milhões. O Santander foi autuado em R$ 5,4 bilhões. Já o Itaú informa, em seu balanço, disputa de R$ 1 bilhão. Para as empresas e instituições financeiras, a principal mudança é resultante da derrubada de vetos à Lei nº 14.020 pelo Congresso Nacional, no começo deste mês. A norma traz a novidade do prazo mínimo de 90 dias entre as parcelas a serem pagas e o período de dez dias para o sindicato responder sobre as propostas para o PLR – do contrário, o acerto pode ser feito diretamente com o funcionário. Antes, esses pontos geravam autuações fiscais. Advogados pedem nos processos em andamento na esfera administrativa e judicial a aplicação retroativa da norma. O argumento é que, ao determinar o prazo mínimo, a norma não inova, mas apenas presta um esclarecimento para a interpretação incorreta da Receita Federal. Não há ainda casos julgados com esse pedido. Mas a tese tem alguma chance na esfera administrativa por causa da Lei nº 13.988, de abril, que muda o voto de desempate no Carf a favor dos contribuintes. Agora, se o julgamento empatar, prevalece o voto favorável aos contribuintes e não mais à União. A tentativa de facilitar o uso de PLR sem tributação vem desde o ano passado, com a Medida Provisória (MP) 905, que criou a Carteira de Trabalho Verde e Amarela. A proposta perdeu a validade, mas antes disso advogados chegaram a pedir no Carf a aplicação retroativa das mudanças. O pleito foi negado, mas com resistência. Na primeira ação com o argumento, a conselheira Ana Paula Fernandes, representante dos contribuintes, defendeu a aplicação retroativa. Para ela, tratava-se de uma interpretação de norma antiga e não uma mudança. A conselheira afirmou, naquele julgamento, que esse é o posicionamento de metade da Câmara Superior, porém o caso era vencido no voto de qualidade – na época, o desempate ainda favorecia o Fisco. No acórdão, consta que a norma não retroage (12448.723500/2011-12). Em outro julgado, da mesma época, o contribuinte perdeu o mérito por voto de qualidade e também teve negado o pedido sobre a MP 905. Contudo, o acórdão não detalha como foram os votos sobre a norma (16327.720779/2014-44). O relator da MP 936, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), incorporou as mudanças da PLR em seu parecer. Prevendo pedidos semelhantes, determinou que as regras seriam aplicadas aos casos em andamento. Assim como as outras mudanças sobre PLR, essa parte foi vetada pela Presidência da República, mas, diferente dos outros itens, esse veto não foi derrubado. Com a manutenção do veto, a Fazenda deve alegar que o Carf não poderá aplicar a medida de forma retroativa. A justificativa para as autuações fiscais é a de que as empresas não seguem os critérios estabelecidos para a isenção dos encargos previdenciários. Entre eles, os que exigem a assinatura do acordo no ano anterior ao do benefício, a participação de sindicato e a edição de regras claras e objetivas. Para advogados, a aplicação cabe porque as mudanças sobre PLR seriam interpretativas, só explicam o que já existia, sem criar novas regras, e, portanto, retroativas. Dois pontos que geravam problemas frequentemente para as empresas são a data de assinatura do plano no sindicato e sua presença nas negociações. Na legislação anterior, os critérios não eram claros, segundo tributaristas. Para o advogado Caio Taniguchi, sócio do escritório TSA Advogados, independentemente do que consta na lei, o Fisco questionaria a retroatividade, mesmo se estivesse no texto. “Não basta uma norma dizer que ela é interpretativa, ela tem que ser. O contrário também é verdade”, diz. Ele afirma que só uma das mudanças não é retroativa – o prazo para o sindicato compor a comissão paritária. Ainda segundo Taniguchi, o artigo 106, II do Código Tributário Nacional determina a aplicação retroativa quando a norma é expressamente interpretativa ou interpretativa e o ato em discussão ainda não foi definitivamente julgado – que seria o caso dos processos em andamento. O advogado destaca que a mudança com a Lei 14.020 apenas restabelece o entendimento que prevalecia no Carf antes da reformulação do conselho após a Operação Zelotes. Por causa desses precedentes, o pedido de retroatividade pode ser secundário, diz Leandro Cabral, sócio do Velloza Advogados Associados. Para ele, como há decisões do Carf favoráveis aos contribuintes, mesmo com a interpretação antiga, o primeiro pedido seria para seguir esses precedentes. Os pedidos para mudança nas regras, segundo deputados, partiram da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) e da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) com os sindicatos de trabalhadores de cada categoria, sob o argumento de que a falta de segurança jurídica levaria à suspensão dos PLRs. Procuradas, a Anfavea não quis comentar e a Febraban disse que “é importante a manutenção da segurança jurídica para a continuidade desse benefício que favorece milhões de trabalhadores de vários setores da economia”. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirmou que o tema é relevante para a União e o acompanha de perto. VALOR ECONÔMICO
‘Pejotização’ nos condomínios vai doer no bolso dos moradores (Márcio Rachkorsky)

De tempos em tempos, surgem ideias mirabolantes para fraudar as regras de empego e trabalho previstas na CLT, sob a falsa alegação de diminuição dos custos com os funcionários e de fomento à criação de novas vagas de trabalho. Anos atrás, inventaram as cooperativas, por meio das quais os trabalhadores, em vez de empregados, eram rotulados como cooperados. Em tal condição, eles não tinham registro em carteira, férias, décimo terceiro e demais direitos trabalhistas. Todavia, como pseudocooperados, exerciam funções típicas de funcionários —um verdadeiro crime contra a organização do trabalho. Felizmente, os órgãos públicos responsáveis combateram, fiscalizaram e praticamente aniquilaram essa prática. Atualmente, restam milhares de ações trabalhistas pendentes, com prejuízos milionários aos tomadores de serviços. Enquanto isso, os líderes das cooperativas passeiam por aí em seus barcos e carrões de luxo. As verdadeiras e legítimas cooperativas, de extrativistas, agricultores, produtores rurais e outras atividades seguem firmes e fortes, como uma saída digna e inteligente para viabilizar as atividades e unir os pequenos produtores. Atualmente, o novo fenômeno para burlar a CLT e maquiar relações empregatícias nos condomínios é a “pejotização”, uma derivação enfadonha da sigla PJ (pessoa jurídica). Trocando em miúdos, significa contratar alguém como PJ em vez de PF (pessoa física), ou seja, alguém que tenha uma empresa e emita nota. Empreender, abrir uma empresa, prestar serviços em determinada área é o sonho de milhões de brasileiros. O movimento é essencial para nossa economia e, felizmente, as MEIs (microempresas individuais) não param de crescer. Porém, na onda da “pejotização”, muitos condomínios decidiram substituir funcionários pelo famoso PJ, gerando extremo risco trabalhista e previdenciário. Isso vai doer no bolso dos moradores logo, logo. As condenações trabalhistas chegarão e toda economia supostamente gerada vai se transformar em grande prejuízo. Se ocorrer um acidente do trabalho, então, aí é que o molho azedará de vez. Síndicos e administradores poderão ser responsabilizados pessoalmente. Vale frisar que a CLT estabelece claramente os elementos para configuração do vínculo de emprego. São eles: habitualidade, pessoalidade, dependência econômica, exclusividade, subordinação hierárquica e vinculação a horário. Assim, um cidadão que trabalha todo dia no condomínio, de forma pessoal e habitual, é funcionário. Se recebe salário fixo, ordens, tem jornada ou escala é funcionário, jamais um prestador de serviço. Ele não pode ser contratado como pessoa jurídica e emitir nota. A jurisprudência é pacífica e consolidada nesse sentido, e a Justiça do Trabalho entende que é a realidade fática da função exercida que caracterizará a relação de trabalho, não a nomenclatura criada para desvirtuar a natureza de uma atividade profissional. Em resumo, nos condomínios, prestador de serviços pode e deve ser PJ. Quanto ao funcionário, somente com registro em carteira, seja ele próprio ou terceirizado. Márcio RachkorskyAdvogado, é membro da Comissão de Direito Urbanístico da OAB-SP. FOLHA DE S. PAULO
Reforma em Portugal vira referência

Referência no Brasil como modelo de gestão da meritocracia, a reforma administrativa de Portugal criou uma agência independente para recrutar e selecionar, por concurso, os dirigentes da alta direção do serviço público. A ideia de uma agência reguladora do RH do serviço público começa a ganhar força também no Brasil, em meio à discussão da reforma administrativa em tramitação no Congresso, para afastar a ingerência política na escolha dos dirigentes. Primeiro presidente da Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP) de Portugal, João Bilhim, explicou que, pela legislação aprovada lá, a agência não pede nem pode receber orientações dos governos para fazer a seleção. O especialista falou sobre a experiência da reforma administrativa portuguesa no Canal “Um Brasil”, da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP), no YouTube. Segundo ele, a criação dessa nova agência permitiu a atração de candidatos potencialmente qualificados para o desempenho do cargo. O novo órgão tem, de acordo com ele, métodos de seleção com técnicas específicas de avaliação para a adequação dos candidatos às exigências do cargo, na busca da “pessoa certa para o lugar certo”. Identificada a necessidade de recrutamento, um júri designado estabelece os critérios a serem aplicados na seleção de candidatos a cargos de direção superior, com a definição do perfil para o posto. Só depois é publicada a abertura do procedimento para o concurso. O recrutamento é aberto para seleção interna e externa. Pode se candidatar também quem não possua qualquer vínculo com a administração pública, desde que tenha cidadania portuguesa e ensino superior. A seleção tem as fases de triagem das candidaturas, entrevistas, provas de competências, testes e decisão final sobre a escolha. O especialista lembrou que até 1999 todos os dirigentes superiores em Portugal eram designados por escolha política. “É um modelo que tem sido adotado pelos países com os melhores serviços públicos do mundo. Não vejo por que não funcionar aqui”, afirmou o presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Reforma Administrativa, deputado Tiago Mitraud (Novo-MG). Para ele, o modelo ajuda na blindagem contra interferências políticas do governo de plantão. “O intuito é justamente esse. Dar um caráter técnico para escolha dos nomes”, disse o deputado. No Brasil, o governo ainda tem à disposição cargos de livre nomeação na administração pública, além de poder indicar o alto escalão das estatais, sem nenhum tipo de concurso público. Para o presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Serviço Público, deputado Israel Batista (PV-DF), a proposta de uma agência independente pode ser importante. Segundo ele, a frente tem interesse que haja um órgão independente na condução da gestão de pessoas, com servidores especializados na área de pessoal. “Para nós, esse ponto seria algo fundamental”, disse. Segundo o deputado, o governo não se pronunciou sobre isso, mas a proposta entregue ao Congresso trata desse assunto, na prática, ao prever a criação de uma lei complementar que vai dispor sobre normas gerais de gestão de pessoas. Avaliação é integrada a planejamento anualSobre a forma de avaliar os servidores, Bilhim diz que, em Portugal, o sistema é integrado a um planejamento anual. Os objetivos e metas são dados para uma determinada secretaria, que distribui para os departamentos. Avalia-se ao mesmo tempo o servidor e o departamento. “As grandes empresas têm sistema de avaliação da equipe porque não estão a perder dinheiro”, disse. No Brasil, ao entregar a reforma em setembro, o Ministério da Economia informou que projeto de lei complementar que regulamenta a possibilidade de desligamento de servidor público por “baixo desempenho” está em fase de elaboração. Nesse caso, as regras valeriam não somente para novos servidores públicos como também para os atuais funcionários. Atualmente, essa possibilidade de exoneração por mau desempenho não existe. Uma emenda à Constituição aprovada em 1998 prevê o desligamento, mas a regulamentação do tema, que depende de uma lei complementar, nunca foi concluída. O ESTADO DE S. PAULO
Auditoria deve fazer mais do que apontar erros, diz pesquisa

Em um cenário em que a pandemia global, as mudanças climáticas e a recessão ameaçam a lucratividade e até a viabilidade de alguns negócios, as auditorias internas devem ser ajudar mais as empresas para os tempos turbulentos. É o que mostra pesquisa da consultoria Deloitte com presidentes e membros de comitês de auditoria de mais de 130 empresas espalhadas por 20 países, inclusive o Brasil. Inteligência. Um total de 70% disseram que a auditoria interna deve dedicar mais tempo às atividades consultivas, ou seja, ir além da função de asseguração do trabalho da administração. Para 92%, deve ajudar as companhias a se prepararem para riscos emergentes. No Brasil, a percepção é que as auditorias ainda têm uma leitura tradicional de sua função. O relatório é parceria com o Instituto dos Auditores Internos do Brasil (IIA). Medo de errar? Para 86%, os gestores são incentivados a relatar questões de riscos e deficiências de controles internos aos comitês de auditoria, mas hesitam. As razões incluem medo de retaliação e desejo de ter a solução antes de revelar o problema. Falha na comunicação. Outro recado: os relatórios das auditorias hoje são obsoletos e chegam atrasados: 63% acham que a auditoria interna deve reportar os resultados com mais rapidez. De preferência, com melhorias nas mensagens, apresentações, acessibilidade e interatividade dos relatórios. O ESTADO DE S. PAULO
‘O maior erro dos investidores é excesso de confiança’

O economista americano Richard Thaler, de 75 anos, prêmio Nobel de Economia em 2017, é um dos expoentes da chamada “economia comportamental’, a corrente que estuda os efeitos da psicologia nas decisões econômicas. No best-seller Nudge – Um Pequeno Empurrão, escrito em parceria com o jurista Cass Sunstein e publicado em 2009, Thaler questiona a premissa de que os indivíduos tomam decisões econômicas de forma racional – adotada como verdade absoluta pelos economistas clássicos e neoclássicos – e apresenta um roteiro para ajudar a prevenir as escolhas erradas que fazemos em nossas vidas. Nesta entrevista ao Estadão, realizada por e-mail, Thaler fala sobre como a pandemia está mudando o comportamento das pessoas e como isso vai moldar o mundo daqui para a frente. Fala também sobre os erros cometidos pelos investidores e sobre o que fazer para evitá-los. “O maior erro que os investidores cometem é o excesso de confiança”, afirma Thaler, que dará uma palestra por vídeoconferência amanhã, no Congresso Brasileiro de Mercado de Capitais, promovido pela B3 e pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima). Como a pandemia afetou o nosso comportamento econômico e social e de que forma isso pode moldar as nossas vidas no futuro?A pandemia é um momento determinante para o mundo. Desde o começo de março, a vida mudou para a maioria de nós. Tornou-se um teste para todos. Eu mesmo fui atingido em muitos aspectos por ela. Primeiro, a doença está tornando as nossas sociedades já desiguais ainda mais assimétricas. Nos Estados Unidos, as classes mais educadas não estão sofrendo muito, a não ser quando contraem a doença. As pessoas estão trabalhando em casa e lutando para educar os próprios filhos e cozinhar as suas próprias refeições. Mas, para a maioria, os meios de vida não foram ameaçados. Os mais abonados estão até reforçando a poupança, porque não têm em que gastar seu dinheiro. No caso dos menos privilegiados, como foi o impacto da pandemia?Os que trabalham na área de serviços, especialmente em restaurantes, hotéis e companhias aéreas, sofreram um duro golpe financeiro, e os profissionais de saúde que estão atuando na linha de frente da pandemia estão arriscando as suas vidas diariamente para cuidar dos doentes. Com certeza, trata-se de um grande teste para qualquer líder político e alguns estão claramente se dando melhor do que outros. Não consigo me lembrar de outra época em que tenha havido tanta incerteza. Todos nós estamos vivendo um dia de cada vez – e é provável que continue assim pelo menos por mais um ano, até surgirem vacinas para combater o vírus. São tempos assustadores. O que mais chamou a sua atenção em termos de comportamento econômico na pandemia?Em muitos casos, o comportamento mudou bem antes da adoção das medidas de isolamento social. A frequência a restaurantes e a realização de reservas aéreas, por exemplo, caíram rapidamente em meados de março, bem antes de as empresas fecharem. As pessoas têm bom senso. Bom, ao menos algumas pessoas têm. Ao contrário do que diz a teoria econômica clássica e neoclássica, o sr. afirma que, muitas vezes, as nossas decisões econômicas são irracionais. Como isso afeta as pessoas, os mercados e os países?Eu não gosto muito de usar a palavra “irracional”. Ser racional tem um significado especial em economia e o primeiro problema foi com os modelos que se baseiam em suposições irrealistas sobre comportamento. É claro que muitas pessoas são ingênuas sobre muitos aspectos de seu bem estar financeiro. Por isso, é importante que a gente as ajude sempre que possível. Mas algumas vezes, as pessoas pensam que eu estou criticando os seres humanos. É uma interpretação equivocada. Não é que as pessoas são burras. O mundo é que é duro. Como a gente pode se proteger contra a nossa própria irracionalidade econômica?Há muitas coisas que podemos fazer para nos proteger de nossas falhas. Todo mundo sabe que, às vezes, nós esquecemos das coisas. Por isso, fazemos listas. Colocamos alarmes para nos acordar e escrevemos compromissos importantes nos nossos calendários, para não perdê-los. Em questões financeiras, muitas famílias podem se beneficiar se fizerem as coisas de forma automática. Para muita gente, a melhor e talvez a única forma de poupar é se o dinheiro for tirado diretamente de seus contracheques antes que tenham a chance de gastá-lo. Os governos podem ajudar ao criar mecanismos que permitam que cada trabalhador possa direcionar diretamente uma parte de seu salário para a poupança. Também é importante oferecer estratégias sensatas de investimento, para que as pessoas não tenham de se tornar gestoras de seus próprios portfólios. Nós não fazemos cirurgias em nós mesmos. Chamamos médicos para fazê-las para nós. Com o nosso dinheiro, deveria acontecer a mesma coisa. O professor Robert Schiller, também Prêmio Nobel de Economia, certa vez afirmou que ‘é o espírito animal que faz a economia andar’ e que tomamos decisões com base na intuição, e não na razão. Como isso se encaixa na sua teoria sobre os erros que cometemos nas nossas decisões?Espírito animal é um termo confuso. Eu prefiro pular esta pergunta. Se o sr. pudesse fazer uma única recomendação relacionada ao comportamento dos investidores no mercado, qual seria ela? Por quê?O maior erro que os investidores cometem é o excesso de confiança. O maior perigo é quando as pessoas acham que podem selecionar uma ação específica para tentar “bater o mercado”. Os fatos mostram que a maioria dos gestores ativos (que selecionam papéis específicos para investir, em vez de montar uma carteira que espelhe os índices de mercado) fracassa ao fazer isso. É difícil. Sou diretor de uma empresa de gestão de recursos que adota uma estratégia ativa no mercado, mas nós contratamos pessoas muito inteligentes, damos a elas acesso a toneladas de informação e – mais importante – disciplina, para conseguir bons resultados. Quando falo em disciplina, quero dizer que nós tentamos apostar nos erros previsíveis dos outros. Isso é mais fácil do que tentar evitar os próprios erros. Na prática, o que isso significa?Por exemplo: pode
Com ajuda do câmbio, demanda alta e safra recorde, renda no campo sobe 37%

Enquanto a indústria, varejo e os serviços ainda mal conseguiram se recompor do baque provocado pela paralisação da atividade em razão da covid-19, o campo comemora crescimento de quase 40% na receita obtida com a venda de grãos. Produção recorde de mais de 250 milhões de toneladas, forte demanda externa puxada pela China e outros países asiáticos, preços internacionais da soja e do milho historicamente elevados e, principalmente, a desvalorização de mais de 30% do câmbio neste ano explicam a grande injeção de recursos no campo. “Foi o alinhamento perfeito dos astros”, diz o economista Fabio Silveira, sócio da Macrosector, a respeito dessa combinação favorável de fatores que sustenta esse resultado. A pedido do Estadão, o economista projetou quanto os agricultores devem embolsar neste ano. Serão R$ 347,2 bilhões com a venda das safras de soja, milho, arroz, feijão, trigo, algodão e outros grãos, levando em conta dados de produção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e preços apurados pela Fundação Getulio Vargas (FGV), secretarias de agricultura e cotados na Bolsa de Cereais, entre outras fontes. É uma cifra 37,4% maior que em 2019, o maior crescimento em quase 20 anos. Só perde para 2003, quando o avanço na receita beirou 50%, também impulsionada pela desvalorização do câmbio. Essa montanha de dinheiro se espalha pelas pequenas cidades do interior do País ligadas ao agronegócio e muda o ritmo de atividade econômica desses municípios. O movimento é mais nítido sobretudo nos estados do Paraná, Goiás e Mato Grosso, fortes na produção de soja e milho e que registraram, de acordo com o estudo da consultoria, os maiores avanços nas receitas. O Paraná foi o que mais ampliou a receita agrícola de grãos este ano, com avanço de 53,8%, seguido por Goiás (36,3%) e Mato Grosso (33,2%). Já o Rio Grande do Sul ficou na lanterna, com avanço de 3,4%, por conta da quebra na safra. Em Ponta Grossa, que fica na região de Campos Gerais, onde estão as lavouras mais ricas do Paraná, há fila de espera de até 90 dias para comprar caminhonete zero quilômetro em pelo menos quatro concessionárias de marcas diferentes. O veículo pode custar até R$ 215 mil. Só a produtora Ana Terezinha Slusarz, que cultiva 1,4 mil hectares com soja, milho, trigo, aveia e feijão nos municípios de Ponta Grossa e Tibagi (PR), comprou duas picapes com os ganhos da safra 2020. Outra parte do lucro investiu na aquisição de dois imóveis e adquiriu vários equipamentos agrícolas. “Este ano colhi muito bem e fiquei impressionada com os preços bons”, diz. Há 13 anos Ana toca as fazendas que foram conduzidas pelo pai por mais de 30 anos. A cotação da saca de soja, hoje na faixa de R$ 170, é o dobro em relação há um ano e está em níveis recordes. No milho, o quadro não é diferente. O preço da saca do grão em 2019 girou em torno de R$ 35 e, neste ano, a média é R$ 66. Pela proximidade do porto, os grãos produzidos no Paraná têm preços maiores do que em outros Estados agrícolas e isso amplia a renda dos produtores. “Tanto o milho como a soja estão indo muito bem”, diz Edmar Gervásio, analista da Secretaria da Agricultura do Paraná. Como a cotação dessas commodities é definida no mercado internacional e em dólar, a desvalorização cambial aumenta o preço do produto em reais e coloca mais dinheiro para girar nas cidades do interior. ImpactoNo Paraná, o peso do campo na economia dos 399 municípios é significativo. A agropecuária responde, em média, por mais da metade (52%) da geração de riqueza das cidades, aponta um estudo do economista Luiz Eliezer Ferreira, da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep). Ele chegou a essa conclusão a partir de dados oficiais da Secretaria da Fazenda. “Quando há um boom de preços das commodities, a riqueza transborda e se espalha pelas cidades do interior”, diz. Atrás dessa riqueza, o Magazine Luiza começou a formar este ano grupos de consórcio para gerar cartas de crédito destinadas à compra de máquinas agrícolas, de terras, construção de silos, serviços de pulverização de lavouras, entre outras finalidades. No segmento de veículos pesados, que envolve máquinas agrícolas, o consórcio cresceu 183% este ano. Claudio Ribeiro, gerente da divisão de vendas do consórcio Magalu nos três Estados do Sul, diz que o mercado de produtos e serviços para o agronegócio sempre esteve no radar. “Mas, neste ano, realmente o nosso foco se abriu para esse mercado em expansão.” A empresa, que nunca teve lojas físicas próprias exclusivas para o consórcio, já abriu desde janeiro três no Paraná. Até dezembro, planeja inaugurar mais sete no Estado. “Nas praças onde a receita vem da agricultura, a inadimplência é baixa.” EmpregosEmbora a agricultura não seja um setor que gere tantos empregos quanto o comércio e os serviços, a riqueza criada dentro da porteira se espalha, movimenta a economia dos municípios do interior do País e acaba gerando contratações em outros segmentos. Um levantamento feito pelo economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fabio Bentes, revela que, entre os cem municípios que mais ampliaram a quantidade de postos formais de trabalho neste ano até setembro, 26 estão nos três Estados que também mais expandiram a receita agrícola na safra 2019/2020. Em primeiro lugar, está o Paraná, com 11 cidades; depois Goiás, com 9; e Mato Grosso, com 6 municípios. O relevante é que o Paraná foi o Estado que registrou, segundo estudo da MacroSector Consultores, o maior avanço na receita de grãos este ano (53,8%), seguido por Goiás (36,3%) e Mato Grosso (33,2). Para chegar a esse resultado, Bentes considerou o estoque de emprego formal dos municípios pela Relação Anual de Informações Sociais, do Ministério da Economia, e cruzou essas informações com os micro dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) até setembro. Os três Estados respondem por 14% dos trabalhadores formais do País. Já entre os cem municípios que mais expandiram o
Constituição – realidade e ficção (Almir Pazzianotto Pinto)

determina de uma maneira fundamental e permanente o ordenamento do Estado” (Da Constituição, Ed. José Konfino, 1956). Poderia ter dito apenas “conjunto de normas fundamentais que regem a organização do Estado”. As definições convergem, todavia, na afirmação de que compete à Constituição determinar regras fundamentais. Tudo o que não for fundamental pertence à esfera da legislação ordinária. Assim o dizia o artigo 178 da longeva Carta Imperial de 1824, que vigorou por 65 anos e recebeu emenda uma única vez: “É só Constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições dos respectivos Poderes Políticos e aos Direitos Políticos e individuais dos cidadãos. Tudo o que não for constitucional pode ser alterado, sem as formalidades requeridas, pelas Legislaturas ordinárias”. A Constituição republicana de 1891 foi a que mais se aproximou do salutar princípio. Daí ter durado 40 anos, com poucas mudanças, feitas de uma só vez, em 3/9/1926. Para ser verdadeira e não descambar para o enganoso terreno da utopia, a Lei Fundamental deve refletir a realidade e não oferecer mais do que a infraestrutura econômica consegue proporcionar. Como diria Oliveira Vianna, o traço dominante das últimas constituintes consiste na fatídica crença no poder mágico das palavras. Da Constituição de 1988 recolho como exemplos de ilusionismo o elenco dos direitos sociais, a definição do salário mínimo, a proteção contra a automação na forma da lei, as garantias relativas à saúde, à educação, à segurança, ao emprego, ao trabalho (artigos 6.º e 7.º, IV e XXVII, 144, 170, 196, 205). Os direitos sociais relacionados nos 34 incisos do artigo 7.º oferecem frágil cobertura a minoritário mercado formal, onde se encontram os que têm carteira profissional anotada. Para a maioria desempregada, subocupada ou desalentada prevalece a lei da oferta e da procura, agravada pela crise aprofundada pela pandemia, cuja extensão o presidente Jair Bolsonaro insiste em menosprezar. São 14 milhões de desempregados, 9 milhões sem carteira profissional assinada, 21,4 milhões de autônomos, 51,7 milhões abaixo da pobreza, vítimas das fantasias dos constituintes de 1988. Direitos fundamentais, inalienáveis, indisponíveis e imprescritíveis são a igualdade perante a lei, a liberdade de imprensa e de opinião, a dignidade, a cidadania, a pluralidade política, o voto universal e secreto, o acesso ao trabalho e à livre-iniciativa. Não basta, para usufruí-los, que se encontrem escritos e encadernados. A Constituição dos Estados Unidos da América, aprovada em 17/9/1789 por 55 delegados representantes de 12 Estados, tem sete artigos, emendados 20 vezes. Não faz referência a direitos sociais, que só se concretizam quando o Estado é democrático e a economia, vigorosa, funciona bem. Para que a admiremos a Constituição deve ser conhecida e manter vínculos de fidelidade com o povo. Eruditos comentários redigidos por acadêmicos e professores estão fora do alcance do grosso da população. São ótimos para a venda de livros que dissertam sobre mundo irreal. O Idealismo da Constituição, livro de Oliveira Vianna, talvez o único que analisou o fracasso da Constituição de 1934, está fora de circulação. Parafraseando o autor, a Constituição de 1988 falhou por instituir relações conflitantes entre idealismo, utopia e realidade nacional. Fonte do direito positivo ordinário é a vontade revelada pelo Estado. Fonte do direito constitucional, entretanto, é a vontade revelada pelo povo por meio dos seus representantes, salvo quando não dimana, como em 1964, da ruptura da ordem jurídica provocada por golpe militar. Fazer da demagogia, em conluio com forte dose de utopia, fonte do Direito Fundamental foi o erro em que incidiram deputados e senadores eleitos em 1986, investidos erroneamente de poder constitucional. Estamos a caminho da nona Constituição. Se não encontrarmos a fórmula política consensual para redigi-la e promulgá-la, a letal combinação entre crise econômica e crise social poderá deflagrar crise institucional cujo desfecho virá, como em 1964, pela violência das armas. ADVOGADO, FOI MINISTRO DO TRABALHO E PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO O ESTADO DE S. PAULO
Brasil faz retirada gradual de estímulos, afirma Guedes

O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse ao Valor que o Brasil está praticando a recomendação do Fundo Monetário Internacional (FMI), reiterada na reunião de ontem do G20, de manter apoio à economia enquanto há a crise de saúde. “Prorrogamos duas vezes o auxílio emergencial. Renovamos a primeira vez em R$ 600. Depois renovamos novamente até o fim do ano, mas desta vez em R$ 300. Nós já estamos praticando o que eles estão falando. Temos praticado a retirada gradual”, disse o ministro. Ele lembrou que a redução do auxílio pela metade ocorreu na esteira da redução de casos e mortes, que chegou a bater a marca de mil óbitos diários e caiu para cerca de 300. “Nós estamos atentos e tomamos os cuidados, tanto que já prorrogamos duas vezes o auxílio”, reforçou. A fala do chefe da Economia tem tom diplomático, embora o FMI recentemente tenha incomodado parte da equipe, com suas projeções que estavam sendo bem mais pessimistas para o desempenho e algumas recomendações para manter suporte fiscal em 2021. Guedes avalia que o programa de atuação econômica do Brasil na pandemia tem sido bem sucedido, reduzindo os impactos da crise sanitária no emprego e promovendo uma recuperação da atividade econômica que tem sido mais intensa que a maioria dos países. O ministro reiterou a mensagem de que o plano do governo é voltar em janeiro ao padrão fiscal normal, com despesas limitadas ao teto de gastos. A ideia, explica, é que o motor do crescimento então passe a ser os investimentos privados, que teriam estímulos a partir dos novos marcos regulatórios, como saneamento (já aprovado e em vigor), gás natural, cabotagem, setor elétrico, petróleo, 5G, entre outros que estão no Congresso. “Estamos aprovando os novos marcos regulatórios exatamente para transformar a recuperação cíclica baseada em consumo em retomada de crescimento autossustentável com base em investimentos”, salientou. A equipe econômica tem se preocupado em passar uma mensagem de que não vai descuidar do lado fiscal, diante do quadro de elevado endividamento, que já supera 90% do Produto Interno Bruto (PIB) e que poderá chegar a 100% de todas as riquezas produzidas pelo país em um ano. Muitos economistas temem que a simples volta ao teto de gastos em 2021 prejudique a economia. O ministro tem dito em seus discursos que, caso necessário, se houver uma segunda onda da covid-19, o governo vai agir para proteger os mais vulneráveis. Ou seja, em caso de uma forte retomada de casos e mortes, o auxílio emergencial será prorrogado. Ainda não está definido qual seria o valor ou quantas famílias seriam atendidas em eventual prorrogação do auxílio, no caso de segunda onda. Mas as indicações são de seguir o conceito de transição, diminuindo o valor e o alcance. Na semana passada, a Instituição Fiscal Independente (IFI) apresentou diferentes cálculos de custos caso o governo resolva prorrogar o benefício. Em uma das contas, a manutenção de R$ 300 por quatro meses, mas para 26 milhões de pessoas, menos da metade do universo atual que é beneficiado, custaria R$ 15,3 bilhões. VALOR ECONÔMICO
‘Todos tiram uma casquinha do setor público’

A economista Elena Landau, a discrepância dos salários das estatais em comparação com os da iniciativa privada revela como a política de gestão de pessoal dessas empresas é engessada, com promoções automáticas e dificuldade de se demitir os funcionários com desempenho ruim. Ex-diretora da área de privatizações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) durante o governo Fernando Henrique Cardoso, Elena, colunista do Estadão, afirma que os altos salários contribuem para aumentar o lobby contra as privatizações, já que são os políticos que indicam os diretores e conselheiros das estatais. Por que essa discrepância nas remunerações das estatais com empresas similares?O problema, para mim, não é o nível salarial, mas a política de gestão de pessoal, que é muito engessada. Assim como no serviço público, as estatais têm salários elevados e promoções automáticas. Há uma grande dificuldade de promover os bons e uma enorme dificuldade de demitir aqueles com desempenho ruim. A Justiça trabalhista não permite demissões imotivadas, embora os funcionários sejam celetistas, e é preciso recorrer a planos de demissão voluntária (PDVs). Tem de gastar para demitir, e quase sempre são os melhores que vão embora. Os salários dos diretores e funcionários das estatais são muito elevados?Não acho que diretor ou funcionários de estatal têm de ganhar mal. A questão é que a média salarial é muito alta. Em empresas de economia mista e capital aberto, como Petrobrás e Eletrobrás, é uma forma de atrair executivos do mercado. A questão é que há uma enorme discrepância entre as estatais, justificada supostamente por ativos, função ou histórico das empresas. O Banco Central não é uma estatal, mas, a título de comparação, um diretor lá ganha R$ 17,3 mil se vier do setor privado. É justo que ganhe menos que a média da Codevasf? É fato que algumas estatais foram criadas para pagar salários a técnicos que não viriam para o setor público devido à baixa remuneração. O que pode ser feito para corrigir as distorções nas estatais?O governo deveria se empenhar em fazer valer a CLT para demitir os empregados. Deixar fazer greve e a Justiça julgar a legalidade. Ser mais duro nos acordos coletivos. Quer fazer um ajuste na Eletronorte? Basta mudar a sede de Brasília para Tucuruí. Você faz uma gestão de recursos rapidinho. Os altos salários aumentam o lobby dos servidores contra as privatizações?Claro. A grande resistência às privatizações vem de políticos, por meio de indicações a diretorias e conselhos, e de empregados e sindicatos. Os conselheiros ganham 10% do salário do presidente; quanto mais conselheiros, mais indicações e complementações salariais. Todos tiram uma casquinha do setor público. Há quem acredite que as estatais, se dão lucro, não devem ser privatizadas. Mas lucro é obrigação. É preciso observar indicadores de eficiência, qualidade, benefícios, gastos com plano de saúde e previdência. Faz sentido empresas que dependem do Tesouro pagar salários tão altos?Algumas estatais dependentes têm razão de ser. É o caso da Embrapa. É preciso pagar salários bons em uma empresa que revolucionou o agronegócio. Mas essas estatais deveriam ser a exceção, não a regra. O ESTADO DE S. PAULO
Varejo digital faz R$ 100 bi na pandemia

Para avançar nessa análise, o Valor Data comparou os números totais dos balanços dessas companhias no terceiro trimestre (ver tabela). Pelos dados, a rentabilidade encolheu – a margem bruta média das empresas caiu quase três pontos no último trimestre, de julho a setembro, passando de 29,2% para 26,3%. Na avaliação de Claudio Felisoni, presidente do Instituto Brasileiro de Executivos do Varejo (Ibevar), mesmo com os gargalos gerados pela falta de produtos nas lojas após março, como reflexo da paralisação das fábricas, a queda na demanda e o excesso de estoque – em segmentos como moda – derrubou as margens. “Isso ocorre porque a dinâmica do mercado, ou seja, a necessidade de remarcar preços, pesou mais que a estrutura de custos das empresas em alguns casos”. Todas as redes de moda perderam margem no trimestre (, Riachuelo, Marisa, C&A, Hering e Centauro). Sobre o lucro líquido, dois terços das empresas analisadas tiveram queda nessa linha sobre 2019 – ou o ganho do ano anterior virou prejuízo no terceiro trimestre. Na soma total, o lucro das cadeias chegou a crescer, com alta de 54%, para R$ 1,9 bilhão de julho a setembro, porque a Via Varejo e as redes de varejo alimentar GPA e Carrefour (setor que mais cresceu na pandemia) chegaram quase a triplicar seu resultado no período. O valor investido pelas rede analisadas caiu quase 13% de janeiro a setembro, para R$ 5,6 bilhões, com 70% das empresas reduzindo o montante. No mesmo período, o número de lojas somadas das empresas alcançou 11.278 pontos, aumento de 2,5%. Foram cerca de 300 unidades a mais no ano no saldo final, mas basicamente de duas cadeias – RD e Magazine Luiza. Sobre demissões durante a pandemia, a variação do quadro de empregados em 2020 ainda não foi divulgada nos balanços. Isso deve ocorrer no ano que vem. Parte das empresas dizia meses atrás que se comprometia com a manutenção dos quadros. Entre as 15 empresas, Riachuelo e IMC fizeram demissões desde março. Em termos regionais, há um desequilíbrio no desempenho, mas ele vem se reduzindo desde outubro. As lojas físicas ainda respondem por cerca de 90% das vendas do varejo local (eram 95% antes da pandemia), e como elas voltaram a operar em diferentes horários de funcionamento pelo país, quem retomou antes saiu na frente. Há também o efeito do auxílio emergencial que teve peso maior em áreas com menor renda. Números divulgados por shoppings e pelas redes mostram que no Norte e Nordeste, as lojas perderam menos vendas do que Sul e Sudeste. Segundo a BR Malls, com 31 shoppings no portfólio, os estados nordestinos tiveram queda de 10% nas vendas “mesmas lojas” (pontos abertos há mais de um ano) de julho a setembro. No Sudeste, a retração foi de 33% e no Sul, de 43%. A Aliansce Sonae, em setembro, apurou queda no fluxo de clientes nos empreendimentos no Nordeste de quase 27%. Em São Paulo, o recuo atingiu 40%. “O Rio de Janeiro e o Nordeste voltaram mais rápido. Belém e Manaus também têm se mostrado mais resilientes do que São Paulo, por exemplo”, disse Daniella Guanabara, diretora de estratégia da Aliansce Sonae. Uma das dúvidas do mercado é como esse processo de retomada pode ser afetado por uma possível segunda onda de contágio. “Ainda há muitas incertezas, o que deixa uma grande incógnita a respeito do desempenho do varejo no primeiro trimestre de 2021”, disse Felisoni. “Se municípios e estados forem indo e voltando nas fases de seus planos de controle, esse desequilíbrio tende a se aprofundar”. Para consultores, mesmo que o contágio cresça, empresas com site e lojas integrados, e com marketplaces mais maduros, sentem menos os efeitos da crise. “Quem já tem um ecossistema competitivo, e são poucas operando assim, já estão ganhando mercado. Não à toa, grupos com um marketplace inexistente, como GPA, ou menores que o de concorrentes, como Via Varejo, estão correndo com seus projetos neste ano”, disse Terra. Uma das dificuldades nesse processo é tornar o marketplace rentável. E para isso ocorrer, as vendas que passam pelas plataformas têm que virar receita e lucro. O levantamento do Valor mostra que, se as transações pelo digital cresceram 78% de janeiro a setembro, a receita líquida das empresas avançou apenas 2,64%, para R$ 180 bilhões. O resultado vem da cobrança pelos serviços (entrega, armazenagem). “Se você não tiver um ecossistema funcionando bem, com o lojista usando e pagando pela estrutura que a rede já tem, o marketplace não vai parar de pé. Esse é o desafio que o varejo no Brasil já começa a enfrentar”, diz Terra. VALOR ECONÔMICO